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SociedadePortugal

Portugal: Novas regras vão colocar imigrantes num "limbo"

21 de fevereiro de 2023

Portugal vai atribuir automaticamente autorização de residência de um ano a imigrantes lusófonos e pretende legalizar 150 mil imigrantes dos PALOP até março. Mas ONG diz que é preciso mais.

Foto: João Carlos/DW

Ilda Ferreira está em Portugal desde 2018. Veio de São Tomé e Príncipe com uma filha deficiente e continua sem documentação portuguesa porque ainda não conseguiu um trabalho com contrato.

"Só comecei a fazer descontos agora e a minha patroa acabou de falecer. Com isso, voltei a parar. Muita gente diz-me que, para [conseguir] emprego, tenho que fazer manifestação de interesse", conta a cidadã são-tomense, que pediu ajuda à Associação Solidariedade Imigrante para recorrer aos Serviços de Imigração e Fronteira (SEF), com vista a obter uma autorização de residência.

"Sim, vim porque disseram-me que aqui fazem manifestação de interesse, mesmo sem contrato de trabalho. Eu tenho número de Segurança Social, [número de] utente e de contribuinte e passaporte. É o único documento que tenho aqui neste país", relata.

São-tomense Ilda Ferreira vive desde 2018 em Portugal e ainda enfrenta dificuldades para se legalizarFoto: João Carlos/DW

Mega-operação para a legalização

De igual modo, o guineense Mamadi Djassi ainda não conseguiu autorização de residência: "Estou aqui há quase nove anos. Estou à procura [de uma solução]. Mas [agradeço] à Associação Solidariedade Imigrante, que está a fazer um trabalho brilhante a [ajudar os que precisam]".

Sem a manifestação de interesse, estes cidadãos podem ficar de fora da mega-operação agora anunciada pelo Governo português para a legalização de 150 mil imigrantes até ao final de março próximo, antes da extinção do SEF.

Segundo o ministro da Administração Interna, Luís Carneiro, a meta é "ambiciosa".

"Agora, na última chamada que fizemos, apareceram cerca de 30% ou 40% dos que tinham manifestado interesse. Ou seja, é possível que, dessas 150 manifestações de interesse, haja muitos que, entretanto, tenham regressado aos seus países e tenham deixado de ter interesse", avaliou.

Solução de "pendências"

O jurista moçambicano Adriano Malalane adianta que a decisão do Governo de Portugal "visa, apenas e só, resolver as pendências que estão no SEF, de 2021 e 2022, de pessoas que já apresentaram a sua manifestação de interesse para terem autorização de residência".

Serviço de apoio na Associação Solidariedade Imigrante, em LisboaFoto: João Carlos/DW

"Portanto, é uma gestão das manifestações de interesse que irá ser mais célere, porque dá a entender que está constituída uma brigada especial que vai agilizar esses processos", explica.

Visto de um ano

Há dias, o Governo português anunciou, através de uma portaria, que vai igualmente atribuir automaticamente autorização de residência de um ano a imigrantes da comunidade lusófona, no âmbito do acordo de mobilidade entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O Executivo de Lisboa justifica esta decisão com o novo regime de entrada de imigrantes em Portugal, em vigor desde novembro de 2022.

O ativista Timóteo Macedo, dirigente da Solidariedade Imigrante, questiona as medidas de mobilidade e vê com alguma apreensão "esta divisão entre os cidadãos que falam português e outros", o que viola a própria Constituição. 

"Seria mais inteligente se os governos da CPLP decretassem a livre circulação de pessoas. Os bens já circulam, a economia circula mas as pessoas não", critica.

Legalização "precária" e "provisória"

Para Macedo, bastaria que o Governo português e os seus pares africanos e timorense optassem pelo modelo estabelecido com o Brasil. "Os brasileiros não precisam de visto para virem para Portugal", precisa.

Timóteo Macedo: "A cópia do modelo" que está a ser usado para os ucranianos que fogem da guerra "não faz sentido"Foto: João Carlos/DW

O dirigente associativo diz que os imigrantes têm tido enormes dificuldades e considera "precária" e "provisória" a legalização dos cidadãos originários dos países de língua portuguesa por um ano.

É provisória e, acrescenta, "muita gente irá ficar de fora" deste processo de legalização.

"As pessoas ficam num limbo"

Macedo critica, por outro lado, "a cópia do modelo que está a ser usado para os ucranianos protegidos por causa da guerra no seu país".

"Não faz sentido. São coisas totalmente diferentes. Não têm que ser regularizados por um ano provisoriamente e depois vamos lá ver. Ou seja, as pessoas ficam num limbo. Dizem 'ok, eu vou ter o meu documento rápido, vou ter número de utente, número de contribuinte e da segurança social e vou ter meu cartão de residência assim como tiveram os ucranianos'", avalia.

O ativista admite que haja em Portugal cerca de 300 mil imigrantes de várias nacionalidades em situação irregular, contrariamente aos números oficiais que, como refere, "são sempre por baixo".

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