População de Chibuto descontente com indemnizações chinesas
Carlos Matsinhe (Xai-Xai)
26 de outubro de 2018
Mais de 200 famílias de Chibuto, sul de Moçambique, estão de costas voltadas com a mineradora chinesa Ding Sheng. As comunidades acusam a empresa de não pagar as indemnizações combinadas a propósito do reassentamento.
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Em causa estão 229 famílias das comunidades de Mudada, Mudumeia, Mutsikwane, Mabekwane e Savene, abrangidas pela área das areias pesadas, que foi concedida pelo Governo à empresa chinesa Ding Sheng, no distrito de Chibuto, na província de Gaza.
A empresa deverá transferir as famílias para uma zona de reassentamento, além de pagar indemnizações por cada cajueiro na zona a ser explorada. Entretanto, os residentes ameaçam permanecer no local e acusam a mineradora de não pagar as indemnizações combinadas.
Julião Macuacua, que pertence a uma dessas famílias, diz que a empresa está disposta a pagar um valor inferior ao que já foi pago aos residentes de outra área do distrito, onde foram construídas uma fábrica e casas para o reassentamento.
População de Chibuto descontente com indemnizações chinesas
"O valor a pagar foi mudado, quando se fala de três mil por cajueiro, conta o habitante. "Como é que alguém com dois cajueiros pode reinserir-se numa nova zona?", questiona Julião Macuacua, que lembra que as promessas de transferência de famílias previstas para 2017 ainda não se concretizaram e só atrasam as vidas das comunidades.
A plantação de caju é o principal sustento das famílias de Chibuto. O líder comunitário de Mudumeia, Eduardo Macuacua, lamenta que a mineradora tenha mudado o valor das indemnizações. "A empresa não está a fazer as coisas como a população quer, agora já mudaram os valores [das indemnizações]. Se as coisas não voltarem a estar como estavam da primeira vez, parece que a empresa não vai continuar aqui", diz.
Falta de transparência no setor
Alménio Langa, do Conselho Cristão de Moçambique em Gaza, afirma que falta transparência na extração mineira em Chibuto e no país em geral. "Se houver transparência, há-de haver cumprimento da lei. Já estão a proceder à extração, estão a trabalhar efetivamente, a lei diz que só se iniciam as atividades após a retirada das comunidades", sublinha.
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05:11
O diretor provincial dos Recursos Minerais e Energia e chefe da comissão do reassentamento, Castro Elias, reconhece que o valor das indemnizações proposto pela empresa é o mínimo estipulado por uma tabela aprovada pelo Governo, o equivalente a 171 euros por cada cajueiro.
"Doze mil meticais (171 euros) por cada cajueiro: a proposta foi da empresa, o Governo nunca iria dizer que este valor é muito, porque as nossas comunidades têm direito, mas existe uma tabela aprovada que dá o valor mínimo", afirma.
A empresa chinesa Ding Sheng ainda não construiu o regadio para o sustento das famílias nem um local para o pastoreio dos animais. A lei moçambicana também exige a construção de uma escola técnica. Ainda assim, quer transferir as famílias para a zona do reassentamento em Mudumeia, por ter já concluído a construção de 489 casas convencionais.
A DW África procurou ouvir a mineradora, mas os representantes da Ding Sheng informaram, por telefone, que não podiam prestar informação, porque a população estava de costas voltadas com a empresa e o Governo.
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A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.