Propostas de austeridade do CTA são más para a economia e para população, segundo o economista. Já o sociólogo Elísio Macamo acha que as propostas da Confederação das Associações Económicas não são de todo estúpidas.
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Na última sexta-feira (17.11), o presidente da CTA, Agostinho Vuma, propôs ao Governo moçambicano que este ano não se pague o 13º salário e que se congele o aumento salarial em 2018 . Estas são as medidas de austeridade propostas por Vuma para enfrentar a crise económica que Moçambique vive.
Convidado a avaliar estas alternativas, o economista Nuno Castel-Branco lembrou que Vuma apresentou um argumento marxista, sem o saber, ao colocar a taxa de lucro do capital associado aos níveis de exploração da força de trabalho. Por isso, o economista moçambicano considerou o presidente da CTA infeliz na sua proposta."Basicamente, o que Vuma está a argumentar é que a taxa de lucro de capital é muito mais importante que as condições de vida”, disse Castel-Branco.
Incompetência parcial
O economista disse ainda que considera Vuma incompetente no argumento que está a fazer: "Não estou a dizer que ele seja incompetente no geral, mas cortar mais as expetativas de consumo e as oportunidades de consumo torna o mercado doméstico ainda menos capaz de ser um fator importante na dinamização da economia. Isso obriga que todo o crescimento da economia seja cada vez mais dependente de uma perspetiva externa”.
De acordo com o economista moçambicano, "esse tipo de medida agora reduz as oportunidades para o capital expandir de uma maneira endógena e de poder ficar, assim, menos dependente do grande capital internacional. "E num contexto em que Moçambique está desacreditado na economia mundial, fazer isso reduz as oportunidades para a captação de capital. Nesse sentido, acho que ele é incompetente.”
A proposta de Agostinho Vuma surge depois de o Governo ter atribuído viaturas de luxo a altas figuras políticas, em nome da dignidade do cargo dessas figuras. Tudo isso num contexto de crise económica profunda que Moçambique atravessa; o que revolta a população, que é a mais prejudicada.
O sociólogo Elísio Macamo tem uma forma diferente de olhar para a balança. Ele não considerou a proposta feita pelo presidente da CTA completamente estúpida. Segundo Macamo, "a tal proposta até reflete uma certa sensiblidade para a situação em que o país se encontra" e categórico sublinha: "Deixa-me ser brutal aqui: ainda está para surgir um mundo onde as decisões difíceis vão ser tomadas por uma minoria poderosa. Toda a história da humanidade é uma história de tomada de decisões, de transferir os custos de qualquer medida importante de um país para a maioria. Sempre foi assim. E não estou a dizer que concordo com isso, mas é normal que seja assim."
Tensão social
Mesmo sendo uma tendência comum no curso da história, medidas dessa natureza em contexto de crise têm um preço social. E é o economista Castel-Branco quem recua na história recente do país com o objetivo de alertar para as consequências da implementação de propostas do gênero. Para Castel-Branco, "isso é economicamente insustentável porque as condições de vida da população são bastante más e tendem a agravar-se."
O economista advertiu ainda que ações desse tipo, por exemplo, o congelamento de salários, vão afetar um setor importante da sociedade. E isso vai criar tensão social: "Tenho a impressão de que ele já se esqueceu das manifestações de 2008 e de 2010. Talvez precisa de ser lembrado. Ou, talvez, ele está a criar condiçóes para ser lembrado do que uma medida dessas significa e quais as implicações económicas que ela traz. Se é essa a perspetiva dele, criar uma crise para as pessoas se lembrarem da criese de resposta violenta e caótica, então, talvez aí ele esteja a fazer uma coisa positiva."
Discussão patética e quase imbecil
O sociólogo Elísio Macamo prefere usar o caso das viaturas de luxo para alertar que o debate pede mais profundidade:"Tendo em conta a maneira como eu próprio vivo, não estou de acordo com uma medida dessas. Só que considero a discussão sobre o assunto patética e quase imbecil, porque está a sugerir coisas que não são essenciais."
E ele exemplifica: "Se o Governo não comprasse as viaturas, ele também não canalizaria o dinheiro para coisas úteis. Então, a nossa preocupação devia ser em saber por que estamos a viver num sistema político em que esse tipo de decisões não acontecem. Se resolvermos isso, não vamos ter esse problema das viaturas de luxo."
De lembrar que a CTA ofereceu ao ex-Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, uma viatura de luxo em 2014, alegando que era uma "lembrança" para o Presidente. Entrento, Guebuza devolveu o Mercedes-Benz depois de ter percebido que tinha atropelado a Lei da Probidade Pública ao aceitar o presente.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.