Portugal: A luta contra a mutilação genital prossegue
6 de fevereiro de 2023Ainda é um tabu. No seio da comunidade guineense radicada em Portugal, quase ninguém aceita falar da Mutilação Genital Feminina (MGF), uma prática que consiste na excisão do órgão sexual da mulher e que comporta riscos de saúde graves.
Aua Embaló aceitou falar abertamente à DW sobre o seu caso: "Eu soube há muito tempo, mas nunca arranjei coragem para falar", disse a jovem guineense de 21 anos que nasceu em Gabu e está em Portugal a fazer uma licenciatura em Educação Social. Foi submetida à excisão, ainda em criança, no seu país de origem.
"Penso que tive um choque de cultura, porque descobri... Estava no 6º ano e tinha acabado de vir da Guiné e o professor de Ciências falava na altura do assunto. E eu estava em choque porque não sabia se o professor estava certo ou não", afirma a ativista da União de Mulheres Alternativas e Resposta (UMAR).
Outra sobrevivente da MGF é Fatumata Baldé, 44 anos, que nasceu em Bissau e cresceu em Lisboa.
"Sou vítima ou sobrevivente da prática da Mutilação Genital Feminina pelas mãos da minha avó, aos seis anos de idade", conta. "Na Guiné-Bissau, particularmente, tem sido uma luta gigante com avanços significativos e, neste momento, com algum retrocesso."
Ambas são hoje ativistas e lutam pelo fim da prática da MGF. Trabalham na prevenção e na denúncia.
Segundo Fatumatá Baldé, a prevalência do ritual é maior na zona leste da Guiné-Bissau, nomeadamente em Gabu e Bafatá, "onde temos estado a assistir fenómenos muito preocupantes. Crianças de um, dois, até seis meses de idade a serem mutiladas".
Há "denúncias e nada tem sido feito para pôr fim a isso, porque há lacunas na lei que não nos deixam", acrescentou.
Excisão nos países de origem
Dados não oficiais estimam que vivam em Portugal cerca de 6.500 mulheres excisadas.
A diretora executiva da P&D Factor (Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento), disse à DW que estão a acompanhar o tema junto de diferentes comunidades africanas em Portugal.
Segundo Alice Frade, a P&D Factor ainda não identificou nenhuma mulher cuja mutilação tenha sido feita em Portugal. "O que nós identificámos são mulheres que têm algum tipo de mutilação feita no país de origem e que estão a residir em Portugal".
Segundo a Direção-Geral de Saúde de Portugal, desde 2014, contabilizaram-se um total de 853 casos de mutilação genital feminina em Portugal. Só em 2022 foram detetados 190 episódios. Mas o número pode ser mais alto, uma vez que a prática é escondida pelas famílias. E os riscos para a saúde são vários.
"Depende sempre do tipo de corte a que foram sujeitas, mas são mulheres, por exemplo, que podem ter menstruações e relações sexuais dolorosas. Tudo isto são problemas que os profissionais de saúde podem ajudar a resolver."
A associação de Alice Frade é uma das que participará a 11 de fevereiro no 7.º Encontro Regional para a Intervenção Integrada pelo Fim da Mutilação Genital Feminina (MGF), em Oeiras (arredores de Lisboa), evento comemorativo do Dia Internacional de Tolerância Zero à MGF.
O objetivo é "ampliar a voz das pessoas e comunidades e apresentar algum do trabalho que tem sido desenvolvido nesta área, numa partilha de boas práticas e de reflexões, com vista a reforçar o conhecimento e o trabalho integrado pelo fim da mutilação genital feminina".