Angolanos lançam campanha a favor de Nito Alves, um dos 15+2 ativistas acusados de tentativa de rebelião, em 2015. O jovem estará a sofrer de problemas de saúde após agressão sofrida numa manifestação.
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De corpo franzino e rosto transformado, Manuel Chivonde Nito Alves tem causado alguma preocupação. Segundo o pai do ativista, Fernando Baptista, o aspeto do jovem deve-se a uma alegada agressão que Nito sofreu numa das manifestações em que participou.
"A situação começou quando lhe bateram na última manifestação, quando lhe partiram parte da nuca. Foi tratado, mas desde aí que o miúdo não ficou bom. Agora, não sabemos se lhe injetaram [algo] lá no hospital... É complicado... Há momentos em que ele se revolta", conta o pai do ativista à DW.
Fernando Baptista desmente os rumores de que o consumo de drogas e álcool estejam na origem do aspeto debilitado de Nito Alves.
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Tratamento hospitalar levanta suspeitas
Tal como o pai de Nito Alves, também a ativista Rosa Conde desconfia do tratamento hospitalar que o companheiro de luta recebeu:
"Pode-se dar o caso das pancadas, que ele foi sofrendo durante as manifestações. Quando levavam o Nito inconsciente ao hospital, ninguém sabia o que estavam a aplicar ao Nito - se talvez lhe aplicavam uma substância não adequada, que podia destruir o organismo. O pessoal não está a parar para pensar nestas possibilidades", pondera Rosa Conde.
As críticas a Nito Alves intensificaram-se recentemente, depois de o ativista ter sido detido, supostamente por apedrejar um autocarro público. Antes do ato de violência, teria recusado pagar o serviço.
Campanha nas redes sociais
Na sequência, os ativistas lançaram nas redes sociais uma campanha a favor do defensor dos direitos humanos, denominada "Nito não precisa de críticas, Nito precisa de um psicólogo".
Rosa Conde, uma das ativistas que aderiram à iniciativa, explica que o objetivo é "salvar o Nito".
"Precisamos do Nito antigo, o Nito de 2011 ou 2012. Nós queremos aquele Nito ativo, aquele Nito forte", defende.
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Em 2011, Nito Alves começou a notabilizar-se nas primeiras manifestações realizadas no calor da Primavera Árabe. Foi considerado "preso do Presidente" por ter sido processado pelo então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, pelos crimes de calúnia e difamação, em 2013.
Em 2015, foi detido no âmbito do conhecido caso dos "15+2", quando se encontrava ao lado de outros ativistas a ler o livro "Da Ditadura à Democracia" do professor norte-americano Gene Sharp.
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Pedido de ajuda
Fernando Baptista diz que não possui condições financeiras para o tratamento do filho e deixa um apelo: "Eu quero que a sociedade civil e pessoas de boa fé nos ajudem".
Também o ativista Fabião Paulo Ancião entende que algumas organizações não-governamentais nacionais e internacionais deviam ajudar Nito Alves a sair da situação em que se encontra.
"Não devem olhar de forma impávida para a situação do nosso irmão, que está cada vez pior. A saúde do nosso irmão está em perigo. Está a gozar uma vida nefasta neste momento. É um jovem que todos nós conhecemos, com muita coragem e determinação", conclui.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.