Plataforma Decide denuncia indulto seletivo em Moçambique
27 de junho de 2025
Em Moçambique, a Plataforma Decide denuncia um indulto seletivo nos casos das detenções ocorridas nas manifestações pós-eleitorais. Para a ONG, esta exclusão fere os princípios constitucionais e os direitos humanos. O indulto foi acordado em abril, no âmbito do Compromisso Político de Diálogo Nacional, que envolve partidos e o Governo, como um mecanismo para o restabelecimento da paz após a crise político-social que se instalou no país.
Para Wilker Dias, as conflitualidades, as incongruências e a falta de datas para a implementação do indulto comprometem o processo de diálogo.
O ativista da ONG explicou à DW os factos que levam a sua organização a concluir que há discriminação.
DW África: O que os leva a concluir que o indulto no contexto das manifestações é seletivo?
Wilker Dias (WD): Bom, o indulto é seletivo porque, mesmo na cláusula sexta do termo de compromisso assinado pelos partidos políticos, que faz menção a este critério na terceira atividade, este critério acaba por violar o artigo 35 da Constituição da República, que menciona o princípio da igualdade, considerando também que, ao longo das manifestações, nem todos foram detidos em flagrante delito.
Temos questões relacionadas com detenções ou prisões arbitrárias. Para além disso, existem algumas situações em que não há provas concretas que justifiquem a detenção ou até a condenação das pessoas, como em certos casos em que indivíduos são obrigados a pagar entre 35 mil e 700 mil meticais para serem libertados. É um absurdo libertar alguns e deixar outros nesta situação.
DW África: As irregularidades apontadas pela Plataforma Decide comprometem o processo de diálogo de paz em curso. O compromisso do Governo neste processo é genuíno?
WD: O compromisso do Governo neste processo de diálogo pode ser genuíno, mas a forma como alguns termos foram redigidos não é clara nem objetiva, o que pode representar o risco de ser apenas mais um diálogo, ou mais um dos acordos que Moçambique assinou no passado.
Se analisarmos, a exclusão da sociedade civil é um dos motivos que leva à falta de clarificação. Mais uma vez, nesta questão do indulto, o próprio indulto seletivo não descreve quais são os critérios ou as pessoas que devem automaticamente ser indultadas. Esta falta de clareza levanta questões de injustiça no âmbito deste processo de indulto.
Tudo isto coloca em causa o processo global, porque, se se fala de indulto, deve tratar-se de um indulto universal e não parcial. Estamos a falar de um evento no qual todos estes indivíduos estiveram envolvidos, e é por isso que se invoca a questão global, em vez do indulto parcial.
DW África: Esta zona de penumbra que a Plataforma Decide denuncia parece intencional por parte das autoridades moçambicanas?
WD: Parece que a questão do indulto não constitui uma das grandes prioridades no âmbito do diálogo nacional. Diversas vozes afirmaram categoricamente que foi um dos pontos mais debatidos no processo negocial, e isso reflete-se atualmente com o atraso na definição dos critérios para o indulto.
As outras componentes já estão em curso, como a criação da Comissão Técnica e a seleção dos órgãos da sociedade civil que irão ocupar os três lugares na Comissão Técnica, eventualmente também no grupo de trabalho. Mas também aí existem lacunas quanto à apresentação concreta dos termos de referência: quais são os critérios a apresentar e qual é o trabalho a ser desenvolvido?
A mesma situação verifica-se em relação aos indultos, sobre os quais até hoje ninguém fala, nem mesmo os partidos políticos. Não há data prevista, e temos indivíduos encarcerados a passar por situações tenebrosas nas cadeias, principalmente por terem participado nas manifestações. Temos exemplos concretos e evidências em algumas províncias, e foi por isso que decidimos alertar as autoridades competentes para que prestem atenção a estes aspetos.
DW África: Relativamente às ilegalidades cometidas pelas autoridades, como detenções arbitrárias ou impedimento de acesso à assistência jurídica, a sociedade civil já moveu processos contra as autoridades? No caso concreto, a vossa organização?
WD: Sim, estamos a trabalhar no sentido de, ao longo dos próximos dias ou semanas, termos já um processo preparado para esse efeito.