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Porque é que Vladimir Putin quer dominar Lugansk e Donetsk?

Jan D. Walter
25 de abril de 2022

A Rússia retirou as suas tropas da região de Kiev e concentra atualmente os seus esforços no leste da Ucrânia. Mas porque é que o Presidente russo, Vladimir Putin, quer dominar Lugansk e Donetsk?

"Somos o Donbass russo", pode ler-se no cartazFoto: Alexander Ryumin/Tass/dpa/picture alliance

O vice-comandante do Distrito Militar Central da Rússia, Rustam Minnekayev, discursou a 22 de abril na reunião anual da União das Indústrias de Defesa, onde anunciou que os novos objetivos da Rússia consistem em capturar a totalidade da região do Donbass e do sul da Ucrânia para estabelecer uma ponte terrestre com a Crimeia.

Minnekayev declarou que o controlo do sul da Ucrânia proporciona à Rússia a capacidade futura de ajudar a Transnístria, um enclave na Moldávia controlado por forças pró-russas.

 "O controlo do sul da Ucrânia também inclui um corredor em direção à Transnístria, onde também se registam casos de opressão da população russófona", disse o general.  

Os planos não foram confirmados, nem negados pelo Ministério da Defesa russo ou pelo Kremlin, mas, nos próximos dias, a atividade das tropas russas nessas direções será determinante para entender se Moscovo estenderá, de facto, a campanha militar além do objetivo inicial de "libertar" o Donbass.

Mas porque é que esta região é tão crucial para a Rússia?

Ligações especiais à Rússia?

Tal como a península da Crimeia, Lugansk e Donetsk são regiões onde uma grande percentagem da população declara o russo como língua materna e é etnicamente russa.

A situação é semelhante nas regiões vizinhas de Zaporíjia, Kharkiv e Odessa. No entanto, só na Crimeia os russos étnicos constituem a maioria da população.

Depois da "Revolução Laranja" de 2004 e dos protestos de Maidan, a Praça da Independência de Kiev, em 2013 e 2014, foi nestas regiões que a resistência contra uma aproximação da Ucrânia ao Ocidente foi particularmente mais forte. Ainda assim, os separatistas russos – presumivelmente com o apoio de Moscovo – alcançaram o controlo sobre partes da região.

Ao mesmo tempo, o Kremlin usou o vácuo de poder em Kiev para anexar a península da Crimeia.

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"Estes são dois dos muitos exemplos de quando os russos agiram de acordo com o princípio da "oportunidade faz o ladrão'", diz Andreas Heinemann-Grüder, especialista em Europa de Leste do Centro Internacional de Conversão de Bona (BICC). Heinemann-Grüder não acredita que a Rússia tivesse um plano muito elaborado.

Qual é o contexto histórico?

A região do Donbass era pouco povoada até meados do século XIX. Mais tarde, tornou-se o centro mais importante da industrialização russa devido aos depósitos de carvão.

"Durante este período, a utilização em público da língua ucraniana foi suprimida no Império Russo, e o russo tornou-se cada vez mais a língua ensinada às crianças", explica o historiador Guido Hausmann, do Instituto Leibniz de Estudos da Europa de Leste e do Sudeste (IOS), da Universidade de Regensburg. "Por outro lado, muitos agricultores russos também afluíram para a nova região industrial."

Durante a breve independência da Ucrânia, em 1918, o Donbass ainda não fazia parte do país. Isso mudou quando a União Soviética o transformou na República Socialista Soviética da Ucrânia. Durante este período, um número elevado de cidadãos russos estabeleceu-se na região. "No entanto, a população do Donbass também sempre falou ucraniano e, hoje em dia, a grande maioria das pessoas tem uma forte ligação com a Ucrânia", explica Hausmann.

O politólogo Heinemann-Grüder também não acredita que, por si só, a etnia ou a língua materna da população ucraniana possam fornecer informações sobre a sua identidade nacional.

"Mesmo em alguns batalhões do Exército ucraniano que lutaram contra os separatistas em 2014/2015, as pessoas falavam russo", conta.

O leste da Ucrânia é uma região industrial extremamente importante

Porém, Heinemann-Grüder lembra que o uso da língua russa tem diminuído bastante nos últimos anos. "Se houve alguma contribuição para a formação da nação ucraniana, foram as agressões russas nos últimos oito anos", afirma Heinemann-Grüder. "As bombas russas uniram ainda mais a Ucrânia."

Interesses económicos são umas das razões para a invasão russa?

Após a Segunda Guerra Mundial, as regiões industriais da Sibéria tornaram-se mais importantes para a União Soviética do que o Donbass. Mas, para a Ucrânia, o Donbass era a região industrial mais importante até 2014.

Com o conflito, no entanto, a sua importância diminuiu. Muitas minas – especialmente nas áreas separatistas – estão abandonadas ou em condições muito precárias. Com a guerra, outras unidades industriais e as infraestruturas foram destruídas.

O poder económico da região não é importante para a Rússia, conta o historiador Hausmann, mas é decisivo para a Ucrânia e para a sua independência económica. "Um dos objetivos da Rússia, a longo prazo, é tornar a Ucrânia dependente da Rússia – política, cultural e economicamente", frisa.

Qual é o significado simbólico e ideológico da região do Donbass?

Há oito anos que há uma guerra no Donbass: em 2014, os separatistas pró-Rússia proclamaram as regiões administrativas de Lugansk e Donetsk como "repúblicas populares" independentes.

Depois de uma fase de combates entre separatistas e o Exército ucraniano, o Segundo Acordo de Minsk, em 2015, resultou num cessar-fogo frágil e numa "linha de contacto" que separa as partes controladas pela Ucrânia das áreas separatistas na região da fronteira com a Rússia.

Soldados ucranianos lutam há vários anos pela região de Donbass, contra separatistas pró-russosFoto: Diego Herrera Carcedo/AA/picture alliance

A 21 de fevereiro de 2022 – três dias antes da invasão na Ucrânia – a Rússia reconheceu oficialmente as "repúblicas populares".

"Com isto, o Governo russo quis dizer todo o Donbass", esclarece Heinemann-Grüder. 

Assim, a Rússia teria agora que conquistar toda a área para implementar a anexação que tem vindo a planear, diz o politólogo. "Bastaria que declarassem a vitória perante os cidadãos russos e, possivelmente, a guerra acabaria", acrescenta.

Por outro lado, as unidades de combate ucranianas com orientação nacionalista de direita encontram-se a lutar nessas áreas, sobretudo o "batalhão Azov", que já ajudou a impedir a tomada de Mariupol pelos separatistas em 2014.

"Com uma vitória sobre essas tropas, Putin poderia declarar a conclusão da suposta missão de desnazificação, pelo menos na região do Donbass", diz Heinemann-Grüder.

A captura da cidade industrial e portuária de Mariupol, que após semanas de cerco e bombardeamentos se tornou um símbolo da perseverança ucraniana, será também um sucesso simbólico.

Qual é a importância estratégica do Donbass?

"O resultado da guerra na região do Donbass determinará o que restará da Ucrânia", conta Heinemann-Grüder.

Com a anexação da Crimeia, Moscovo não conquistou apenas o antigo porto de origem da outrora orgulhosa frota russa do Mar Negro; pela primeira vez desde o fim da União Soviética, a Rússia tem um porto livre de gelo durante todo o ano, junto ao lado europeu do país.

No entanto, a Crimeia tem sido até agora um enclave que só se conecta à Rússia continental através da Ponte da Crimeia, inaugurada em 2018, que atravessa o estreito de Kerch, entre o Mar de Azov e o Mar Negro. Com a conquista de toda a região do Donbass, a Rússia conseguiria conquistar outro porto importante da Ucrânia, Mariupol, que se conecta com a Crimeia e o Mediterrâneo.

Dependendo das condições dos exércitos e das suas rotas de abastecimento, afirma Heinemann-Grüder, a Rússia poderia ir atrás dos seus próximos objetivos, especialmente a conexão terrestre ao longo da costa até à Crimeia.

Isto, por sua vez, poderia criar novos objetivos militares. "Se Putin vir uma oportunidade de dissolver a Ucrânia como Estado Independente, ele vai agarrá-la", declara o politólogo. Nesse sentido, fica uma questão para o Governo ucraniano: "Será preciso desistir do Donbass para salvar Kiev?"

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