Polícia reconhece focos de tensão em Mocímboa da Praia
Sitoi Lutxeque (Nampula)
27 de dezembro de 2017
Segundo a PRM, ataques armados estariam a abrandar nos últimos dias. Efetivos foram reforçados a todos os níveis e caça aos atacantes continua. População local reconhece alguma calma, mas medo permanece.
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No dia 5 de outubro, no distrito de Mocímboa da Praia, província nortenha de Cabo Delgado, tiveram início os ataques de pessoas não devidamente identificadas contra unidades policiais e líderes tradicionais.
Na mesma madrugada, foram tacados o Comando da Polícia de Mocímboa da Praia, o Quinto Regimento da Polícia de Fronteira, o Posto Policial de Awasse e o acampamento da Polícia de Proteção de Recursos Naturais.
As primeiras alegacões eram, entre outras, a inoperância das mesmas autoridades no combate à criminalidade.
Desde então, os ataques não pararam, embora aconteçam agora com menos intensidade e frequência, como confirma à DW África, em anonimato, um residente de Mocímboa da Praia.
"Ainda, na vila, continuava [até ontem] calma. Só a intensidade [disparos] era muito mais nas periferias, nas zonas bem localizadas. Na altura, estava assim. Agora, não sei e não posso detalhar mais", diz.
Ordem e tranquilidade
Também a Polícia da República de Moçambique (PRM) reconhece a existência de focos de ataques, mas esclarece que eles já não têm a dimensão da primeira ofensiva.
Inácio Dina, porta-voz do Comando Geral da Polícia, garante que “houve uma e outra renitência, mas foram colocadas imediatamente fora de ação, [tendo os autores sido] neutralizados e entregues para a responsabilização”.
Inácio Dina confirma o retorno da ordem e tranquilidade públicas em Mocímboa da Praia.
"A população está a retomar as suas atividades normalmente. O que nós queremos é encorajar que continuem a exercer as suas atividades e a aprimorar as medidas de vigilância. Porque esses indivíduos, em algum momento, foram vistos a circular - a nível das aldeias, comunidades - e o nosso apelo é: Sempre que avistarem alguém estranho, comuniquem as autoridades para averiguar", apela.
27.12.17. Mocimboa da Praia - MP3-Mono
Mas, mesmo assim, ainda continuam a haver mortes em Mocímboa da Praia. Há duas semanas, mesmo depois da visita do comandante-geral da Policia da República de Moçambique, num novo ataque os malfeitores alvejaram mortalmente o diretor nacional de Reconhecimento da Unidade de Intervenção Rápida.
"Infelizmente, neste processo de reprodução da ordem e tranquilidade, na troca de tiros, foi alvejado o colega e, na sequência, acabou perdendo a vida", confirma o porta-voz do Comando Geral da Polícia.
Inácio Dina diz que a Policia não medirá esforços para pôr termo à violência.
"Nós olhamos isso como consequência dessa ação inimiga e é mais que prova que são indivíduos terroristas que não têm mão a medir para opôr-se, para enfrentar agentes da autoridade. Por isso que a caça a esses mesmos homens não tem mão a medir e estamos comprometidos em colocar-lhes fora do combate a qualquer dimensão", avalia.
Desde o início dos ataques, a policia afirma que deteve mais de 300 supostos atacantes, em Mocímboa da Praia. Mas, parte deles foram soltos por falta de provas.
Recorde-se que o comandante-geral da Polícia de Moçambique, Berdino Rafael, deu um prazo de uma semana para que os atacantes se apresentassem às autoridades, caso contrário, seriam considerados terroristas e inimigos do Estado.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.