Português com raízes africanas a concurso na Berlinale
12 de fevereiro de 2014Aos 29 anos, o realizador de cinema português Gabriel Abrantes já produziu 18 filmes. Com grande parte deles, passou pelos mais importantes festivais de cinema do mundo e, em 2010, a sua curta "Uma História de Respeito Mútuo" mereceu o Leopardo de Ouro no festival de Locarno, na Suíça.
Gabriel esteve também em Veneza, na Itália, e angariou ainda dois prémios nos Estados Unidos. Pela primeira vez, participa na Berlinale com "Taprobana", uma curta-metragem cómica de ficção sobre o tempo que o escritor português quinhentista Luís Vaz de Camões passou exilado pela Índia.
"É uma perspetiva sobre esta personagem verdadeira que existiu e que estava no meio das Índias, um bocado perdido, a fugir da polícia, com uma namorada chinesa, enquanto escrevia os Lusíadas", conta o português.
Curta baseada em documentos históricos
Para esta ficção, Gabriel Abrantes baseou-se em documentos reais da época do império português.
"Depois há outros mitos, que surgem de leituras de poemas, como a personagem Dinamene, que aparece e morre, que vêm criar este mito de que ele encontrou a paixão da vida dele, quando estava em Goa, e que era uma cortesã e poeta chinesa. Há um mito de que Camões estava num barco com essa namorada a ir para a prisão, houve um naufrágio durante uma tempestade louca e aparentemente ela morreu porque ele estava preocupado em salvar as páginas do poema", descreve o português.
E mesmo para falar de um dos maiores nomes da literatura portuguesa de todos os tempos, o diretor não poupou em criatividade e procurou retratar a genialidade de Luís de Camões, sem deixar de fora o seu lado divertido.
"Um texto, principalmente, inspirou-me que é de Hélder Macedo, poeta e teórico sobre Camões, que é baseado nas cartas de Camões a um homem e amigo sobre malandragens que ele terá feito. O que ele diz é que, na Academia, o pensamento sobre Camões está ligado à poesia sublime, mas que para muitos académicos existe esta parte iconoclasta de como ele viveu a sua vida", explica.
Outro prémio em Locarno
Uma outra curta-metragem de Gabriel Abrantes, intitulada "Liberdade", de 17 minutos e que foi filmado em Luanda, mereceu um prémio no festival de Locarno, em 2011.
"Fala de um jovem, o Liberdade, e do amor dele com uma chinesa que vive em Angola, como 80 a 100 mil emigrantes chineses que chegaram a Angola em 10 anos. O Liberdade descobre que é impotente só com a Betty. Ele rouba viagra numa farmácia, mas acaba por ser perseguido pela polícia", resume.
A inspiração, segundo o realizador, veio dasdas notícias dos jornais sobre o crescimento económico em Angola e, em especial, a relação com a China.
"A relação com a China e o investimento deste país em África podem ser vistos como uma utilização desses países por causa dos recursos naturais. Então esses países podem ficar impotentes", explica.
Além de Portugal e Angola, Gabriel Abrantes já filmou no Brasil, Haiti, Sri Lanka e em França. Os seus filmes têm a política como pano de fundo e o interesse está, especialmente, no contacto com a população local. Nesse sentido, Angola foi o sítio ideal para trabalhar.
"O prédio Kinaxixe, que é uma favela vertical, é um prédio dos anos 70 e 80 que nunca foi acabado. É um prédio difícil, seria complicado entrar lá com equipamento cinematográfico, especialmente sem contacto local. Mas como estamos a trabalhar com um amigo conhecido, fomos aceites. É um bocado assim", admite.
O jovem realizador português Gabriel Abrantes deixa no ar as expectativas de angariar um prémio na Berlinale.
"Há 23 filmes, acabei de ver cinco e são todos muito bons. E há sempre a questão do gosto. Umas pessoas gostam de sushi e outras não", ironiza.
*Este artigo foi alterado a 2 de junho de 2020, corrigindo informações sobre a origem dos pais do realizador.