Primeiro-ministro português pede desculpa por massacre
Lusa
3 de setembro de 2022
António Costa pediu ontem, perante o Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, desculpa pelo massacre de Wiriyamu, que classificou como um "ato indesculpável que desonra" a história de Portugal.
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"Neste ano de 2022, quase decorridos 50 anos sobre esse terrível dia de 16 de dezembro de 1972, não posso deixar aqui de evocar e de me curvar perante a memória das vítimas do massacre de Wiriyamu, ato indesculpável que desonra a nossa história", afirmou, em Maputo.
No seu discurso no jantar oferecido pelo primeiro-ministro ao Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, António Costa apontou que "uma relação tão intensa e com tal longevidade", como a dos dois países, "está inevitavelmente marcada pela diversidade", disse.
"Diversidade dos encontros e dos desencontros, da escravatura e da libertação, do progresso e da pobreza, da guerra e da paz, por momentos que queremos seguramente recordar mas também por momentos e acontecimentos que temos o dever de nunca por nunca esquecer", explicou o primeiro-ministro português.
A 16 de dezembro de 1972, em Wiriyamu (Moçambique), cerca de 400 civis desarmados foram mortos por militares portugueses.
O padre que apostou na educação contra a pobreza
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"Nunca deixar esquecer"
"As relações entre amigos são feitas assim, são feitas da gentileza de quem é vítima e faz por não recordar, mas também por quem tem o dever de nunca deixar esquecer aquilo que praticou e perante a história se deve penitenciar", assinalou.
O primeiro-ministro considerou que isso deve ser feito porque Portugal soube reinventar a sua história com o derrube da ditadura, "que abriu as portas à paz para que a conquistada independência de Moçambique definitivamente tenha consagrado as nossas relações como relações de amizade entre países soberanos, livres e iguais".
"É a partir desta consciência que de coração aberto e com vontade todos os dias renovada olhamos e queremos construir um futuro em comum", salientou António Costa.
O primeiro-ministro, António Costa, terminou ontem uma visita oficial de dois dias a Moçambique, onde participou na V Cimeira Luso-Moçambicana.
Lisboa e o 25 de Abril: Uma viagem
Passeámos pela capital de Portugal, visitando os lugares da Revolução dos Cravos de 1974, que derrubou a ditadura salazarista e pôs fim à relutância portuguesa em aceitar a independência das colónias africanas.
Foto: RR
Posto de Comando do MFA: Revolução a "sandes e cerveja"
O major Otelo Saraiva de Carvalho entrou nesta sala do Quartel da Pontinha (arredores de Lisboa) por volta das 22h00 de 24 de abril. Foi daqui que coordenou a revolução: "Nunca me deitei, comi uma refeição, uma sandes com cerveja. Nunca saí do Posto de Comando porque estava, de facto, numa situação de ansiedade e stress para que tudo corresse bem", contou Otelo. A sala foi transformada num museu.
Foto: DW/G. Correia da Silva
Rádio Renascença: Luz verde à revolução
Neste estúdio da Rádio Renascença na Rua Ivens (no bairro do Chiado, foto de 1975) foi emitida "Grândola, Vila Morena", de Zeca Afonso, a senha decisiva que deu luz verde ao golpe de Estado. "Grândola, Vila Morena" foi emitida no programa "Limite" da Rádio Renascença porque escapara ao crivo da ditadura. A música fora cantada em março de 1974 no Coliseu de Lisboa diante da polícia política.
Foto: RR
Rádio Renascença: Estúdio ainda em uso
As instalações da rádio mudaram bastante nos últimos 40 anos. "Só o que não mudou foi o lugar da casa de banho", graceja hoje o locutor Aurélio Moreira, que se lembra bem dos tempos da revolução. Ainda assim, o estúdio onde foi emitido o "Grândola, Vila Morena" continua a ser usado para os programas de uma das rádios da emissora católica portuguesa (hoje são quatro).
Foto: DW/G. Correia da Silva
Aeroporto de Lisboa: Militares fecham espaço aéreo
"Nova Iorque" – nome de código do Aeroporto de Lisboa – é tomada pelo Movimento das Forças Armadas na madrugada de 25 de Abril. Impaciente, o capitão Costa Martins chega sozinho ao aeroporto, de pistola na mão, e ordena aos controladores para fecharem o espaço aéreo. Os voos são desviados para destinos em Espanha, como Madrid e Las Palmas. Depois, uma coluna militar ocupa o aeroporto.
Foto: Museu da TAP
Aeroporto de Lisboa: Edifícios modernizados
Nas últimas décadas, o Aeroporto de Lisboa foi renovado e ampliado. Apesar de vários planos de mudança, continua no mesmo sítio. Certamente que muitos dos passageiros que passam por aqui não sabem que "Nova Iorque" foi o nome de código do aeroporto durante a Revolução dos Cravos - esse será apenas um destino no bilhete de avião.
Foto: DW/G. Correia da Silva
Terreiro do Paço: Chaimites param no vermelho
Pouco antes das seis da manhã do 25 de Abril, os militares chegam ao Terreiro do Paço, a zona onde se situava a maior parte dos Ministérios portugueses. A caminho da baixa lisboeta, a coluna militar parou num semáforo vermelho. "Achei que era demais parar a revolução ao sinal vermelho. […] Mando avançar", recordaria o capitão Salgueiro Maia, citado pelo jornal português Expresso.
Foto: casacomum.org/Alfredo Cunha
Terreiro do Paço: Menos carros e Ministérios
O Terreiro do Paço (cujo nome oficial é Praça do Comércio) é um cartão de visita da capital portuguesa. As vias laterais da praça lisboeta foram fechadas. O Terreiro do Paço deixou de servir como um grande parque de estacionamento e restaurantes e cafés ocupam agora as arcadas, muito frequentadas pelos turistas. Vários Ministérios e a Bolsa de Lisboa já não estão nos edifícios à volta da praça.
Foto: DW/G. Correia da Silva
Cais das Colunas: O braço de ferro
Às 9h00 de 25 de Abril, a fragata "Almirante Gago Coutinho" posiciona-se frente ao Cais das Colunas – é um sinal de que o regime de Marcello Caetano não cederá tão facilmente às forças revolucionárias do Movimento das Forças Armadas (MFA). Os homens da Escola Prática de Cavalaria (EPC) de Santarém, liderados por Salgueiro Maia, ficam em perigo, mas a fragata recusa disparar.
Foto: casacomum.org/Alfredo Cunha
Cais das Colunas: Os turistas
O Cais das Colunas, na baixa lisboeta, é hoje em dia um ponto predileto dos turistas que visitam a capital portuguesa. A renovação da Ribeira das Naus, a avenida que liga o Cais das Colunas e o Terreiro do Paço ao Caís do Sodré, tornou a área muito mais atrativa. Nestas águas navegam sobretudo "ferry-boats", que ligam Lisboa a portos como Cacilhas, Seixal e Barreiro, na outra margem do rio Tejo.
Foto: DW/G. Correia da Silva
Quartel do Carmo: Onde tudo se decidiu
Ao receber informações sobre a revolução, o presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano, refugiou-se no quartel da Guarda Nacional Republicana (GNR), no Largo do Carmo. Os homens de Salgueiro Maia foram no seu encalço. Como Caetano não dá sinais de se render, o Posto de Comando do MFA manda abrir fogo. Depois de uma rajada de metralhadora, Caetano acaba por ceder. A população festeja.
Foto: casacomum.org/Alfredo Cunha
Quartel do Carmo: Dia-a-dia pacato
Hoje em dia, os guardas da GNR têm uma vida tranquila no Largo do Carmo. Só as fotos dos turistas interrompem o dia-a-dia pacato. No centro do largo, uma placa recorda o cerco de Salgueiro Maia. Na altura, Marcello Caetano fez questão de "passar o poder" ao general António de Spínola e não ao capitão Salgueiro Maia, pois queria entregá-lo a um oficial-general.
Foto: DW/G. Correia da Silva
Sede da PIDE: Mortos na Revolução dos Cravos
Foi aqui, à Rua António Maria Cardoso, que muitos populares se dirigiram, em fúria, no dia da revolução. Agentes da polícia política PIDE/DGS tentaram resistir e dispararam. Dezenas de pessoas ficaram feridas, quatro morreram. Foram os únicos mortos na revolução que ficou conhecida por ter cravos vermelhos a sair dos canos das espingardas dos militares em vez de balas.
Foto: casacomum.org/Alfredo Cunha
Sede da PIDE: Condomínio de luxo em vez de centro de memória
O edifício da PIDE/DGS é hoje um condomínio de luxo. Durante a construção dos apartamentos, todo o interior foi destruído. Ao contrário da sede da Stasi, os serviços secretos da Alemanha Oriental (RDA), que foi transformada em museu, nada resta da história das violações dos direitos humanos em Portugal e nas províncias ultramarinas que a PIDE/DGS coordenou a partir da Rua António Maria Cardoso.
Foto: DW/G. Correia da Silva
Prisão de Caxias: O sabor da liberdade
Muitos opositores foram silenciados pelas paredes da prisão de Caxias. No dia 26 de abril, um dia depois da revolução, os presos políticos foram libertados. O Estado Novo, de António Salazar e Marcello Caetano, calou muitas vozes críticas. E chegou a matar: o assassínio do general Humberto Delgado pela PIDE em 1965 é prova disso.
Foto: ephemerajpp.com
Prisão de Caxias: De delitos políticos para delitos comuns
Caxias tem ainda hoje uma prisão, mas para presos de delito comum. Em 2014, quatro décadas depois do 25 de Abril, construiu-se uma nova ala no Estabelecimento Prisional de Caxias. A capacidade da cadeia passou de 270 para 505 lugares.
Foto: DW/G. Correia da Silva
Estação de Santa Apolónia: Mário Soares regressa do exílio em França
No dia 28 de abril de 1974, uma multidão veio à estação de Santa Apolónia receber Mário Soares. O líder socialista foi o primeiro exilado político a chegar a Portugal depois da Revolução dos Cravos. Soares fez um breve discurso na varanda, de megafone na mão. Soares foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, de maio de 1974 a março de 1975, e coordenou o processo da independência das colónias.
"Há alguém que tenha estado aqui no dia 28 de abril de 1974?", perguntámos na bilheteira. "Não, creio que sou a mais velha aqui", diz uma das funcionárias, olhando para os colegas do lado. "Lembro-me disso, lembro-me de ver na televisão, mas ainda não trabalhava aqui." Na estação, esse episódio de há quarenta anos parece ter sido abafado pelo ruído constante das chegadas e saídas dos comboios.
Foto: DW/G. Correia da Silva
Estádio 1º de Maio: Discurso de rivais
A 1 de maio de 1974, centenas de milhares de portugueses foram para as ruas comemorar o Dia do Trabalhador. Mário Soares (Partido Socialista - PS) e Álvaro Cunhal (Partido Comunista Português - PCP), ambos opositores mas rivais entre si, discursaram perante uma multidão no Estádio 1º de Maio, em Lisboa. Homens e mulheres gritavam palavras de ordem: "Vitória! Vitória!", os dedos de muitos em "V".
Foto: casacomum.org/Arquivo Mário Soares
Estádio 1º de Maio: Desporto em vez de política
O estádio é usado hoje pela Fundação INATEL. Miúdos e graúdos vêm para aqui praticar desporto. A Fundação INATEL é hoje tutelada pelo Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, mas as suas origens remontam à época de Salazar. Foi criada pelo regime fascista em 1935 como Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT).