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Portugal: Plano contra o Racismo peca na Educação

18 de maio de 2021

Pela primeira vez, Portugal tem um Plano Nacional de Ação contra o Racismo e a Discriminação, visando sobretudo comunidades africanas, afrodescendentes e cigana. Observadores saúdam medidas, mas apontam falhas no ensino.

Plakat gegen Rassismus in Portugal
Foto: Joao carlos/DW

Em Portugal, o Plano Nacional de Ação contra o Racismo e a Discriminação alinha com os objetivos da União Europeia, do direito à igualdade e à não discriminação, nomeadamente em diversos setores. São visadas sobretudo as comunidades africanas e afrodescendentes, bem como a comunidade cigana, que lutam por uma integração plena na sociedade portuguesa.

O Plano Nacional contra o Racismo apresenta várias abrangências, incluindo uma proposta que visa promover uma maior ligação entre as forças de segurança e as comunidades.

No domínio do ensino, refere o documento, serão criadas vagas extra nas universidades para alunos de escolas problemáticas, muitas delas em bairros desfavorecidos onde vivem africanos e afrodescendentes vítimas de discriminação racial.

Para a formatação deste documento, o Executivo português contou com a "participação cooperante" da sociedade civil, segundo a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro. A governante espera ser este "um plano para todas as pessoas", com o desígnio de "um futuro mais igual" e sem discriminação racial.

Filomena VicenteFoto: Joao carlos/DW

Filomena Vicente, cidadã de origem cabo-verdiana que diz ter sido vítima de vários atos de discriminação racial, destaca a dificuldade que havia, por exemplo, em obter a nacionalidade portuguesa. "Estive em Portugal 14 anos a viver até ter direito à nacionalidade portuguesa. Estudei cá, vivi cá, eu não fui viver para Cabo Verde. Não saí de cá sequer. E isso tem dificultado provavelmente a integração da comunidade imigrante em Portugal. Porque eu em miúda sofri isso. O facto de saber que eu era africana já era um estigma", explica.

Racismo institucional "encapotado"

"O Governo mudou a lei a dizer que todos aqueles que nasceram em Portugal são portugueses. Eu acho que isso foi o primeiro passo importante, porque ajuda a evitar esta discriminação", considera a nova presidente da Associação Cabo-verdiana de Lisboa (ACL).

No domínio da educação, Filomena Vicente critica o facto de a maioria dos alunos africanos de escolas secundárias ser orientada apenas para cursos profissionais, impedidos assim de entrarem no ensino superior: "É um pequeno grande pormenor e uma forma encapotada de racismo institucional".

A presidente da ACL acrescenta que muitos jovens de origem africana nascidos nos bairros desfavorecidos da periferia da Grande Lisboa, acabam abandonados pela própria sociedade. Confrontam-se com o insucesso escolar e, sem outra saída, são atirados depois para a criminalidade.

Como referem as diretrizes do Governo português, a estratégia de atuação nacional visa ir "para além da proibição e da punição da discriminação racial". 

O Plano Nacional contra o Racismo abre portas aos alunos de escolas em territórios económica e socialmente desfavorecidos para o acesso ao ensino superior através de contigente especial. A socióloga Luzia Moniz considera o plano positivo, mas peca por não ter uma base de sustentação. Ou seja, havia que saber antes quem são os grupos discriminados.

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"Quantos são os racializados na sociedade portuguesa? Quem são os discriminados, onde estão e o que fazem?", questiona. "Era necessário que primeiramente fossem recolhidos os dados étnico-raciais da população portuguesa. Enquanto não se fizer isso, na minha perspetiva é que qualquer plano será uma simples tentativa a olho de resolver um problema".

Educação deve começar mais cedo

A presidente da Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana (PADEMA) considera, por outro lado, que é uma lacuna a educação contra o racismo só ter sido tomada em conta praticamente no ensino superior.

"É um erro. Quando os estudantes chegam às universidades ou aos politécnicos, eles normalmente já são maiores. Já foram formatados numa educação racista, xenófoba muitas vezes, numa sociedade que é estruturalmente racista", afirma.

Por isso, argumenta, Luzia Moniz, a educação contra todas as formas de discriminação e contra o racismo devia começar na base: "Estamos a pensar no pré-escolar. É aí que se colmatam as lacunas que, eventualmente, as crianças levem de casa para a escola, para a escolinha e para o jardim de infância".

Luzia Moniz aplaude muitas das medidas como o acesso das comunidades racializadas ao ensino superior, mas lamenta que a principal lacuna do referido plano esteja precisamente no setor da educação.

Luzia MonizFoto: João carlos

No domínio da educação e cultura, o documento preconiza diversificar o ensino e os currículos, designadamente através da inclusão de conteúdos, imagens e recursos sobre diversidade e presença histórica dos grupos discriminados, bem como os processos de discriminação e racismo nos manuais escolares de disciplinas obrigatórias.

Igualdade e participação

A presidente da Associação Cabo-verdiana considera igualmente importante apostar no desporto, "porque o desporto dá-lhe uma capacidade de resistência e resiliência face aos problemas sociais".

"Por experiência própria, eu fui atleta, combati o racismo na própria escola. Isto é fantástico. Isso ajudou a que eu ultrapassasse [o preconceito] e me sentisse tão igual como os outros”, considera.

Ainda sobre o plano em causa, Filomena Vicente destaca a necessidade de formação dos funcionários a nível administrativo, por exemplo no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para um melhor atendimento público: "Demora tanto a dar um documento e a tratar dos assuntos. E depois, penso eu, que o ideal seria ter para cada comunidade um representante que tenha formação na área de atendimento ao público para que facilite o entendimento para que depois o imigrante tenha capacidade de tratar dos documentos e depois ser participativo na sociedade que o acolhe".

Reconhece que estar devidamente documentado é importante no acesso ao trabalho e ao emprego. Entre outras medidas, o plano prevê formas de "recrutamento cego" no trabalho e no emprego para aumentar a diversidade e assegurar maior igualdade, tanto no acesso como na progressão por parte de pessoas de grupos discriminalizados.

A Associação Cabo-verdiana diz que vai acompanhar a execução do Plano e a sua presidente espera que os resultados, no futuro, sejam reconhecidos por todos.

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