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Moçambicanos desconfiam do uso de câmaras de vigilância

Silaide Mutemba
2 de setembro de 2024

Câmaras de vigilância foram instaladas sem qualquer tipo de consulta aos cidadãos ou aprovação pelo parlamento moçambicano. A falta de transparência levanta dúvidas sobre as verdadeiras intenções dessa implementação.

Câmaras de vigilância
Nos últimos dez anos, as ruas de Maputo passaram a ser monitorizadas por câmaras de vigilância (imagem ilustrativa)Foto: Markus Brunner/imageBROKER/picture alliance

Nos últimos dez anos, as ruas da cidade e província de Maputo passaram a ser monitorizadas por câmaras de vigilância instaladas em pontos estratégicos. Não se sabe ao certo qual era o principal objetivo, mas havia uma esperança: aumentar a segurança pública, especialmente numa cidade que, na época, começava a enfrentar um aumento nos casos de criminalidade, incluindo raptos.

No entanto, este é um propósito que tem sido cada vez mais questionado. As câmaras, que agora fazem parte da paisagem urbana, foram instaladas sem qualquer tipo de consulta aos cidadãos ou aprovação pelo parlamento. Esse detalhe não passou despercebido e gerou desde então um debate acirrado sobre a legitimidade do processo.

Para o jornalista Rafael Macheie, estas câmaras foram instaladas por um governo fechado que pouco ou quase comunica com o povo. "O governo tomou a decisão por si de instalar as câmaras sem informar os moçambicanos atraves do parlamento. Isso é lamentável e, neste caso, houve uma violação de um direito de participar nos processos decisivos sobre o seu país", diz.

Raptos continuam

Nos últimos anos, os raptos em Maputo tornaram-se um problema crescente, com os empresários de origem estrangeira a viverem em constante medo de serem as próximas vítimas.

Dados da organização não-governamental Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD) indicam que, desde 2011, quando os raptores fizeram as primeiras vítimas, até janeiro do presente ano, contabilizam-se mais de 60 raptos. Entre 2018 e 2021, o país registou 30 casos de rapto. 

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Ironia ou não, a instalação das câmaras não reduziu esses crimes. Pelo contrário, os casos têm aumentado e a polícia tem sido incapaz de fornecer informações concretas sobre quantos crimes foram efetivamente resolvidos com a ajuda das câmaras.

"Não sabemos quantos casos de rapto foram resolvidos graças às câmaras", diz o porta-voz da Polícia de Investigação Criminal, Hilário Lole. 

A falta de dados e relatórios sobre a eficácia das câmaras só contribui para o ceticismo. Essa incerteza é compartilhada por criminalistas como Paulo de Sousa, que questionam a real utilidade das câmaras. "Dado o aumento nos raptos e a falta de resoluções, é difícil acreditar que essas câmaras foram instaladas para atender às necessidades de segurança dos moçambicanos", afirma.

"Se estas câmaras estão a funcionar, porque é que estas pessoas envolvidas nesses crimes não são encontradas? Estas câmaras deviam ajudar no esclarecimento destes crimes", conclui o espeicalista.

Suspeitas e acusações de corrupção

As suspeitas sobre as reais motivações para a instalação das câmaras não param por aí. Representantes da sociedade civil e defensores dos direitos dos cidadãos levantam sérias acusações de corrupção envolvendo o processo.

Uma das principais alegações diz respeito à participação de uma empresa ligada ao filho do ex-Presidente Armando Guebuza. Aquando da instalação destes dispositivos, a imprensa moçambicana escreveu que a entidade privada responsável pelo projeto é a Msumbiji Investiment Limited, empresa de Mussumuluku Guebuza, filho de Guebuza. O jornal A Verdade escreveu na época que as câmaras foram adquiridas pela Casa Militar, num negócio que custou mais de 140 milhões de dólares. 

A ativista social Mirna Chitsungo reforça a ideia de que o projeto pode ter servido interesses políticos e pessoais em vez de públicos: "O processo de instalação destas câmaras de vigilância, aliada à empresa envolvida na instalação destes equipamentos, nos remete a casos de corrupção que as pessoas ligadas ao governo moçambicano nos habituaram. Porque não se explica como um membro da família do antigo Presidente estivesse envolvido neste negócio."

Mirna Chitsungo fala ainda sobre a violação do direito à informação. "O governo moçambicano ao instalar estas câmaras e sem informar os moçambicanos violou um direito fundamental que é o do direito à informação", considera.

As preocupações com a privacidade também são um ponto central nesse debate. Com as câmaras espalhadas por toda a cidade, muitos cidadãos temem que as suas vidas sejam monitorizadas não para sua proteção, mas para atender a interesses obscuros. 

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