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Pobreza potencia tráfico de órgãos em Moçambique

26 de julho de 2011

Mais de duas pessoas são mutiladas, por mês, na África do Sul e em Moçambique, devido ao tráfico de órgãos humanos. Um dado do relatório da Liga dos Direitos Humanos moçambicana.

Direito à integridade física nem sempre é respeitado em MoçambiqueFoto: Friederike Heidenhof

Partes do corpo são traficadas, frequentemente, na África do Sul e em Moçambique. Durante catorze meses de trabalho de campo, por parte da Liga dos Direitos Humanos moçambicana, houve vinte e nove mutilações nos dois países, o que representa uma média de mais duas pessoas por mês.

As mutilações não estão relacionadas com transplantes, mas antes com práticas de medicina tradicionais ou feitiçaria. De acordo com Carla Mendonça, da UNICEF Moçambique, a pobreza “faz com que muitas pessoas, na ânsia de conseguirem alguns ganhos e induzidas pelos médicos tradicionais, se predisponham a fazer o que os médicos tradicionais recomendam, no sentido de trazer partes do corpo humano para um tratamento”.


A especialista na área de proteção dos direitos das criança considera que a mutilação de órgãos está relacionada com a cura de doenças. Recorrendo “a artes mágicas e a feitiçarias, as pessoas levam os órgãos humanos para os médicos tradicionais tratarem”.

As mutilações não estão relacionadas com transplantes, mas antes com práticas de medicina tradicionais ou feitiçariaFoto: AP

De acordo com o relatório “Tráfico de Partes do Corpo em Moçambique e na África do Sul”, elaborado pela Liga dos Direitos Humanos de Moçambique, tanto neste país como na África do Sul, é comum a crença de “que quando um medicamento tradicional contém partes de corpo fica mais forte e poderoso”.

As vítimas de mutilação são adultos, mas preferencialmente criançasFoto: Terre des Hommes

Crianças são alvo principal

As vítimas de mutilação são adultos, mas “preferencialmente crianças”, refere Alice Mabota, da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique. Nos mais pequenos, os “órgãos mais visados costumam ser a vista, a língua, os lábios e as partes genitais”, detalha Carla Mendonça da UNICEF Moçambique.

Algumas das vítimas estão ainda vivas aquando da extração de órgãos ou de partes do corpo, noutros casos a mutilação ocorre depois do assassinato. Por vezes há pessoas que sobrevivem. Segundo Alice Mabota, a Liga Dos Direitos Humanos moçambicana criou condições para que, por exemplo, um menino sem olhos e sem sexo esteja a viver na provícia da Beira, de onde é natural.

Aquela organização tem ainda conhecimento de um outro menino a quem lhe foi retirado o pénis e os testículos e que urina agora com recurso a uma algália. Alice Mabota afirma que as pessoas que sobrevivem “não têm tido um tratamento adequado depois das mutilações”. Mas ainda assim, a Liga dos Direitos humanos de Moçambique conseguiu já levar uma vítima a Lisboa onde foi submetida a uma cirurgia de reconstrução do órgão genital.

Lei é “urgente”

O relatório da Liga dos Direitos Humanos aponta Moçambique como país exportador de órgãos humanos e a África do Sul, o país mais forte economicamente do continente africano, como destino.

Em Moçambique não existe legislação que puna o tráfico de órgãos humanos. Alice Mabota condena o governo moçambicano por nunca ter definido “isso como uma prioridade”. Uma lacuna que mantém impune os autores da prática e que encoraja sua continuidade, concordam a Liga dos Direitos Humanos de Moçambique e a UNICEF no país.

Em Moçambique não existe legislação que puna o tráfico de órgãos humanos e muitos meninos e meninas são vulneráveis à barbárieFoto: UNICEF

A especialista na área de proteção dos diereitos da criança diz que é “urgente (…) fazer-se um trabalho muito intenso para legislar” o tráfico de órgãos humanos. Além disso, a investigação do tráfico é “precária” qualifica Carla Mendonça, pelo que dificilmente os autores daquelas práticas chegam às barras da justiça.

Isto porque, como esclarece a responsável da UNICEF, “é muito difícil, muitas das vezes, ligar o órgão extraído ao corpo da vítima. Ou seja, é possivel apanhar um órgão humano numa província, traficada de uma outra provincial” e não conseguir identificar a pessoa a quem pretence o órgão devido às difculdades de troca de informação.

Além da legislação, Carla Mendonça afirma ser necessário “capacitar os diversos atores de atendimento, sejam autoridades alfandegárias, os serviços de medicina legal” para que haja uma “penalização dos praticantes desse ato”.

É ainda necessário um trabalho junto dos feiticeiros e mágicos de modo a que sejam eles “os principais veículos dessas práticas”, finaliza Carla Mendonça da UNICEF Moçambique. Enquanto isso não acontece, continuam a ser as organizações não governamentais a trabalhar em prol do combate ao tráfico de órgãos humanos no país.

Autora: Glória Sousa
Edição: Helena Ferro de Gouveia

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