Mais de oito mil refugiados da República Democrática do Congo (RDC) a viver em Angola decidiram regressar ao seu país de origem. Autoridades estão preocupadas.
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O centro de acolhimento do Lóvua, na província angolana da Lunda Norte, acolhia há mais de dois anos cerca de 23 mil refugiados da República Democrática do Congo (RDC). Mas, no domingo (18.08), oito mil refugiados decidiram fazer-se à estrada e abandonar Angola, para voltar à sua terra de origem.
As imagens exibidas pelas estações televisivas angolanas mostravam mulheres, crianças e idosos com os seus haveres aos ombros em direção às províncias congolesas de Kasai Central e Kasai, palco de violência há muitos anos.
Segundo o Governo angolano, foi uma decisão "inesperada", e as autoridades locais estariam a tentar demover os refugiados de abandonar o país "até que todas as condições estejam realmente criadas para o efeito". Foram disponibilizados meios técnicos e humanos para prestar assistência médica e medicamentosa, sobretudo a idosos e mulheres grávidas.
Motivos para o regresso
Ainda não se sabe ao certo os motivos para o regresso destes refugiados. Um dos congoleses disse à Rádio Nacional de Angola (RNA) que, em Angola, os refugiados "não têm comida, não têm nada". Por isso, resolveu "ir mesmo para o Congo a pé."
Uma delegação angolana deslocou-se na segunda-feira ao centro de acolhimento do Lóvua para constatar as condições em que vivem os refugiados.
Além disso, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Angola, há outras razões que podem ter contribuído para o regresso dos mais de oito mil congoleses: "As condições no Congo melhoraram bastante, aos olhos deles", e a isso juntam-se os "laços culturais, étnicos, com o novo Presidente do Congo [Félix Tshisekedi], que também é da região de Kasai", disse, na segunda-feira, a chefe da Área de Relações Externas do ACNUR em Angola, Juliana Ghazi.
Refugiados da RDC regressam de Angola
Por outro lado, "o que pode realmente ter influenciado a decisão deles é também a questão do ensino, alguns querem voltar para que as crianças consigam voltar às escolas". Os refugiados "querem realmente voltar o quanto antes", sublinhou Ghazi em entrevista à agência de notícias Lusa.
Já o jornalista angolano Ilídio Manuel vê a chamada "Operação Transparência", lançada pelo Governo no ano passado e que levou ao repatriamento forçado de dezenas de milhares de imigrantes ilegais, como outra possível causa para a saída destes congoleses.
"Os refugiados sentiram os seus movimentos restringidos e a melhor solução que encontraram foi o regresso para a sua terra de origem", afirma.
O analista alerta, no entanto, que, do outro lado da fronteira, não estão criadas as condições para reassentar os refugiados, e "essa situação pode embaraçar as autoridades congolesas".
Para esta terça-feira (20.08) está previsto um encontro entre as autoridades de Angola, da RDC e o ACNUR.
Congoleses em fuga de Angola: RDC promete retaliação
Mais de 270 mil congoleses foram obrigados a abandonar Angola. Em retaliação, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês deu dois meses aos angolanos ilegais para abandonarem a RDC. ACNUR teme nova crise humanitária.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Ao ritmo de 1.000 imigrantes por hora
Imigrantes congoleses chegam à localidade fronteiriça de Kamako, já do lado da República Democrática do Congo (RDC), ao ritmo de 1.000 pessoas por hora. Mais de 270 mil imigrantes ilegais congoleses foram obrigados a abandonar Angola, após um decreto do Presidente João Lourenço que visa acabar com a imigração ilegal no país, sobretudo nas regiões diamantíferas das Lundas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
RDC promete retaliação
O Governo em Kinshasa utiliza o termo "expulsos" quando se refere aos imigrantes que Angola diz estarem a "sair de forma voluntária" do país. Como represália, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês definiu um prazo de dois meses para que todos os angolanos em situação irregular saiam da RDC. A tensão levou os Governos e representações diplomáticas dos dois países a iniciarem conversações.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Detidos com documentos angolanos falsos
Em colaboração com o ACNUR e com organizações não-governamentais, as autoridades congolesas estão a vigiar a pente fino as entradas no país. Entre os cidadãos obrigados a abandonar Angola, há portadores de documentação da nação vizinha. Porém, o porta-voz da "Operação Transparência" anunciou a detenção de imigrantes com "documentos angolanos falsos" que serão julgados em Luanda.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Congoleses dedicavam-se ao garimpo ilegal
O comandante da Polícia Nacional de Angola, António Bernardo, garante que os imigrantes que estão a abandonar o país "não se coíbem de dizer" que se deslocaram para Angola "para ganhar dinheiro na exploração ilegal de diamantes". Com o encerramento das cooperativas e casas ilegais de venda e compra de pedras preciosas, "os imigrantes decidiram voluntariamente sair do país", diz o responsável.
Foto: Reuters/G. Paravicini
ACNUR não confirma mortes
Apesar das denúncias de mortes e maus-tratos perpetrados por agentes da Polícia Nacional de Angola, no âmbito da "Operação Transparência", o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) não confirma essas informações "por falta de dados". Philippa Candler, representante do ACNUR em Angola, diz que os imigrantes estão a sair de Angola pelo próprio pé, mas sob pressão do Governo.
Foto: Omotola Akindipe
Cerca de 35 mil refugiados legais em Angola
Dados do ACNUR indicam que há 35 mil refugiados legais em Angola. Estão, sobretudo, na Lunda Norte, inseridos num assentamento em Lóvua ou distribuídos pelas povoações. No entanto, a ONU denunciou a expulsão de 50 migrantes com estatuto de refugiados. O ACNUR está a verificar a informação. A escalada do conflito tribal no Kasai levou milhares de congoleses a procurar refúgio fora de portas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
A pé ou à boleia de motorizadas e bicicletas
Os migrantes congoleses que estão em viagem de regresso ao país de origem escolheram vários meios para fazê-lo. Alguns aceitaram a ajuda do Governo angolano que disponibilizou camiões para transportar os congoleses até à fonteira. Outros preferem fazê-lo pelo próprio pé ou socorrendo-se de bicicletas e motorizadas. Consigo carregam os seus pertences.
Foto: Reuters/G. Paravicini
De regresso às antigas rotinas
Ainda em viagem, mulheres e crianças lavam roupas nas margens do rio junto à localidade de Kamako, na província de Kasai. O objetivo é regressarem às suas povoações outrora ameaçadas ou reiniciarem uma nova vida longe da sua última morada na RDC. No entanto, a situação nesta província congolesa é instável. A falta de infraestruturas está também a preocupar as Nações Unidas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Nova crise humanitária iminente
A ONU expressou preocupação sobre a saída forçada de Angola nas últimas semanas de centenas de milhares de cidadãos. Para as Nações Unidas, as "expulsões em massa" são "contrárias às obrigações" da Carta Africana e, por isso, exortou os Governos em Luanda e em Kinshasa a trabalharem juntos para garantirem um "movimento populacional" seguro e evitarem uma nova crise humanitária.