Polícia moçambicana apresenta suspeitos de colaborarem com os grupos insurgentes em Cabo Delgado. Detidos revelam detalhes sobre a logística dos insurgentes. Mantimentos, lonas e capulanas eram pagos via M-pesa.
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A Polícia da República de Moçambique (PRM) deteve seis homens que alegadamente integram grupos armados que atuam em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Os suspeitos foram apresentados nesta segunda-feira (16.03), em Mocímboa da Praia, distrito de Cabo Delgado.
O grupo é composto por colaboradores que supostamente garantiam a logística dos insurgentes.
Anti Pira admitiu fazer parte do grupo dos atacantes desde 2018, a convite de um homem conhecido como Nsuco. "Ele me falava sempre: 'Vamos entrar no grupo para trabalharmos juntos, e você também vai ganhar. Eu entrei no grupo pelos bens que ele tem, para eu também ter'", disse.
A função de Anti Pira era receber dinheiro via sistema financeiro móvel e comprar suprimentos no distrito de Mocímboa da Praia para garantir a logística dos homens armados.
Suspeitos de insurgência são detidos em Cabo Delgado
Transações via M-pesa
Os recursos usados para a compra dos suprimentos de logística dos malfeitores - como alimentos, lonas e vestuário - e o pagamento dos colaboradores eram transferidos através do serviço financeiro pro telefone móvel M-pesa. "Eles davam o dinheiro para eu comprar lonas e capulanas. Depois eles me falavam o lugar onde eu [devia] deixar [os objetos]. Eu recebia o dinheiro via M-pesa", explica.
Anti Pira contou com a ajuda de um homem identificado como Dubaida para fazer o trabalho de logística. "Ele [Anti Pira] me convidou para fazermos o trabalho e recebermos o dinheiro. O meu trabalho era de acompanhar o meu amigo. O dinheiro quem dá é o meu amigo. E costuma ser mil meticais [cerca de 14 euros]."
Outro detido, Chuda Abdala, teria entrado no movimento através de um cunhado morador do distrito de Palma. Abdala conta que recebeu uma ligação de um dos integrantes do grupo armado, que lhe perguntou se ele poderia operar o M-pesa pelo seu número telefónico.
"Eu respondi que sim. Depois ele transferiu um dinheiro no valor de 150 mil meticais [cerca de 2 mil euros]. Ele não mandava 150 mil ao mesmo tempo porque M-pesa não permite mandar esse valor. Hoje mandava 20 mil, amanhã 5 mil, 19 mil…", explicou Abdala.
Nem todos os seis capturados e apresentados à imprensa assumem o envolvimento com os insurgentes em Cabo Delgado. Um deles disse aos jornalistas que foi detido simplesmente por rezar numa mesquita supostamente frequentada por insurgentes.
"Logística bem organizada"
A polícia diz não ter dúvidas de que os detidos são colaboradores dos grupos que têm estado a matar pessoas e queimar residências, provocando o esvaziamento de aldeias e a deslocação de dezenas de milhares de pessoas.
"Constatamos que realmente pertencem àquele grupo [armado]. A atuação deles é [montar] uma logística bem organizada. São indivíduos bem instruídos, recebem dinheiro para abastecer os malfeitores - quer em bens alimentares, quer em meios para que eles possam fazer as suas atividades”, disse o porta-voz da PRM, Augusto Guta.
O comandante Geral da PRM, Bernardino Rafael, encoraja o combate à ação dos insurgentes em Cabo Delgado. Para Rafael, os moçambicanos continuam a confiar nas forças de defesa e segurança que são constituídas pelos seus próprios filhos. O comandante da PRM acredita que ninguém mais vai repor a ordem, a não ser a juventude.
"Temos que nos empenhar porque a confiança do governo da República de Moçambique, a confiança dos moçambicanos está em nós, as forças de defesa e segurança, empenhadas neste teatro operacional norte", explica Rafael.
Os primeiros ataques de insurgentes tiveram lugar a 5 outubro de 2017, exatamente em Mocímboa da Praia. Bernardino Rafael garantiu, num encontro que manteve com os residentes da sede distrital, que a corporação não irá descansar antes de devolver a tranquilidade à região. O comandante da PRM pediu à população vigilância e denúncia.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.