As alterações propostas à lei da nacionalidade em Portugal pelos partidos PAN e PCP abrem caminho à naturalização dos filhos de cidadãos africanos nascidos em Portugal. Lei não tem efeitos retroativos.
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Argentina Lopes é natural de São Tomé Príncipe e tem autorização de residência em Portugal, país que a acolheu há 10 anos. A sua filha de cinco anos nasceu em Portugal, mas não teve direito à nacionalidade portuguesa. O caso desta imigrante são-tomense, que recusou gravar o seu depoimento para a DW África, não é o único neste país da Europa ocidental, embora esses dados não estejam publica e formalmente contabilizados.
Íris Vieira também é natural de Cabo Verde, mas teve mais "sorte". O seu filho nascido em Portugal tem nacionalidade portuguesa, porque o progenitor é português. "Vim para estudar. Na altura eram os vistos, depois passámos a ter [autorização de] residência. Depois, estava no último ano da faculdade, casei-me com o pai dele e automaticamente também tive direito à nacionalidade. E ele, como o pai nasceu cá, automaticamente teve [nacionalidade portuguesa]", resume.
O que defendem as novas propostas de lei?
De acordo com as alterações propostas à Lei da Nacionalidade, discutidas e aprovadas na generalidade no dia 12 de dezembro, os filhos de imigrantes nascidos em solo português poderão ser portugueses.
Dos projetos de quatro partidos apresentados ao Parlamento em Lisboa, as alterações do Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza (PAN) e do Partido Comunista Português (PCP), remetidas para debate na especialidade, são as mais consensuais. Essas alterações consideram que os filhos de imigrantes nascidos em Portugal poderão obter a nacionalidade desde que um dos progenitores seja residente no território português.
Para o advogado Adriano Malalane, a proposta do PCP é a mais equilibrada por incluir o fator tempo de permanência em Portugal. "É a proposta que estabelece um conjunto de requisitos necessários para que isso aconteça. Porque neste momento, de facto, há crianças estrangeiras que nascem em Portugal e ficam com nacionalidade portuguesa originária, quando um dos progenitores já resida em Portugal com autorização de residência há pelo menos dois anos", comenta.
O advogado luso-moçambicano é contra o excesso de facilitismo na concessão da nacionalidade, já que Portugal faz parte do Espaço Schengen. Adriano Malalane esclarece, por outro lado, que as novas alterações à lei vão abranger apenas aquelas crianças que nascerem depois da nova lei entrar em vigor. Ou seja, não beneficia os filhos de cidadãos estrangeiros nascidos antes disso.
"A lei, quando é aprovada, vigora para o futuro. Não costuma ter efeitos retroativos, a menos que o legislador entendesse dar essa benesse e conferir efeitos retroativos. Mas, normalmente não costuma ser assim", esclarece o jurista.
Portugal prepara-se para mudar lei da nacionalidade e acabar com cidadãos "apátrida"
Um "passo significativo"
Esta revisão legislativa, nas palavras de Eurico Monteiro, embaixador de Cabo Verde em Portugal, é "um passo significativo" e "beneficia claramente a população imigrante".
"Neste sentido, salvaguarda um direito importante, que é o direito a ter nacionalidade e, portanto, a rejeição de uma forma global da condição de apátrida e a facilidade que hoje se dá para, de facto, se ter a nacionalidade", defende o diplomata.
"É evidente que toda esta reforma também vai no sentido da aproximação dos países que adotam o sistema chamado jus soli, ou seja, o lugar do nascimento é que deve determinar o lugar da nacionalidade e não propriamente o sangue", conclui.
De acordo com dados do Ministério da Justiça português, há pelo menos 170 mil pessoas à espera de nacionalidade portuguesa. Nos últimos dez meses, esse direito beneficiou 102 737 cidadãos estrangeiros.
Bairro da Jamaica na margem sul de Lisboa: A prolongada esperança
A Urbanização do Vale de Chícharos no Seixal, concelho do distrito de Setúbal (Grande Lisboa), acolhe, na sua maioria, imigrantes dos países africanos de língua portuguesa. Há quem viva no bairro há mais de 20 anos.
Foto: J. Carlos
Décadas à espera de realojamento
Os prédios inacabados, propriedade da Urbangol, uma sociedade sedeada num paraíso fiscal com dívidas ao fisco, foram ocupados por pessoas de baixa renda que não tinham condições para comprar uma casa. Aguardam, ao longo destes anos, pela promessa de realojamento por parte da autarquia local.
Foto: J. Carlos
Arte e desabafo por um bairro melhor
Por uma das entradas do Jamaica, os visitantes são recebidos por estes murais pintados na parede que cerca a instalação de transformadores da EDP, Energias de Portugal. As pinturas expõem os sentimentos de mudança e a visão do mundo por parte dos artistas que aspiram viver em um bairro melhor.
Foto: J. Carlos
Os ídolos Bob Marley e Che Guevara
O lendário músico jamaicano Bob Marley ou o líder guerrilheiro argentino-cubano Che Guevara são uma espécie de ídolos para os jovens artistas autores destas pinturas. Ao longo da parede, que funciona como uma tela, veem-se outros motivos, incluindo a reprodução de um bairro típico imaginário em África.
Foto: J. Carlos
Falta de água e de luz
Nos cafés ou em outro ponto de encontro e de convívio, os moradores acabam por falar e questionar sempre sobre os inúmeros problemas com que se deparam no dia-a-dia. A falta de água e de saneamento básico ou os cortes de luz pela empresa fornecedora quando não são pagas as faturas coletivas constituem uma dor de cabeça diária.
Foto: J. Carlos
Mas, na hora de matar a fome…
Enquanto não vem uma solução para o realojamento, a vida não para no Jamaica. Aos fins de semana, a música ajuda a acalentar os problemas. Os grelhados à moda dos países de origem, preparados neste caso pela são-tomense Vitória Silva, servem para matar a fome depois de um dia de trabalho árduo.
Foto: J. Carlos
… Pratos típicos juntam amigos
Percorrendo o território adjacente, encontram-se vários espaços anexados como este, adaptados para café e ou restaurantes, são uma das fontes de rendimento familiar. Os pratos típicos de África, sobretudo à base de peixe e banana, recheiam as mesas dos clientes provenientes de sítios diversos e servem de pretexto para reunir amigos.
Foto: J. Carlos
Cultivar para render
Em uma pequena parcela do terreno à volta, há moradores com alguma experiência agrícola que improvisaram hortas com variedades de hortaliças para consumo próprio. Plantam couves, alfaces, tomates, cebolas, alhos e batatas, entre outros produtos que ajudam a aliviar as despesas com a alimentação.
Foto: J. Carlos
Produzir para sobreviver
Também com o mesmo objetivo, a criação de galinhas reforça a dieta alimentar caseira. Para alguns dos moradores desempregados ou não, esta é uma das formas para suprir as muitas dificuldades de sobrevivência quando é baixo o rendimento familiar.
Foto: J. Carlos
Desemprego, droga e prostituição inquietam
O desemprego é um dos males que inquietam jovens mães como Vanusa e Aurora Coxi. Dizem que os habitantes são, de certo modo, discriminados quando procuram emprego pela fama desmerecida de aqui morarem. Isso leva muitos jovens a seguir por caminhos impróprios, do roubo, do tráfico de droga ou da prostituição. Ambas têm um sonho: acabar a universidade, interrompida por dificuldades diversas.
Foto: J. Carlos
Inundação e humidade
A estes problemas juntam-se as condições de habitabilidade nos prédios, que afetam a maioria das mais de 800 pessoas aqui residentes. Júlio Gomes, guineense que mora num anexo improvisado na parte traseira de um dos prédios, é afetado pela inundação quando chove ou quando rompe a canalização do sistema de esgotos do vizinho do andar de cima.
Foto: J. Carlos
Acesso à tarifa social de eletricidade
Os moradores estão em conflito com a empresa que fornece eletricidade (EDP), porque o critério de cobrança não é o mais adequado. É a associação do bairro que recebe o dinheiro dos consumos mensais e paga as faturas únicas por lote, consoante a leitura no contador colocado em cada prédio. Mas há quem não pague. Os clientes reclamam por não beneficiarem de tarifa social.
Foto: J. Carlos
Sede a precisar de reabilitação
Na sede da Associação para o Desenvolvimento Social da Urbanização de Vale de Chícharos, onde vive uma família, as inundações também constituem um incómodo quando chove. Aqui têm lugar as reuniões para discutir os problemas que afetam os residentes, entre os quais o realojamento. Reabilitar o espaço, onde também funcionam aulas de alfabetização, é uma solução em stand by por falta de recursos.
Foto: J. Carlos
Parque infantil inseguro
Ao lado da sede está um pequeno parque infantil, igualmente sem as condições mínimas de segurança para as crianças brincarem. Os poucos equipamentos nele existentes estão em mau estado de conservação e utilização. Este é, entretanto, um dos poucos espaços de lazer que dispõem para descarregar energia e preencher o tempo.
Foto: J. Carlos
Ação social imprescindível
A CRIAR-T – Associação de Solidariedade tem prestado serviço útil à comunidade, já lá vão mais de 15 anos. As suas várias valências permitem, além de apoio social, acolher crianças enquanto os pais vão trabalhar. Porque «é um perigo elas andarem pelo bairro a brincar», diz Dirce Noronha, presidente da Associação para o Desenvolvimento de Vale de Chícharos.