Vinte e dois anos depois do fim do apartheid, a África do Sul ainda não concluiu a tão esperada reforma agrária. Todos os partidos parecem estar dispostos a redistribuir as terras, mas o progresso é lento.
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Uma comunidade negra de 40 famílias organizou recentemente um protesto em Durban North, onde vivem em instalações de empresas agrícolas há décadas. A maioria trabalha na terra, alguns em fazendas vizinhas, outros em localidades nas imediações. Vivem quase de empréstimo e não têm qualquer garantia de que não vão ser expulsos no dia seguinte.
Lisa Mbele, de 23 anos, é uma das manifestantes: "O meu pai está aqui há tantos anos. Temos que ser tratados de forma igual. Agora que estou aqui, quero que me dêem os documentos que me permitam fazer o que eu quero fazer nesta propriedade onde eu estou, porque não se pode fazer nada se não tivermos esses papéis”.
Com o fim do apartheid, em 1994, o Congresso Nacional Africano (ANC) prometeu corrigir os erros do passado, redistribuindo as terras dos agricultores brancos pela população negra, expropriada durante o domínio colonial. Mas poucos progressos foram desde então feitos. Ainda hoje, o Governo está longe de alcançar o objetivo inicial de redistribuir um terço das terras.
Reforma agrária a passo de camaleão
Nick Vink, presidente do departamento de economia agrícola da Universidade de Stellenbosch, não se mostra surpreendido com os números: "Ainda não esperámos o tempo suficiente, precisamos de pensar com cuidado sobre o tempo que estas coisas levam. É uma questão emocional, toda a gente quer resolver esta questão, mas eu tenho medo que isso não seja realista. É algo que ainda vai demorar duas ou três gerações”.
As pessoas estão a ficar impacientes. Membros dos Lutadores da Liberdade Económica, um partido de esquerda radical, querem resolver a questão de outra forma. As palavras do líder deste movimento, Julius Malema, são explicativas:"Quando sairmos daqui, se virem algum pedaço de terra que gostem, ocupem-no, porque pertence-vos, é a vossa terra. É a terra dos vossos antepassados, é a terra que vos foi tirada pelos brancos que mataram pessoas como nós".
São declarações como estas que estão a despertar o temor de novos confrontos no país. Brett Williams é um fazendeiro branco cuja família cultiva cana-de-açúcar, bananas e outros legumes em Upper Inanda desde o início do século XX. Quando começaram os protestos recentes, prontificou-se em ajudar os vizinhos.
Ele relata que "foram agressões, queima de pneus, bloqueio de estradas. Não há nenhuma necessidade disto. As agressões não são o que as pessoas querem. Esperamos poder resolver isto de forma pacífica e optar pelos meios corretos, porque o que está a acontecer agora está errado.”
A espera da justiça
O Parlamento sul-africano aprovou um projeto de lei em maio de 2016 para acelerar a reforma agrária. A nova legislação permite que o Governo force os proprietários brancos de fazendas a vender as suas terras, para que eles possam ser devolvidas aos fazendeiros negros.
O Presidente Jacob Zuma tem ainda de promulgar a lei, mas ninguém sabe se isso vai realmente acontecer. Segundo dados do Governo, 90% das fazendas que foram redistribuídas tornaram-se insustentáveis. Comercialmente, a reforma agrária não está a funcionar.Annelize Crosby faz parte do sindicato dos agricultores comerciais AgriSA. A responsável adverte que a estabilidade do país está em risco: "Quem está a cultivar a terra, deve usá-la de forma produtiva e sustentável. No último ano vimos que aumentou a inquietação, a insegurança alimentar, é basicamente o caos. Este é o pior cenário que se pode ter perante este tipo de instabilidade.”
24.11.2016 Reforma agrária na África do sul NEU - MP3-Mono
A reforma agrária poderia ser o símbolo de uma única nação em progresso. Mas, em vez disso, parece traduzir as profundas divisões raciais na África do Sul. Vinte e dois anos depois do fim do apartheid, muitos - como Lisa Mbele - ainda estão à espera da Justiça que lhes foi prometida.
Ascenção e queda do apartheid
Nenhum outro meio reflete a história de forma tão impressionante quanto a fotografia. O Museum Africa, em Joanesburgo, mostrou numa grande exposição fotográfica a história de repressão e libertação da África do Sul.
Foto: Museum Africa
Fotografias como testemunhas
O Museum Africa de Joanesburgo exibiu 600 fotografias que contam a história de repressão e libertação da África do Sul. Em meados dos anos 50, membros da organização de direitos civis Black Sash (ou "Faixa Preta", na tradução literal) foram às ruas contra o regime do apartheid. A Black Sash foi fundada por mulheres brancas. Em 1990, Nelson Mandela chamou-a de "consciência da África do Sul branca."
Foto: Museum Africa
A câmera como arma
Peter Magubane, um dos mais famosos fotojornalistas negros, começou como motorista e mensageiro da lendária revista Drum. O alemão Jürgen Schadeberg treinou-o na câmara. Magubane tornou-se mundialmente famoso com imagens da revolta nas townships, áreas habitadas na época por não brancos. Muitas vezes, ele escondeu sua câmera das autoridades, em uma Bíblia oca. Na foto, é preso pelas autoridades.
Foto: Museum Africa, Johannesburg
O fim de Sophiatown
O regime do apartheid começou nos anos 50 a dividir áreas residenciais de acordo com as "raças". Como parte da lei Group Areas Act, o bairro multiétnico de Sophiatown, centro cultural da maioria negra, foi demolido e os moradores realocados à força. No lugar de Sophiatown, sugiu o Triumph, um bairro no qual eram permitidos exclusivamente moradores brancos.
Foto: Museum Africa
Comboios sobrelotados
Intermináveis eram as viagens que levavam os moradores dos subúrbios negros para os seus empregos ao centro da cidade. Muitos morreram durante as viagens nos comboios sobrelotados. Mas também havia momentos de espiritualidade. O fotógrafo Santu Mofokeng registou-os numa série impressionante de imagens. O papel da fé e da religiosidade ainda é um dos principais temas para a sociedade sul-africana.
Foto: Museum Africa, Johannesburg
Julgamento por Traição
Nesta fotografia de 1956, a imprensa acompanha o chamado Treason Trial ("Julgamento por Traição"), em que 156 sul-africanos foram acusados de trair o país. Um ano antes, eles haviam publicado a "Carta da Liberdade" que propagou uma derrota do apartheid. Entre os réus estava também Nelson Mandela. O processo resultou em uma solidariedade dos grupos de oposição contra todas as barreiras raciais.
Foto: Museum Africa, Johannesburg
Ícone da Luta de Libertação
Uma das imagens mais famosas da exposição do Museum Africa é hoje um monumento no centro de Soweto, em memória à revolta dos jovens estudantes que protestaram contra a política racial discriminatória em 1976. Hector Pieterson, de 12 anos, foi baleado na manifestação. O fotógrafo Sam Nzima captou a tragédia. A imagem ficou conhecida em todo o mundo.
Foto: DW/Ulrike Sommer
Luto e rancor
Volta e meia a exposição do Museum Africa mostra fotografias de luto coletivo. Os funerais tornam-se grandes eventos políticos, como o enterro dos Craddock Four, quatro membros do grupo da oposição United Democratic Front. Eles foram sequestrados e assassinados em 1985. Mais tarde, soube-se que o ato foi iniciado por oficiais das forças de defesa sul-africanas que agiam de forma oculta.
Foto: Rashid Lombard
Uma nova era
Uma nação esperançosa celebra o vencedor. Em 3 de maio de 1994, está claro: Nelson Mandela será o primeiro Presidente de uma África do Sul democrática. "Foi um momento incrível," lembra o fotógrafo George Hallet. Ele havia retratado exilados sul-africanos por 20 anos. Para acompanhar as primeiras eleições livres com sua câmera, Hallet voltou para sua terra natal.
Foto: George Hallett
Herança pesada dos homelands
Durante décadas, os "homelands" ou "bantustões", as áreas reservadas à população de cor e com alguma autonomia governamental, foram sofrendo cortes: de acesso à educação e cuidados de saúde ao progresso económico. 20 anos após as primeiras eleições livres, muitas regiões ainda lutam contra as consequências da segregação racial territorial.