Sudão: Polícia acusada de atacar hospitais desde o golpe
Lusa
22 de novembro de 2021
Associação de médicos sudaneses acusa as forças de segurança do país de impedirem manifestantes feridos de receberem tratamento e de atacarem hospitais desde o golpe militar de 25 de outubro.
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Segundo um relatório do Escritório Unificado de Médicos Sudaneses, o exército impediu as ambulâncias com manifestantes feridos de chegarem aos hospitais, a polícia entrou em urgências hospitalares e deteve pacientes, e disparou gás lacrimogéneo no interior de pelo menos dois hospitais da capital desde o golpe de 25 de outubro.
Pelo menos 41 manifestantes foram mortos em protestos contra o golpe no Sudão desde que os militares depuseram o Governo civil do país, segundo o último balanço, apresentado no domingo (21.11) pelo Comité de Médicos do Sudão, que tem estado a registar as mortes relacionadas com os protestos.
A vítima mais recente foi um rapaz de 16 anos que morreu de um disparo na cabeça em protestos contra um novo acordo de partilha de poder entre o exército e o primeiro-ministro deposto.
Não houve qualquer resposta por parte das autoridades sudanesas, que têm sido acusadas pelas Nações Unidas de excesso de força contra as manifestações pró-democracia.
No entanto, a polícia tem-se distanciado de qualquer papel na violência, argumentando que as forças presentes nas ruas não estão armadas e que tem havido violência cometida pelos manifestantes. A polícia prometeu repetidamente investigar os relatos de mortes.
Manifestantes denunciam traição à causa democrática
No domingo, o primeiro-ministro deposto, Abdalla Hamdok, assinou um acordo que implica que irá retomar o poder quase um mês após o golpe militar que o colocou em prisão domiciliária.
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O acordo prevê um Governo independente e tecnocrata, que será liderado por Hamdok, até que se possam realizar eleições. Mesmo aí, o Governo continuará sob vigilância militar.
Em resposta, milhares de sudaneses saíram à rua para denunciar o que muitos consideram uma traição à causa democrática por parte do seu antigo primeiro-ministro, que tem sido a face civil do governo de transição desde que tomou o poder em 2019, numa revolta popular que depôs o autocrata Omar al-Bashir.
Segundo o escritório dos médicos, a polícia disparou gás lacrimogéneo dentro do Hospital Universitário de Cartum, perto de uma unidade de cuidados intensivos e da unidade neonatal.
A 25 de outubro, o chefe do exército sudanês, general Abdel-Fattah al-Burhan, mandou prender quase todos os civis no poder, pôs fim à união formada por civis e militares e declarou o estado de emergência. Abdallah Hamdok, que liderava o governo de transição, foi colocado sob prisão domiciliária.
Desde o golpe, os protestos contra o exército e o apelo ao regresso do governo civil têm decorrido sobretudo em Cartum. Mais de 40 civis foram mortos e centenas ficaram feridos na repressão pelas forças de segurança dos protestos, de acordo com números de uma comissão de médicos.
A comunidade internacional denunciou a repressão e apelou para um regresso do Governo civil. No sábado, centenas de manifestantes marcharam em Cartum Norte, um subúrbio da capital, erguendo barricadas nas ruas e incendiando pneus. "Não ao domínio militar", gritavam.
O povo contra o exército - Cronologia da luta pelo poder no Sudão
A evacuação violenta de um campo de protesto na capital sudanesa, Cartum, exacerbou as tensões entre manifestantes e militares. A luta pelo poder documentada em imagens.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Protesto
Durante semanas, manifestantes sudaneses resistiram diante do Ministério da Defesa. Milhares exigiram um conselho de transição que incluísse civis, para poderem também decidir sobre o futuro do país. No início de junho, os militares atacaram violentamente os manifestantes. Dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Em nome da nação
Um manifestante com a bandeira nacional perto do quartel-general do exército. A bandeira representa a exigência dos manifestantes de civis nos comandos para moldarem o futuro do país juntamente com os militares. A acontecer, este seria um passo importante para a democracia.
Foto: Reuters
Sinais de alarme
Os militares aumentaram massivamente a presença nas ruas, nos dias que antecederam o massacre no início de junho. Muitos manifestantes interpretaram a situação como prova de que o exército não queria abandonar o poder. Mas esta tinha sido a grade esperança de muitos sudaneses após a queda do ditador Omar al-Bashir.
Foto: Getty Images/AFP
Uma era chega ao fim
Omar al-Bashir governou o Sudão desde 1993 até sua queda, em abril de 2019. Os seus críticos foram violentamente reprimidos. Para manter o poder, al-Bashir chegou a dissolver o Parlamento, em 1999. Na mesma altura, concedeu asilo ao líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Acima de tudo, porém, o seu nome continua associado à guerra sangrenta contra os separatistas na província de Darfur.
Foto: Reuters/M. Nureldin Abdallah
Ditador em tribunal
Ver o ditador em tribunal era um sonho antigo de muitos sudaneses. A 16 de junho, Omar al-Bashir apareceu no processo contra ele instaurado. Para já, é acusado de corrupção e posse ilegal de moeda estrangeira. Depois da sua queda, a polícia encontrou na sua residência sacos de dinheiro no valor de mais de cem milhões de dólares.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Hjaj
As mulheres querem ser ouvidas
Muitas mulheres participaram nos protestos. As mulheres no Sudão sempre beneficiaram de uma liberdade relativamente significante. Agora, não só reforçam quantitativamente as manifestações, como também lhes dão um rosto diferente. A sua presença expressa o desejo de democracia e igualdade de muitos cidadãos.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Ícone da revolução
A estudante de arquitetura Alaa Salah tornou-se a face da revolução. Quando subiu ao telhado de um carro em abril para falar com os manifestantes, um fotógrafo atento fez esta imagem. Desde então, ela tem sido partilhada inúmeras vezes nas redes sociais. Fotos como estas tornaram-se uma parte importante da revolução, porque convidam os cidadãos a identificarem-se com os protestos.
Foto: Getty Images/AFP
Solidariedade internacional
Graças às plataformas sociais online, a notícia dos protestos no Sudão rapidamente correu o mundo. E logo mereceram apoio internacional, como aqui em Edimburgo, Escócia. Recentemente os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia também se fizeram ouvir: "A UE apela ao fim imediato de toda a violência contra o povo sudanês", disseram numa declaração oficial.
No entanto, a oposição ao exército no poder não é consensual. Muitos sudaneses apoiam os militares, porque acreditam que só uma governação autoritária pode conduzir o país a um futuro próspero. Os apoiantes dos militares consideram que o General Abdel Fattah Burhan, presidente do Conselho Militar, representado no cartaz, reúne as condições para cumprir a tarefa.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
À espera
Mas a eminência parda General Mohammed Hamdan Daglu, conhecido por Hemeti, é tido como o homem forte do regime de transição. Daglu comandou a tropa que reprimiu os protestos em frente ao quartel-general militar. Durante a guerra do Darfur, liderou as milícias Janjaweed, que combateram brutalmente os rebeldes. Os manifestantes temem que ele possa vir a ser o novo governante do país.
Foto: Reuters/M.N. Abdallah
O Golfo preocupado
Políticos de outros países árabes também olham com nervosismo para o Sudão. Por exemplo, Mohamed bin Zayad al-Nahyan, o Príncipe Herdeiro dos Emirados Árabes Unidos. Tal como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos temem que o protesto possa ser um exemplo de uma revolução popular bem-sucedida na região, pondo em questão governos autoritários. Ambos os países apoiam os militares sudaneses.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Ministry of Presidential Affairs/M. Al Hammadi
Os vizinhos a norte
Também no Cairo se olha com preocupação para Cartum. O Governo do Presidente Abdel-Fattah al-Sisi receia que a Irmandade Muçulmana possa ganhar influência no Sudão - precisamente o grupo contra o qual o Governo egípcio está a agir com todas as suas forças no seu próprio país. Se a Irmandade Muçulmana se estabelecesse no Sudão, poderia, a partir daí, voltar a exercer uma forte influência no Egito.
Foto: picture-alliance/Photoshot/MENA
Protestos sem fim à vista
No Sudão prosseguem os protestos. No dia 14 de junho, Sadiq al-Mahdi, uma das principais figuras da oposição do país durante décadas, exigiu uma investigação da evacuação violenta do campo de protesto. É algo que não pode agradar aos militares. As tensões poderão voltar a agravar-se.