Questões socioculturais e biológicas são algumas causas. Mas a dependência económica da mulher em relação ao homem, que implica medo de exigir o uso de preservativo, é o principal risco; dizem especialistas.
Publicidade
Ela tem um parceiro sexual. O parceiro põe na mesa que ela terá um valor maior se tiver relações sexuais com ele sem preservativo. Uma situação comum entre muitas mulheres moçambicanas que se expõem às situações de risco e acabam contaminadas pelo vírus HIV/SIDA.
Por trás dessa atitude, está o medo de exigir do parceiro o uso de preservativos por causa da situação de dependência financeira à que muitas mulheres moçambicanas estão submetidas, explicam especialistas. "A mulher acaba aceitando o sexo sem segurança mesmo sabendo qual é o risco que corre nesta situação", explicou à DW a coordenadora do Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA de Moçambique (CNCS), Ema Chuva.
Daí ser o empoderamento económico destas mulheres crucial para prevenção do contágio neste país. "Em relação à Moçambique, os fatores culturais põem a mulher em situação de inferioridade – a mulher raramente decide ou discute os aspetos relativos à sua sexualidade. O sexo tem que ser como e quando o parceiro queira", explica a coordenadora do CNCS.
De fato, entre 2009 e 2015, a prevalência do vírus HIV/SIDA em Moçambique subiu de 11,5% para 13,2%, de acordo com dados do Inquérito de Indicadores de Imunização, Malária e HIV/SIDA (IMASIDA) divulgados em março deste ano.
As mulheres estarão mais vulneráveis ao contágio, concorda o CNCS. Há cerca de 830 mil mulheres acima de 15 anos portadoras do vírus face ao número aproximado de 1,5 milhões de pessoas contaminadas, referem dados da organização UNAIDS – Moçambique.
"Moçambicanização " das mensagens
Diante deste cenário, o CNCS já alertou ser preciso adequar às diferentes realidades socioculturais do país as mensagens das campanhas de combate à transmissão pelo vírus HIV/SIDA. "Moçambique é um mosaico de culturas. Temos uma diversidade muito grande do norte ao sul do país. Se nós queremos que as nossas mensagens relativas ao HIV/ SIDA sejam percebidas nos vários cantos, é preciso que estas sejam adequadas aos contextos locais", explicou a coordenadora da referida instituição.
Em Moçambique, 54% das pessoas portadoras do vírus estão em tratamento e 61% dos infetados têm conhecimento do seu estado, de acordo com o relatório do programa da ONU para o combate à doença (ONUSIDA) divulgado em julho deste ano.
Segundo o documento, o país está entre os sete países da África Oriental e Austral que concentram 50% das novas infeções que ocorreram entre 2010 e 2016 atingindo 790 mil neste período.
Por sua vez, o Governo de Moçambique "está comprometido" mas o financiamento "ainda não é suficiente", explicou Ema Chuva. Daí, segundo a mesma, a importância de apelar-se ao financiamento de organizações internacionais.
28.07.2017 HIV/Sida-Moçambique - MP3-Mono
Riscos biológicos e crenças
Entretanto fatores biológicos são causas a tornar as mulheres mais suscetíveis ao contágio durante o ato sexual. "Biologicamente, a mucosa vaginal da mulher é mais extensa e no contacto o risco de infeção é muito maior para a mulher do que para um homem", explica a médica e membro da Associação Moçambicana de Obstetras e Ginecologistas (AMOG), Narcisa Osman.
Ela alerta para os riscos biológicos,que envolvem a formação do corpo da mulher, e que as tornam mais vulneráveis à contaminação durante ato sexual. Contudo, também destaca o papel das crenças, sem fundamento científico, que põem raparigas em riscos. "Temos a questão de base, da pobreza. Mas temos casos de jovens que são contaminadas por causa das crenças", explicou.
Isso porque alguns seropositivos acreditam que ao terem relações sexuais com mulheres virgens serão curados. Em muitos casos, esses homens "atuam de má fé", diz a médica, porque mesmo sabendo que estão infetados não se preocupam em usar preservativos. Um risco, sobretudo, para raparigas mais jovens.
Dados de 2015 do programa da ONU para o combate à SIDA (ONUSIDA) referem ainda que 39 mil pessoas morreram vítimas da doença e estavam registadas. Como órfãs de país que morreram em consequência da doença constam 590 mil crianças entre os zero e 17 anos.
Entretanto, especialistas permanecem otimistas. "Para ganharmos essa luta contra o HIV/SIDA não bastam ações do Ministério da Saúde. Precisamos de toda a comunidade e de toda a população com educação. Toda a gente tem de entender como se adquire a doença e também contribuir para a prevenção," concluiu a médica.
Kasensero: local de origem da SIDA
Quando a primeira epidemia de SIDA global aconteceu na aldeia de Kasensero no Uganda, muitos acreditavam que se tratava de bruxaria. Médicos identificaram a doença como vírus. Hoje, 33% dos habitantes são seropositivos.
Foto: DW/S. Schlindwein
Uma aldeia de pescadores
Kasensero é uma aldeia pequena e pobre situada na margem do Lago Vitória no distrito de Rakai no sul do Uganda na fronteira com a Tanzânia. Em 1982, a aldeia tornou-se famosa a nível mundial. Em apenas alguns dias morreram milhares de pessoas com uma doença desconhecida. O HIV já era conhecido nos EUA, na Tanzânia e no Congo. Mas uma epidemia com esta dimensão nunca tinha acontecido.
Foto: DW/S. Schlindwein
Milhares de pessoas morrem
Kasensero 1982: Thomas Migeero era a primeira vítima. Primeiro perdeu a fome e depois os cabelos. No fim ele só era pele e osso, se lembra o seu irmão Eddie: "Alguma coisa dentro dele comeu-lhe". Durante o funeral, o seu pai não se aproximou do caixão. Todo mundo acreditava numa maldição. Hoje sabemos: morreu de SIDA.
Foto: DW/S. Schlindwein
Uma cidade morta
Quando a doença começou a matar milhares de pessoas, os habitantes começaram a abandonar a cidade. As famílias que podiam partiram e deixaram os seus campos de milho, e os bovinos e caprinos. Até hoje, Kasensero parece uma cidade abandonada e morta. Só os mais pobres ficaram.
Foto: DW/S. Schlindwein
Como o vírus chegou a Kasensero
Presumivelmente o vírus chegou através das rodovias da África Oriental a Kasensero. Condutores de veículos pesados passam a noite nos postos fronteiriços de Kasensero. Muitos procuram prostitutas como esta mulher de 30 anos de vestido rosa, que gostaria não ser reconhecida. Conta que os homens pagam quatro vezes mais para o sexo sem preservativo. Ela não se importa, pois é seropositiva.
Foto: DW/S. Schlindwein
SIDA como normalidade
Joshua Katumba é seropositivo. O pescador de 23 anos nunca visitou uma escola e não sabe ler e escrever. Não tem uma perspetiva para um futuro melhor – como a maioria dos que vivem em Kasensero. Um terço dos habitantes estão infetados com o vírus da SIDA – um dos índices de contaminação pelo HIV mais altos do mundo.
Foto: DW/S. Schlindwein
Medicamentos grátis
Yoweri Museveni, o Presidente do Uganda, foi o primeiro presidente da África, que reconheceu a SIDA como uma doença. A seguir, o Uganda desenvolveu-se como modelo da luta contra a SIDA. Pesquisadores internacionais chegaram a Rakai. Subsídios foram distribuídos. No hospital da região, os doentes com HIV passam horas em fila para buscar os seus medicamentos: são grátis.
Foto: DW/S. Schlindwein
Violência sexual
Há cinco anos, que Judith Nakato é seropositiva. Provavelmente ela foi infetada quando foi estuprada e ficou grávida. Pouco antes do parto, os médicos perceberam que ela tinha o vírus e conseguiram evitar uma transmissão ao bebé. Todos os dias, Judith tem que tomar os seus medicamentos contra a SIDA.
Foto: DW/S. Schlindwein
Anti-retrovirais escassos
Desde que Judith Nakato começou a tomar os seus medicamentos, conseguiu voltar a trabalhar. Os comprimidos, chamados anti-retrovirais ou ARV, evitam que a SIDA se desenvolve totalmente. Os medicamentos são pagos pelo Fundo Global contra a SIDA. Mas Judith Nakato tem que deslocar-se a uma outra cidade a mais de cem quilómetros para receber a sua medicação, pois os medicamentos são escassos.
Foto: DW/S. Schlindwein
Pacientes estão moribundos
Olive Hasal de 50 anos emagreceu a pele e ossos. Ela respira com muito esforço e os olhos parecem cansados. Ela mostra o comprimido que está embrulhado num pano. "Este é o último", diz ela. Hasal já viu morrer o seu marido e as suas duas crianças. Ela sabe que ela também vai morrer se ninguém for buscar os medicamentos na capital do distrito que fica a 140 quilómetros de distância.
Foto: DW/S. Schlindwein
Modelo contra a luta de SIDA?
Uganda foi considerado modelo da luta contra a SIDA: grandes somas de dinheiro foram doadas pela comunidade internacional. No início com sucesso: os casos de infeções diminuíram em cerca de dois terços a partir de 1990. Mas nos últimos dez anos, o número das infeções aumentou novamente.
Foto: DW/S. Schlindwein
Testes clínicos e pesquisas
Desde as primeiras tentativas de terapias em 1996, os habitantes foram usados para estudos de longo prazo. Kasensero é o laboratório das pesquisas globais da SIDA. O resultado da pesquisa mais recente: homens circuncidados reduzem o risco de infeção em 70 %. O Uganda aposta agora na circuncisão masculina para reduzir a propagação do HIV-SIDA.