Portagens são "esquema para roubar o povo moçambicano"
27 de janeiro de 2022
O Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) quer que a justiça moçambicana trave as portagens na circular de Maputo, que entram em vigor a 1 de fevereiro. Sociedade civil está revoltada com "interesses corruptos".
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Aumenta a contestação da sociedade civil em relação à cobrança de portagens na estrada circular de Maputo. João Machatine, ministro das Obras Públicas de Moçambique, já avisou que a decisão do Governo é "incontornável".
Em entrevista à DW África, o diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, pede ao governante que seja mais comedido nas suas afirmações e diz que a medida é mais um "esquema de corrupção montado para roubar o povo moçambicano".
Entretanto, a sociedade civil pediu à justiça moçambicana para travar as ações do Governo, que devem entrar vigor no início de fevereiro próximo.
DW África: Como reagiu às declarações do ministro das Obras Públicas, que disse que a cobrança de portagens na circular de Maputo é "incontornável"?
Adriano Nuvunga (AN): Com indignação e surpresa porque as portagens devem servir o interesse público. Neste momento a sociedade está revoltada, está agredida com as portagens e o ministro, se está a servir o interesse público, devia ter uma fala comedida e escutar.
DW África: Mas porque é que a sociedade está revoltada?
AN: Está revoltada porque estas são portagens ilegais, são portagens que estão ao interesse da corrupção e não ao serviço do interesse público.
DW África: Mas o ministro disse que a cobrança servirá para a manutenção da estrada...
AN: Moçambique é um dos países mais corruptos no índice de percepção sobre a corrupção, que saiu na terça-feira. Não é por acaso. O dinheiro público fica com os dirigentes, projetos dessa natureza são feitos um pouco por todo o lado, particularmente por este Governo, com o interesse único de expropriar o Estado e extorquir os cidadãos. Este é um deles. E nós, como sociedade, como CDD em particular, deixamos passar muitos casos de corrupção, a maneira como gastaram o dinheiro da Covid, por exemplo. Mas neste caso das portagens, as ilegalidades são claras, a sua irrrazoabilidade está clara e o interesse único de desenhar projetos para o enriquecimento de uma pequena elite contra o empobrecimento da população.
DW África: Ou seja, a vossa organização pensa que o dinheiro que será cobrado não vai ser destinado para a manutenção da estrada, mas sim para outros fins ilícitos?
AN: Claramente. A questão até nem é nessa, é que não há em todo o mundo portagens dentro de um município. As portagens são colocadas sempre na entrada e saída de uma cidade. Não há portagens dentro de uma cidade. Elas só são colocadas dentro da cidade, como é o caso, quando o interesse é eminentemente de corrupção.
DW África: Mas agora, já que o governo pensa que é uma decisão irreversível, o que a sociedade civil vai fazer ou poderá fazer?
AN: Interpusemos uma ação junto ao Tribunal Administrativo e neste momento estamos a recolher assinaturas para uma moção de censura contra o governo. Quando tivermos um número suficiente, vamos organizar uma mega marcha contra este governo. Os governos estão para servir o interesse público e não podem dizer que é irreversível.
DW África: Mas a medida entra em vigor logo no primeiro dia de fevereiro. Há tempo para isso?
AN: Nós interpusemos uma providência cautelar junto do Tribunal Administrativo e seguimos todos os procedimentos, pela lei basta isso ser feito. A medida não pode ser implementada.
DW África: Sem pagamento, sem a cobrança de portagens, como é que a sociedade civil pensa que o governo pode, por exemplo, garantir a manutenção desta infraestrutura?
AN: É combatendo a corrupção. Metade do que Moçambique gera como receita fica nos bolsos corruptos, por um lado. Por outro, há grande quantidade de desperdício de recursos públicos, justamente porque os dirigentes não estão orientados para o desenvolvimento, mas para a corrupção. Estas infraestruturas e outras tantas em Moçambique podem ser atendidas com os recursos presentemente mobilizados, se não são desviados para a corrupção.
Residências de luxo avançam sobre cintura verde de Maputo
Residências de luxo e empresas estão a tomar o pulmão de Maputo, uma cintura verde paralela à orla marítima da capital moçambicana. Moradores de residências precárias também estão a ser pressionados.
Foto: DW/R. da Silva
Espaços verdes consumidos por moradias
Os espaços verdes em Maputo estão a ser engolidos por construções de grande vulto, como empresas e moradias de luxo. Os donos destas residências pagaram avultadas somas de dinheiro para adquirir espaço ao Concelho Municipal. Os valores variam entre 30 mil e 50 mil euros para espaços entre 20x20 metros e 40x40 metros. A cintura verde de Maputo localiza-se a escassos metros da praia da Costa do Sol.
Foto: DW/R. da Silva
Máquinas a desbravar a vegetação
Tratando-se de uma zona pantanosa, a base para erguer uma infraestrutura obedece a critérios técnicos de uma grande engenharia. Esta máquina começa por compactar o solo, sobrepondo a areia vermelha, que é mais consistente, para posteriormente assentar a infraestrutura. São comuns cenários como este em que as máquinas desbravam a vegetação para, no seu lugar, erguer uma moradia ou uma empresa.
Foto: DW/R. da Silva
Exploração económica
Nesta zona onde se situam as bombas da empresa Petróleos de Moçambique (Petromoc) crescia caniço e algumas plantas que servem de matéria-prima para o fabrico de esteiras artesanais e que se destinam, sobretudo, às famílias carenciadas.
Foto: DW/R. da Silva
Residências precárias nas redondezas
O caniço desenvolve-se facilmente neste pântano. Como podemos ver na imagem, há uma vasta área onde cresce o caniço, que serve para erguer residências precárias nas redondezas. Mas, por causa da pressão das grandes construções, as moradias precárias estão também a desaparecer.
Foto: DW/R. da Silva
Empresas de construção em locais estratégicos
Aqui está uma empresa de construção que serviu anteriormente interesses na construção da circular de Maputo. Agora que a construção da estrada terminou, a empresa dedica-se a grandes moradias de luxo e outras empresas. Também este edifício foi erguido num pântano.
Foto: DW/R. da Silva
Sistema de drenagem
Por se tratar de uma zona pantanosa, foram construídas valas para drenar a água que vai até ao mangal da Costa do Sol, a escassos metros das moradias. As construções de moradias de luxo obedecem a toda a postura camarária, nomeadamente, a existência de drenagens, ruas bem organizadas e pracetas que dão outro rosto ao novo bairro de luxo.
Foto: DW/R. da Silva
Nasce um bairro de luxo
Nasceu aqui, sobre espaços verdes de Maputo, um novo e luxuoso bairro, localizado no distrito municipal de Ka Mavota. São residências padrão, com ruas organizadas, abastecimento de água com canais próprios e corrente elétrica de qualidade. Antes, cobria esta zona uma extensa vegetação onde pequenos agricultores da cintura verde de Maputo aproveitavam para produzir hortícolas.
Foto: DW/R. da Silva
Mangal sob pressão
Este mangal está entre as construções luxuosas do antigo bairro de Triunfo, bem ao lado da praia da Costa do Sol, onde algumas construções chegaram mesmo a danificar o pulmão da orla marítima. Não fosse a ação do Município de Maputo, que proibiu a construção sobre os mangais, estes poderiam ter desaparecido. Por isso, nota-se aqui uma clara fronteira entre a vegetação do mangal e as moradias.
Foto: DW/R. da Silva
Residências precárias
Se na parte mais encostada à praia da Costa do Sol se erguem moradias luxuosas, do outro lado, mais distante, estão as antigas casas precárias que pertencem à população pobre que se instalou no local nos tempos da guerra civil. São residências com deficiente saneamento. E não param de ser erguidas, ameaçando igualmente os espaços verdes da capital.
Foto: DW/R. da Silva
Risco de inundação
As ruas deste bairro, Minguene, são na verdade becos que não fornecem nenhuma segurança para a passagem de viaturas, comparativamente às zonas de luxo. Não há valas para drenar as águas e, no tempo chuvoso, estas ruas desaparecem e as residências ficam igualmente inundadas.
Foto: DW/R. da Silva
Pequenos agricultores ameaçados
Esta vegetação composta por canteiros de diversas hortícolas, além de cana-doce e bananeiras, ainda está a escapar à pressão das casas precárias e de luxo. Este é o longo corredor verde que parte da zona fronteiriça, entre a "cidade de cimento" e de caniço, na parte leste da capital, com alguns intervalos de construções de moradias. E, assim, constituem o pulmão da cidade de Maputo.
Foto: DW/R. da Silva
Pressão para evacuações
No meio das residências de luxo, esta moradia, assim como outras em situação precária, sofre muita pressão para ceder espaço às residências de luxo em troca de somas monetárias avultadas. O mesmo acontece às famílias que possuem canteiros e são aliciadas a deixar aquele espaço em troca de dinheiro.