Bill Gates anunciou esta semana na União Africana planos para a sua fundação investir massivamente em projetos de saúde e agricultura em África - também com inteligência artificial. Especialistas alertam para riscos.
Apesar da sua postura filantrópica, Bill Gates é alvo de críticas em todo o mundo Foto: Keld Navntoft/Ritzau Scanpix/REUTERS
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Por ocasião do 25.º aniversário da Fundação Gates, o multimilionário norte-americano Bill Gates criticou esta semana, na Sala Nelson Mandela da União Africana (UA), a redução dos orçamentos de saúde em vários países africanos, motivada principalmente pelo elevado endividamento público e cortes internacionais.
Gates destacou, em especial, o impacto da retirada dos EUA da cooperação internacional para o desenvolvimento: a USAID investia cerca de 50 mil milhões de dólares anuais. Os cortes massivos, que afectam cerca de 83% dos programas a nível mundial, já paralisaram importantes projetos de promoção da saúde e da agricultura em África, dissse Gates: "Os cortes são um grande erro".
O multimilionário explicou que pretende, através da sua fundação, colmatar estas lacunas, principalmente na área da saúde, embora tema que a mortalidade infantil em África volte a aumentar nos próximos anos.
O foco principal da Fundação Gates continua a ser o combate à SIDA, malária e tuberculose. Gates reafirmou a intenção de doar quase toda a sua fortuna – cerca de 200 mil milhões de dólares – ficando apenas com 1% para si. O objetivo é gastar esse dinheiro nos próximos vinte anos exclusivamente para fins filantrópicos, com destaque para a saúde em África.
Apesar da filantropia, Bill Gates é alvo de críticasFoto: Jae C. Hong/AP
Busca de poder?
Apesar da sua postura filantrópica, Gates é alvo de críticas em todo o mundo e cada vez mais também em África. Observadores acusam-no de usar a filantropia para alargar o seu poder económico e político.
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O jornalista norte-americano Tim Schwab, autor do livro O Problema Bill Gates, considera-o um expoente do "filantrocapitalismo" – uma forma de filantropia fortemente ligada a interesses económicos próprios. Segundo Schwab, Bill Gates e outros multimilionários do sector tecnológico utilizam a filantropia como forma de ganhar poder e moldar o mundo à sua maneira.
Um documentário da DW de 2022 mostra como a Fundação Bill & Melinda Gates se tornou uma das principais financiadoras de experiências com engenharia genética em África. Ao financiar estas experiências, a fundação estaria a favorecer as grandes empresas agrícolas ocidentais.
Também em África surgem vozes críticas. O especialista angolano em saúde Domingos Cristóvão alerta para o risco de dependência de fundações privadas em áreas estratégicas como a saúde: "Os países africanos devem construir sistemas de saúde sustentáveis próprios, sem depender de financiadores estrangeiros."
Uso de energia solar eleva equidade na saúde
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Inteligência artificial como oportunidade?
Um novo foco da Fundação Gates em África será a utilização da inteligência artificial para modernizar os sistemas de saúde no continente. Gates vê nesta tecnologia uma grande oportunidade para aumentar a eficiência e o alcance dos serviços.
Sobre este ponto, Domingos Cristóvão mostra-se receptivo: "Os países africanos têm tido pouco acesso a tecnologias de inteligência artificial. Um apoio direccionado pode ser útil aqui."
Contudo, sublinha a necessidade de estratégias próprias: "Precisamos de saber, por nós mesmos, o que necessitamos e não permitir que nos imponham prioridades de fora".
Perigos da ignorância: Os presidentes africanos e a negação da SIDA
Saber é poder. Por isso o lema do Dia Mundial da SIDA 2018 é "conhece o teu estado". Estar ciente da doença torna mais fácil combatê-la. Mas nem todos os presidentes africanos entenderam a ameaça que o vírus representa.
Foto: picture-alliance/dpa
Negação fatal
O ex-Presidente sul africano Thabo Mbeki (1999 - 2008) ficou para a história como o principal negacionista do HIV/SIDA. Contrariando a evidência científica, Mbeki insistiu que o HIV não causava SIDA e mandou que a doença fosse tratada com ervas. Analistas acreditam que isto custou a vida a 300.000 pessoas. Há quem exija que o ex-Presidente seja julgado por crimes contra a humanidade.
Foto: Getty Images/AFP/G. Khan
O Presidente curandeiro
Em 2007, o então Presidente da Gâmbia, Yayah Jammeh (1996 - 2017) obrigou pacientes da SIDA a submeter-se a uma cura que dizia ter pessoalmente desenvolvido. A cura consistia de uma mistura de ervas. Um número desconhecido de pessoas morreu. Jammeh, que dizia ter poderes místicos, é o primeiro Presidente africano a ser julgado por violação dos direitos de pessoas com HIV/SIDA.
Foto: picture alliance/AP Photo
Duche como prevenção
Outro Presidente famoso pelas suas declarações inconvencionais sobre o HIV/SIDA é Jacob Zuma da África do Sul (2009 - 2018). Durante o processo por violação de uma mulher HIV-positiva em 2006, Zuma disse que não correu perigo de contágio apesar de não ter usado preservativo, porque "tomou um duche a seguir".
Foto: Reuters/N. Bothma
Sem preservativo?
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni , também levou algum tempo a compreender a dimensão do problema. Ainda em 2004, numa conferência internacional na Tailândia dedicada ao combate da SIDA, Museveni minimizou a eficácia de preservativos alegando, entre outras coisas, que o seu uso contrariava algumas práticas sexuais africanas. Os seus comentários foram recebidos com risadas pela audiência.
Foto: picture-alliance/dpa/I. Langsdon
Um imposto para o tratamento
Algumas medidas tomadas por líderes africanos para combater a doença foram mal recebidas. Em 1999, o Presidente do Zimbabué, Robert Mugabe (1987-2017) introduziu um imposto destinado a apoiar os órfãos e pacientes do HIV/SIDA, que provocou protestos. O imposto ainda existe. Mugabe admitiu que membros da sua família foram afetados e chamou à infeção "um dos maiores desafios da nação".
Foto: picture-alliance/AP Photo/T. Mukwazhi
Um grande exemplo
As possíveis consequências económicas, por exemplo, para o turismo, fizeram com que muitos líderes africanos mostrassem relutância em aceitar a dimensão da ameaça. Mas Kenneth Kaunda, o Presidente da Zâmbia (1964-1991), já em 1987 anunciou a morte de um filho com SIDA. Em 2002 foi o primeiro Presidente africano a fazer um teste de SIDA. Até hoje continua a lutar pela erradicação da doença.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Mwape
Testes compulsórios
A luta contra a SIDA do sucessor de Kaunda, Edgar Lungu, também causou consternação. Lungu quis introduzir testes compulsórios na Zâmbia em 2016. Mas protestos no país e no exterior obrigaram-no a recuar. Sobretudo quando a Organização Mundial de Saúde criticou o propósito e deixou claro que esses testes só servem para aumentar o estigma do HIV/SIDA.
Foto: Imago/Xinhua
Por uma África sem HIV
Depois de abandonar o cargo de Presidente do Botswana, Festus Mogae (1998-2008) lançou a organização "Campeões por uma geração sem SIDA", à qual se juntaram numerosos ex-chefes de Estado e outras personalidades influentes. Juntos tentam pressionar governos e parceiros a investir mais na prevenção da SIDA.