Com uma grande diáspora africana, o país quer pôr um travão ao problema. O novo diploma estabelece multas pesadas contra indivíduos e pessoas coletivas que cometam crimes raciais.
Foto: DW/J. Carlos
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O novo Regime Jurídico de Prevenção, Proibição e Combate à Discriminação pune quem discriminar em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem. Apenas como exemplo, quem recusar alugar casa ou negar entrada num bar a alguém por causa da sua cor da pele fica sujeito a uma multa.
A lei que estabelece o regime foi publicada a 23 de agosto e não teve grande alarido na imprensa portuguesa. Mas, várias associações e vozes críticas já se pronunciaram contra a lei.
O advogado José Semedo Fernandes aponta vários exemplos argumentando por que razão a lei não é eficaz. E começa pela composição da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), cuja função é fiscalizadora. "Ela é composta por mais de uma dezena de membros e para um órgão de fiscalização. Na minha opinião, isso não faz muito sentido, até porque os representantes são de quase todas as áreas e quase não tem representantes que espelhem a comunidade" estrangeira no país, refere o advogado José Semedo Fernandes.
Segundo o advogado, a representação das associações e pessoas que falam em nome das minorias étnicas corresponde talvez a 5% do total da composição da Comissão.
Advogado José Semedo FernandesFoto: DW/J. Carlos
"Neste sentido, e em mais sentidos, eu acredito que ela não é eficaz. Ela é uma lei que existe para justificar provavelmente as imposições da União Europeia, pela Diretiva Comunitária, que impôs que Portugal também tenha instrumentos de combate ao racismo", critica José Semedo Fernandes.
A lei estabelece multas que podem ir até 4.210 euros, quando o ato de racismo é cometido por indivíduos, e até 8.420 euros, se for cometido por pessoas coletivas.
No entender de José Semedo Fernandes, "não faz muito sentido alguém ter uma atitude racista e ser condenada ao pagamento de uma coima como quem estaciona em cima da passadeira."
Em vez disso, o advogado considera que deve haver "uma lei específica para condenar o racismo, mas a título criminal e não contraordenacional”.
José Semedo Fernandes acrescenta ainda que face ao número de queixas é quase irrisório e ridículo o número de condenações.
Competência para investigar e julgar em paralelo?
Entre vários outros aspetos, o advogado também questiona as novas competências do Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Na sua leitura pessoal, compara esta entidade ao Ministério Público.
31.08.17 Lei discriminação racial Portugal (longa) - MP3-Mono
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"Para mim, faz pouco sentido – porque no Direito Criminal isso não acontece – que quem investigue depois julgue. Quem investigar não deve julgar. E há outra dificuldade que é a questão – não sei se vão conseguir suprir essa dificuldade – da logística e os meios para poderem fazer essa investigação e essa recolha de prova. O que não vai ser fácil", antevê José Semedo Fernandes.
Por outro lado, o advogado receia que a próxima fase, após este período de reconhecimento do problema que existe na sociedade portuguesa, seja a da negação do problema.
Combate ao racismo tem sido ineficaz
A SOS Racismo, organização sem fins lucrativos, tem estado atenta e tem apresentado queixas contra atitudes racistas à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial sem que, na verdade, daí resulte qualquer consequência.
Mamadou Ba, dirigente da organização não-governamental SOS RacismoFoto: DW/J. Carlos
O dirigente da SOS Racismo, Mamadou Ba, recorda o caso dos jovens negros da Cova da Moura, vítimas de racismo policial, e exorta a sociedade portuguesa a ter uma postura de combate firme contra atos raciais.
"Se não for assim perdemos todos. Perdem as instituições, perde a credibilidade do Estado e perdem as comunidades que foram sendo violentadas nos últimos anos", alerta Mamadou Ba.
Apesar das limitações no combate à discriminação racial, o novo Regime Jurídico de Prevenção, Proibição e Combate à Discriminação "pode ser também um desbloqueio que se vinha a sentir dentro das instituições, que se têm manifestado pouco capaz de, realmente, restituir justiça, às vítimas do racismo", espera o dirigente da organização.
A SOS Racismo também considera que, quase duas décadas depois da sua implementação, a atual lei contra a discriminação racial revela-se insuficiente, ineficaz e completamente desadequada à realidade.
A ineficácia da lei e dos instrumentos da sua aplicação, nomeadamente a inoperância da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial favoreceram a impunidade que grassa na sociedade e nas instituições.
Bairro da Jamaica na margem sul de Lisboa: A prolongada esperança
A Urbanização do Vale de Chícharos no Seixal, concelho do distrito de Setúbal (Grande Lisboa), acolhe, na sua maioria, imigrantes dos países africanos de língua portuguesa. Há quem viva no bairro há mais de 20 anos.
Foto: J. Carlos
Décadas à espera de realojamento
Os prédios inacabados, propriedade da Urbangol, uma sociedade sedeada num paraíso fiscal com dívidas ao fisco, foram ocupados por pessoas de baixa renda que não tinham condições para comprar uma casa. Aguardam, ao longo destes anos, pela promessa de realojamento por parte da autarquia local.
Foto: J. Carlos
Arte e desabafo por um bairro melhor
Por uma das entradas do Jamaica, os visitantes são recebidos por estes murais pintados na parede que cerca a instalação de transformadores da EDP, Energias de Portugal. As pinturas expõem os sentimentos de mudança e a visão do mundo por parte dos artistas que aspiram viver em um bairro melhor.
Foto: J. Carlos
Os ídolos Bob Marley e Che Guevara
O lendário músico jamaicano Bob Marley ou o líder guerrilheiro argentino-cubano Che Guevara são uma espécie de ídolos para os jovens artistas autores destas pinturas. Ao longo da parede, que funciona como uma tela, veem-se outros motivos, incluindo a reprodução de um bairro típico imaginário em África.
Foto: J. Carlos
Falta de água e de luz
Nos cafés ou em outro ponto de encontro e de convívio, os moradores acabam por falar e questionar sempre sobre os inúmeros problemas com que se deparam no dia-a-dia. A falta de água e de saneamento básico ou os cortes de luz pela empresa fornecedora quando não são pagas as faturas coletivas constituem uma dor de cabeça diária.
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Mas, na hora de matar a fome…
Enquanto não vem uma solução para o realojamento, a vida não para no Jamaica. Aos fins de semana, a música ajuda a acalentar os problemas. Os grelhados à moda dos países de origem, preparados neste caso pela são-tomense Vitória Silva, servem para matar a fome depois de um dia de trabalho árduo.
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… Pratos típicos juntam amigos
Percorrendo o território adjacente, encontram-se vários espaços anexados como este, adaptados para café e ou restaurantes, são uma das fontes de rendimento familiar. Os pratos típicos de África, sobretudo à base de peixe e banana, recheiam as mesas dos clientes provenientes de sítios diversos e servem de pretexto para reunir amigos.
Foto: J. Carlos
Cultivar para render
Em uma pequena parcela do terreno à volta, há moradores com alguma experiência agrícola que improvisaram hortas com variedades de hortaliças para consumo próprio. Plantam couves, alfaces, tomates, cebolas, alhos e batatas, entre outros produtos que ajudam a aliviar as despesas com a alimentação.
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Produzir para sobreviver
Também com o mesmo objetivo, a criação de galinhas reforça a dieta alimentar caseira. Para alguns dos moradores desempregados ou não, esta é uma das formas para suprir as muitas dificuldades de sobrevivência quando é baixo o rendimento familiar.
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Desemprego, droga e prostituição inquietam
O desemprego é um dos males que inquietam jovens mães como Vanusa e Aurora Coxi. Dizem que os habitantes são, de certo modo, discriminados quando procuram emprego pela fama desmerecida de aqui morarem. Isso leva muitos jovens a seguir por caminhos impróprios, do roubo, do tráfico de droga ou da prostituição. Ambas têm um sonho: acabar a universidade, interrompida por dificuldades diversas.
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Inundação e humidade
A estes problemas juntam-se as condições de habitabilidade nos prédios, que afetam a maioria das mais de 800 pessoas aqui residentes. Júlio Gomes, guineense que mora num anexo improvisado na parte traseira de um dos prédios, é afetado pela inundação quando chove ou quando rompe a canalização do sistema de esgotos do vizinho do andar de cima.
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Acesso à tarifa social de eletricidade
Os moradores estão em conflito com a empresa que fornece eletricidade (EDP), porque o critério de cobrança não é o mais adequado. É a associação do bairro que recebe o dinheiro dos consumos mensais e paga as faturas únicas por lote, consoante a leitura no contador colocado em cada prédio. Mas há quem não pague. Os clientes reclamam por não beneficiarem de tarifa social.
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Sede a precisar de reabilitação
Na sede da Associação para o Desenvolvimento Social da Urbanização de Vale de Chícharos, onde vive uma família, as inundações também constituem um incómodo quando chove. Aqui têm lugar as reuniões para discutir os problemas que afetam os residentes, entre os quais o realojamento. Reabilitar o espaço, onde também funcionam aulas de alfabetização, é uma solução em stand by por falta de recursos.
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Parque infantil inseguro
Ao lado da sede está um pequeno parque infantil, igualmente sem as condições mínimas de segurança para as crianças brincarem. Os poucos equipamentos nele existentes estão em mau estado de conservação e utilização. Este é, entretanto, um dos poucos espaços de lazer que dispõem para descarregar energia e preencher o tempo.
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Ação social imprescindível
A CRIAR-T – Associação de Solidariedade tem prestado serviço útil à comunidade, já lá vão mais de 15 anos. As suas várias valências permitem, além de apoio social, acolher crianças enquanto os pais vão trabalhar. Porque «é um perigo elas andarem pelo bairro a brincar», diz Dirce Noronha, presidente da Associação para o Desenvolvimento de Vale de Chícharos.