A fundação que fez demitir Presidente das Maurícias
Vera Covelo Tavares
29 de março de 2018
O caso mais recente a envolver o nome de Álvaro Sobrinho fez com que a Presidente das Ilhas Maurícias se demitisse. Mas o que tem ele a ver com esta remota região do Índico?
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É raro ouvir falar do lado de filantropia de Álvaro Sobrinho. O empresário angolano fundou o Planet Earth Institute (PEI), uma organização que diz ter como objetivo promover a ciência e produção científica em África. O Planet Earth Institute está sediado em Londres e conta com vários parceiros de renome, entre eles o Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente (PNUE), o British Council, o Governo de Angola e várias universidades. Mas o impacto parece ficar aquém do prometido.
Carlos Gonçalves, jornalista e comentador de Angola, conta que conhece a instituição mas que pouso se fala dela no seu país: "Embora Álvaro Sobrinho tenha sempre feito algumas intervenções relativamente aquilo que era a perspetiva dele relativamente ao futuro da ciência em África, o problema da energia, o facto é que a fundação propriamente, em Angola, tem tido pouca projecção, pouca intervenção.”
Na verdade, a instituição já teve impacto: levou à queda da Presidente das Maurícias Ameenah Gurib-Fakim, este mês. A ex-chefe de Estado usou um cartão da PEI para despesas pessoais de cerca de mais de 20 mil euros. Apesar das compras terem ocorrido em alturas diferentes durante o ano de 2016, Ameenah Gurib-Fakim diz que o fez inadvertidamente. No comunicado emitido sobre esta questão, acrescenta que ela própria informou o Planet Earth Institute do sucedido e restituiu o valor gasto. Mas isso não foi suficiente para dissipar suspeitas e Ameenah Gurib-Fakim acabou por se demitir.
O que faz a fundação Planet Earth Institute
O que faz a Planet Earth Institute nas Maurícias?
Foi o diário local das Maurícias, l'Express, que trouxe a público, no final de fevereiro deste ano, um documento com os detalhes do uso desse cartão. Em 2017, este jornal já investigava esta fundação e outros negócios de Álvaro Sobrinho naquele país.
As suspeitas começaram com um caso de bolsas de estudo que levariam estudantes de doutoramento locais para universidades estrangeiras reconhecidas, como Oxford e Edimburgo. Mas Anne-Lise Mestry, jornalista desta publicação, explica que não foi isso que aconteceu: "Fontes telefonaram e disseram-nos "obtivemos a bolsa e depois foi-nos dito que não iríamos para Edimburgo ou Oxford ou Universidade da Cidade do Cabo, que foram as anunciadas, disseram-nos que iríamos para universidades, por exemplo, no Gana e outras menos prestigiadas”, conta à DW.
A jornalista acrescenta que, no final, apenas um dos estudantes, filho de uma pessoa importante, chegou a ir para o estrangeiro com a bolsa de estudo da PEI enquanto os outros não prosseguiram com o programa. Além disso, tinha sido pedido aos estudantes que assinassem um termo de confidencialidade, o que Mestry considera estranho para este tipo de programas. Este é outro exemplo de um ambiente de secretismo à volta dos projetos que envolvem o Planet Earth Institute. Outro caso é o programa STEP (sigla para Science and Technoloy Enrolment Programme):
"Há o programa STEP, que foi implementado em duas escolas privadas – para dizer claramente, escolas de miúdos ricos. Mesmo aí há muito secretismo sobre a forma como foi organizado. Sei que o programa foi organizado em parceria com a embaixada da China. As escolas não dizem quanto é que contribuíram financeiramente para o programa nem o papel do Planet Earth Institute”, conta a jornalista das Maurícias.
O peso do nome "Sobrinho”
Anne-Lise Mestry acrescenta que, nas Maurícias, a pessoa mais associada à instituição era a Presidente da República, Ameenha Gurib Fakim. O nome de Álvaro Sobrinho só mais tarde viria a ser conhecido:
"Mesmo depois do lançamento da Planet Earth Institute, que foi em 2015, as pessoas não conheciam o nome Sobrinho. Esse nome só ficou amplamente conhecido do público em março de 2017, quando se levantaram suspeitas sobre como obteve a sua licença para operar na banca, se andou a corromper funcionários públicos. Foi aí que o nome ficou amplamente conhecido."
Para Carlos Gonçalves, o nome de Sobrinho teve influência na pressão para a demissão da Presidente.
"Os maurícios perceberam bem, investigaram o patrono da ideia, perceberam que havia provavelmente um interesse de fazer circular outros dinheiros que não fossem só os beneméritos da fundação e o facto de ter entrado a matar com aquelas ofertas de Range Rovers e Jaguares a algumas personalidades das Maurícias terá também criado toda essa aura de suspeição que depois se verificou e teve consequência com a saída da presidência de Amina Gurim[-Fakim]”, comenta.
Para um caso tão sério, a Planet Earth Institute pouco se pronuncia. Apresentando apenas um comunicado de poucas linhas em que confirma a versão dos factos da ex-chefe de Estado das Maurícias e não respondeu às tentativas de contacto da DW.
Já a Transparência Internacional (TI), uma organização que se dedica ao combate à corrupção, emitiu um comunicado em que pede uma comissão de inquérito para avaliar este caso. Rajen Bablee, da delegação desta organização nas Maurícias, explicou à DW que a comissão não foi implementada mas que está prevista a análise de uma comissão independente contra a corrupção.
Questionado se tinha conhecimento das atividades de Álvaro Sobrinho nas Maurícias, Bablee comentou que segue o caso, mas a sua organização não tem forma de investigar.
"Tentámos obter algumas informações mas infelizmente não há um ramo da Transparência Internacional (TI) em Angola. Tentámos através de um jornalista na África do sul sem muitos resultados. Como não temos formas de investigar por nós mesmos, não pudemos avançar mais”, explica.
As Ilhas Maurícias é tida como um dos países mais democráticos de África e, neste continente, é um dos mais bem classificados no Índice de Corrupção desenvolvido pela TI.
Sancionar os corruptos
Após a votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção", a ONG Transparência Internacional selecionou e anunciou esta quarta-feira (10.02) os 9 casos que passaram para a "Fase de Sanção Social".
Foto: picture alliance / AP Photo
Isabel dos Santos
Depois da votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção" da Transparência Internacional, 9 casos foram destacados pela organização. A filha mais velha do Presidente angolano não faz parte, apesar dos 1418 votos. Segundo a TI, a seleção dos 9 foi baseada não só nos votos, mas também no impacto nos direitos humanos e na necessidade de destacar o lado menos visível da corrupção.
Foto: Nélio dos Santos
Teodoro Nguema Obiang
Conhecido pelo seu estilo de vida luxuoso, o filho do Presidente da Guiné Equatorial é, desde 2012, o segundo Vice-Presidente da República. A Guiné Equatorial é o país mais rico de África, per capita, apesar do Banco Mundial alegar que mais de 75% da população vive na pobreza. Teodoro somou apenas 82 votos e - como Isabel dos Santos - não foi nomeado para a fase de sanção social.
Foto: DW/R. Graça
Banco Espírito Santo
As suspeitas de corrupção do BES (Banco Espírito Santo) começaram quando o grupo financeiro português entrou em bancarrota em 2014. Foram descobertas fortes evidências de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já esteve preso e foi recentemente libertado sob fiança. O BES somou 193 votos e também não passou aos 9 maiores casos de grande corrupção do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Mohamed Hosni Mubarak
Presidente do Egito entre 1981 e 2011, Mohamed Hosni Mubarak somou 207 votos e encontra-se agora preso. Mesmo assim, não aparece na lista dos casos de grande corrupção que a Transparência Internacional quer sancionar socialmente. Também o comércio de jade do Myanmar e a China Communication Construction Company ficaram de fora com 47 e 43 votos, respetivamente.
Foto: picture-alliance/AP
Transparência Internacional
"Unmask the Corrupt" é um projeto da Transparência Internacional que após receber 383 submissões, nomeou os 15 casos mais simbólicos de corrupção. Após receberem mais de 170 mil votos, reduziram os 15 para 9 casos. A Transparency International quer promover uma campanha mundial para aplicar sanções sociais e políticas nestes exemplos de corrupção. A DW África mostra-lhe os 9 casos nomeados.
Estado americano de Delaware
O Estado norte-americano de Delaware está entre os 9 casos mais simbólicos de corrupção. O jornal The New York Times chegou mesmo a apelidar o Estado como "paraíso fiscal corporativo" pela possibilidades que oferece às empresas. Somou 107 votos. "Está na hora da justiça e das pessoas mostrarem o poder das multidões", afirmou em comunicado de imprensa José Ugaz da Transparência Internacional.
Foto: Getty Images/M. Makela
Zine al-Abidine Ben Ali
Com 152 votos está o ex-Presidente da Tunísia, que governou entre 1987 e 2011. É acusado de roubar mais de dois mil milhões de euros à população tunisina e de beneficiar amigos e companheiros a escapar à justiça. É conhecido pelo seu estilo de vida extravagante e saiu do Governo em 2011, na sequência de protestos nas ruas da Tunísia conhecidos como a Revolução de Jasmim ou Primavera Árabe.
Foto: picture-alliance/dpa
Fundação Akhmad Kadyrov
A Fundação Akhmad Kadyrov tem como fim o desenvolvimento social e económico da Chechénia. Mas é acusada de gastar as verbas a entreter e oferecer presentes a estrelas de Hollywood e para o benefício de Ramzan Kadyrov (na foto), presidente da região russa da Chechénia e filho do falecido Akhmad Kadyrov. Segundo a TI, Ramzan Kadyrov usou as verbas para comprar jogadores de futebol. Reuniu 194 votos.
Foto: imago/ITAR-TASS/Y. Afonina
Sistema político do Líbano
Com 606 votos, o sistema político no Líbano, nomeadamante o Governo, as autoridades e as instituições, encontram-se também na lista da Transparência Internacional. Segundo a filial libanesa da TI, a corrupção encontra-se em todos setores sociais e governamentais, existindo "uma cultura de corrupção" no país. Considera o Líbano um país "muito fraco" em termos de integridade.
Foto: picture-alliance/dpa
FIFA - Federação Internacional de Futebol
A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é acusada de ultrajar milhões de fãs. Os respoonsáveis pelos cargos mais elevados são acusados de roubar milhões de euros e estão a ser analisados 81 casos suspeitos de branqueamento de capitais um pouco por todo o mundo. Há suspeitas que várias eleições de países anfitriões de mundiais de futebol foram manipuladaa. Conta 1844 votos.
O senador da República Dominicana conta 9786 votações. Foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de poder, prevaricação e enriquecimento ilícito no valor de vários milhões de dólares. Bautista já esteve em tribunal, mas nunca foi considerado culpado, o que originou vários protestos por parte da população dominicana.
Foto: unmaskthecorrupt.org
Ricardo Martinelli e companheiros
É ex-Presidente do Panamá e empresário. Ricardo Martinelli terminou com 10166 votos e possui atualmente uma rede de supermercados no país, entre outras empresas. Está envolvido numa polémica de espionagem política durante o seu mandato entre 2009 e 2014, utilizando alegadamente dinheiros públicos. Tem outras acusações em tribunal, incluindo vários crimes financeiros e subornos e perdões ilegais.
Foto: Getty Images/AFP/J. Ordone
Petrobras
A petrolífera Petrobras, empresa semi-estatal brasileira, ficou em segundo lugar com 11900 votos. As acusações de subornos, comissões e lavagens de dinheiro de mais de dois mil milhões de euros, conduziram, alegadamente, o Brasil a uma profunda crise política. O caso envolve mais de 50 políticos e 18 empresas. A população brasileira já protestou várias vezes nas ruas para exigir justiça.
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24
Viktor Yanukovych
O ex-Presidente da Ucrânia foi o mais votado. Acumulou 13210 acusações e é acusado de "deixar escapar" milhões de ativos estatais em mãos privadas e de ter fugido para a Rússia antes de ser acusado de peculato. Yanukovych começou o seu mandato em 2010, foi reeleito em 2012 e cessou as suas funções no ano de 2014, quando foi destituído após vários protestos populares.