Depois de cinco anos, o jornal angolano online encerrou temporariamente suas atividades. A empresa, criada e dirigida por Sérgio Guerra, é tida como um veículo de informações independentes no país.
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O encerramento das atividades jornalísticas do Rede Angola foi anunciado por meio de uma carta publicada pelo criador e diretor-geral daquele meio de comunicação social, o brasileiro Sérgio Guerra, na própria página do veículo digital.
Alexandre Neto Solombe, presidente do Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA), lamenta o encerramento do órgão, considerado independente no cenário mediático angolano.
"Angola já não estava numa situação de equilíbrio e bom jornalismo é esse que o Rede Angola fazia, porque é efetivamente um jornalismo que servia a quase todos os atores: os institucionais, os privados, os político-partidários. Havia muito equilíbrio e era de um modo geral muito aceite aqui na nossa praça," avalia.
Também Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), se diz pesaroso com o fim do site na internet, mas recorda que vários outros média privados de seu país estão a enfrentar situação semelhante.
"Conhecendo as dificuldades que vivem muitos órgãos de comunicação privados, entendíamos que mais tarde ou mais cedo este poderia ser o desfecho, infelizmente, do Rede Angola," descreve Cândido.
"O Rede Angola é um dos órgãos que encerrou, mas encerraram outros que também – encurralados pelas dificuldades financeiras – tiveram que ser vendidos. Estamos aqui a falar do Semanário Angolense, do semanário A Capital, do Agora, da Rádio Ecclésia - que vive dificuldades enormes - e da própria [Rádio] Despertar - que não tem publicidade. É muito complicado fazer jornalismo em Angola," relata o secretário-geral do SJA.
Dificuldades financeiras
Na carta em que apresenta os motivos do encerramento do Rede Angola, Sérgio Guerra aponta as dificuldades financeiras como o motivo do fim das atividades. Guerra escreve: "chegamos a um momento em que a equação dos nossos compromissos e das dificuldades materiais que nos foram impostas ficou difícil de encontrar um saldo minimamente favorável ou sustentável".
"Para nós e para o sindicato, estamos a entender que o Sérgio Guerra está a encerrar o Rede Angola por dificuldades financeiras, uma vez que não tem tido publicidade. Não estamos a discordar que haja questões políticas, porque sabemos que alguns jornais que encerraram foram também vítimas da pressão política. Será essa mesma estratégia que tenha seguido? As questões que colocamos são perguntas mais que respostas, porque fomos também surpreendidos. Sabíamos que havia dificuldades financeiras, mas que fosse encerrar tão cedo e retornar dentro de algum tempo, não tínhamos esse sinal," avalia Teixeira Cândido.
Ao comentar as dificuldades financeiras pelas quais passava o Rede Angola, o presidente do MISA, lembra o incentivo financeiro previsto na Lei de Imprensa.
"Um projeto como o Rede Angola, que tem quase um milhão de visualizações por dia, deveria se beneficiar dos incentivos à comunicação social. O artigo 15 [da Lei de Imprensa] prevê esses incentivos. Só que nós temos uma legislação muito bonita, mas que nunca é implementada. Há aí publicações que vão falir também. Que hoje aparentemente estão bem, mas que não vão se aguentar por muito mais tempo," salienta Solombe.
Rede Angola Longa - MP3-Stereo
Suspensão temporária?
Na carta, Sérgio Guerra, escreve ainda que “este não é o fim do Rede Angola”. Solombe diz esperar pelo retorno do site, mas considera possível que este seja reativado com um outro perfil.
"O Rede Angola conquistou um aviamento comercial, tem um valor no mercado e esta possibilidade não é de descartar: que regresse, mas vendido a uma outra pessoa. Aí poderemos verificar se efetivamente o proprietário passou a ser outro, em função do que a linha editorial eventualmente também se alterou," alerta o presidente do MISA.
Para o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, Teixeira Cândido, o encerramento do Rede Angola terá algum impacto sobre as campanhas para as eleições gerais, previstas para o dia 23 de agosto em Angola.
"Significa que deixamos de contar com um espaço - mais do que jornalistas, a sociedade de um modo geral – para de maneira equilibrada olhar para os programas de todos os partido políticos com alguma distância. Porque, os órgãos públicos de comunicação, não têm sido equilibrados o suficiente. Têm sido parciais nessa perspectiva, o que impede que a sociedade consiga ter uma elação correta dos pontos de vista e das perspetivas de cada um dos partidos políticos," finaliza.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.