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"Portagens" de terroristas revelam vácuo de poder em Macomia

14 de fevereiro de 2024

Insurgentes começaram a cobrar taxas a motoristas em vários locais do distrito de Macomia, província moçambicana de Cabo Delgado. Pesquisadora entrevistada pela DW não se mostra surpreendida com o vácuo de segurança.

Macomia após ocupação de terroristas
Macomia após ocupação de terroristasFoto: DW

Os insurgentes fixaram "portagens" e cobram taxas de circulação a motoristas na estrada N380, no distrito de Macomia. Quem não pode pagar, às vezes, vê as suas viaturas incendiadas. Também os terroristas alegam, através de uma carta, que as cobranças são uma contribuição para o Islão. 

No Islão existe o termo "djizia", associado à fiscalidade, supostamente interpretado pelos radicais como um imposto pago por cabeça, aplicado a "infiéis". Mas Egna Sidumo, pesquisadora do Projeto sobre Cabo Delgado da Universidade de Bergen, na Noruega, explica que essa questão é uma falácia, pois "essas taxas só deveriam ser cobradas se tivesse sido criado um Estado islâmico, se porventura tivessem o controlo total do território, o que não parece ser o caso".

Sendo assim, o à vontade com que os terroristas atuam só consolida as velhas críticas de um vazio de Estado no norte de Moçambique. Para Egna Sidumo, dificuldades financeiras devem estar na origem do procedimento.

DW África: Essa situação é a prova viva da ausência do Estado nalgumas regiões da província?

Egna Sidumo (ES): Estas cobranças provavelmente refletem uma necessidade destes grupos. São grupos que têm estado a fazer ataques em diferentes locais - a sensação que tenho é que eles querem criar uma situação de caos nesses sítios, e fazendo pequenos ataques em locais diferentes, dá a sensação de que está tudo descontrolado. As cobranças devem estar relacionadas com as necessidades que estes grupos devem estar a ter agora. Com o número de tropas ruandesas e da SADC em Cabo Delgado, provavelmente a circulação de dinheiro e de bens alimentares é muito mais restrita e eles sentem a necessidade de cobrar algumas taxas, principalmente no troço que foi reaberto.

Egna Sidumo: "Obviamente, os militares não conseguem controlar todos os distritos de Cabo Delgado"Foto: DW/M. Maluleque

É preciso lembrar que o troço entre Macomia e que vai mais ou menos até Palma e Mocímboa da Praia esteve fechado durante muito tempo e só voltou a ser reaberto depois da situação começar a melhorar nos últimos tempos.

DW África: É aceitável este vácuo de segurança de Estado em Cabo Delgado depois de quase sete anos de insurgência?

ES: Não é aceitável, mas era de esperar. Quando as tropas do Ruanda e da SADC começaram a chegar a Moçambique e se começou a sentir alguma melhoria da situação de segurança em Cabo Delgado, já se previa que este tipo de situações iria ocorrer em outras áreas, de forma muito espalhada.

Os ataques que começaram a ocorrer em Memba e Eráti [província de Nampula], depois nos distritos de Montepuez e agora com informações de ataques esporádicos em Metuge, Mecúfi e Macomia, principalmente aqueles que estão mais próximos da cidade de Pemba, refletem este interesse que o grupo tem de - não podendo, por exemplo, controlar distritos como Mocímboa da Praia, que durante muito tempo estiveram controlados, com ataques coordenados - fazer ataques esporádicos em vários lugares diferentes, dispersando assim a atenção.

Se é aceitável, obviamente que não é. Mas também temos de perceber que as Forças Armadas de Moçambique e as forças da SADC e do Ruanda não têm como controlar todo o território. Em Cabo Delgado, deve haver um máximo de 4.000-5.000 homens, que obviamente não conseguem controlar todos os distritos da província.

DW África: A região de Macomia, onde os terroristas estão a fazer cobranças ilícitas, era assegurada pelas forças da SADC, que agora acredita-se que decidiram confinar-se. É sensato as autoridades permitirem um vazio de segurança que causa um retrocesso nesta luta?

ES: A última cimeira da SADC deixou muito claro que, na saída das tropas da SAMIM [a Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral], se deve garantir que as Forças Armadas de Moçambique e todas as forças envolvidas têm capacidade para garantir a segurança das regiões. Então, a situação em Macomia é uma exceção, não deve ser assim.

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Eu acredito que não só as forças de SADC, que controlavam esses territórios e estavam a trabalhar na segurança da região Macomia, mas também as Forças Armadas e as forças ruandesas devem muito rapidamente rever a situação de segurança nessa zona.

A saída das forças da SAMIM ainda é um processo que está na sua fase inicial e espera-se que só termine lá para 2025. Entretanto, penso que é uma situação que deve ser revista ou provavelmente esteja a ser revista pelas Forças Armadas e pelas forças ruandesas, principalmente em relação a este vazio de poder que as forças da SADC têm estado a criar na região de Macomia.

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