Por que cadáveres são abandonados na morgue no Huambo?
27 de fevereiro de 2022![Institut für Rechtsmedizin am Universitätsklinikum Frankfurt](https://static.dw.com/image/41634457_800.webp)
A notícia de um alegado abandono de cadáveres na morgue do Hospital Regional do Huambo (HGH) tem sido, nos últimos dias, motivo de conversa e reflexão dos citadinos locais, que procuram compreendem as causas associadas ao fenómeno.
A direção do Hospital Geral do Huambo (HGH) realizou, com o apoio de parceiros, no dia 12.02, a sepultura coletiva dos 31 cadáveres, dos quais seis eram recém-nascidos. Estavam abandonados há três meses na morgue daquela unidade hospitalar, para o cemitério do bairro da Alemanha.
Para entender este fenómeno, especialistas ouvidos pela DW África sugerem maior estudo da questão e salientam os fatores socioeconómicos e a falta de serviços de saúde adequados no interior das cidades como alguns factores que podem estar associados à prática, pouco comum nas comunidades locais.
Comportamento desviante
O antropólogo Miguel Quimbanze afirma estarmos diante de um comportamento desviante da tradição de África e de Angola, de forma particular, constituída, na sua maioria, pelos povos bantus, que encaram a morte como uma passagem do estado físico para o estado espiritual.
Quimbenze defende também a necessidade de um estudo sócio-cultural sobre esta prática, que caracteriza estranha "é um comportamento novo, não faz parte dos nossos usos, hábitos e costumes. Deve ser estudado com muita profundidade para sabermos de concreto o que está na base disso", disse.
O sociólogo Adilson Luassa mostrou, igualmente, surpresa com a situação. Luassa destaca a dimensão afetiva do africano, que se baseia em honrar e dignificar os mortos, culminando com a realização do funeral. "Segundo a nossa tradição, o óbito não termina enquanto não realizarmos o funeral do nosso ente querido", explica.
Luassa associa o abandono de cadáveres nos hospitais com a situação da precaridade das famílias, sobretudo, aquelas que residem longe dos grandes centros urbanos, e defende a criação de mais servições especializados ao nível dos hospitais municipais.
"O abandono de cadáveres nos hospitais provinciais tem a ver com a precaridade que as famílias enfrentam. Há necessidade de mais serviços nos hospitais municipais", diz. "Quando acontece o pior - a morte - ficam sem saída. Alguns recorrem à boa-fé das pessoas, mas outro deixam corpo e realizam o óbito de forma simbólica", explicou.
Serviços dos hospitais
Segundo Adilson Luassa, é urgente repensar a cadeia de serviços dos hospitais, desde a província à aldeia. "Se temos ambulâncias para transportar doentes de uma comuna ao município e do município para a província, então, temos que ter também serviços para distribuir pela mesma via os cadáveres [...]. Se o estado não criar estas condições, então, o hospital deve estar em condições de realizar os funerais estes restos mortais", diz.
Entretanto, sobre o caso que agora gera reflexão entre citadidos, o diretor do Hospital Geral do Huambo, Hamilton Tavares, informou que, dos corpos sepultados, dez faleceram na unidade hospitalar, e os demais foram recolhidos na via pública pelo efetivo do serviço de Investigação Criminal (SIC).
O responsável disse ainda que, dos 31 cadáveres, 15 chegaram a ser identificados pelos familiares que, entretanto, alegaram falta de condições como uma das razões para do abando, tendo em conta os custos da realização de um funeral condigno.
O diretor revelou, por outro lado, que a morgue do hospital geral do Huambo dispõe de 27 gavetas para a conservação de igual número de corpos mas, nos últimos tempos, tem havido uma maior solicitação, atingido, muitas vezes, 50 corpos. Enfatizou também que a realização de funerais tem um custo elevados para a unidade hospitalar e que não existe qualquer rubrica financeira para cobrir os gastos, daí o recurso aos parceiros sociais.
Com exemplo, citou, na sepultura de cadáveres feita pelo governo da província, cada funeral ficou avaliado em perto de 2 milhões de kwanzas, cerca de três mil e duzentos euros.