Primeiro-ministro sonha com o regresso à "Guiné normal"
Kossivi Tiassou
18 de março de 2022
O primeiro-ministro da Guiné-Conacri, Mohamed Beavogui, tem planos ambiciosos para a transição para a democracia. Em entrevista exclusiva à DW, promete aceitar um dos capítulos mais dolorosos do país. E pede tempo.
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Seis meses após a tomada do poder na Guiné-Conacri, ainda não há um calendário para um regresso ao Governo civil. Esta semana, a junta militar no poder pretende consultar os partidos políticos e a sociedade civil. Discutirão também questões de reconciliação nacional e justiça.
O primeiro-ministro civil Mohamed Beavogui é o homem que está a liderar a prometida transição de volta à democracia. Aos microfones da DW, reconheceu as dificuldades no processo.
"Num contexto em que existiam sistemas ilegais que mantinham a economia, a transição para sistemas mais legais e justos traz sempre dificuldades. Isto é perfeitamente normal. Mas não é fácil voltar a ligar as mangueiras aos cofres do Estado. As coisas não estão a andar tão depressa como esperado", disse.
No entanto, o chefe do governo de transição garantiu que o "Conselho Nacional de Transição começou a consultar a população do país e agora vai começar a trabalhar sobre o calendário. O diálogo político será aberto para esclarecer como criar um quadro para as discussões."
O primeiro-ministro disse ter grandes planos para a Guiné-Conacri e garante que o processo de regresso à democracia também vai tratar de justiça, com temas ignorados pelos Governos anteriores, especialmente o do ex-Presidente Alpha Condé.
Massacre de 28 de setembro de 2009
Deve trazer à tona o massacre de 28 de setembro de 2009, quando elementos das forças de segurança mataram mais de 150 pessoas num estádio da capital do país.
"O julgamento de 28 de setembro é importante. É importante para nós, para a humanidade. Este processo terá lugar, nós prometemos. Os preparativos prosseguem e espero que o processo comece muito em breve, mas apenas quando todas as condições estiverem reunidas, incluindo a preparação do sistema judicial", esclareceu.
"Não haverá caça às bruxas", promete coronel Doumbouya
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Nesta fase, acrescentou o primeiro-ministro, está-se a começar a mudar o Conselho Superior de Juízes e Procuradores. "A nossa ambição é fazer da Guiné um país normal. Nada mais, nada menos", sublinhou.
O chefe do Governo de transição em Conacri admite, porém, que "mudanças profundas" não irão acontecer de forma rápida. "Compreendemos que não se pode mudar tudo, mas há um mínimo que é preciso mudar para que o processo político possa ser construído sobre um verdadeiro sistema de justiça, uma administração mínima que funcione e uma economia que seja devidamente gerida", explicou.
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Regresso da ajuda financeira
Recursos para concretizar as mudanças que estão no plano do Governo de transição não faltam. Segundo o primeiro-ministro, o país conseguiu retomar a ajuda financeira de todos os doadores.
"Temos, portanto, recursos financeiros à nossa disposição. E agora é um assunto para nós começarmos a trabalhar enquanto os nossos representantes no Conselho Nacional de Transição, a nossa classe política, os nossos atores da sociedade civil se sentam à mesa e juntos projetam a Guiné-Conacri de amanhã."
A guerra na Ucrânia levou ao encerramento de uma fábrica de alumínio em Nikolaev, que dependia de bauxite proveniente da Guiné-Conacri.
A DW perguntou ao primeiro-ministro se o conflito já trouxe impactos para a economia do país. "Ainda não sentimos o impacto direto", respondeu. "O que é evidente é que a guerra na Ucrânia está a afetar o mundo inteiro. O preço de um barril de petróleo já subiu para 140 dólares. Isto tem impacto na Guiné-Conacri, tal como tem impacto em todos os países do mundo.
E também há outros aspetos do comércio, lembrou Mohamed Beavogui. "Por exemplo, compramos muito trigo da Ucrânia. Portanto, é evidente que haverá um impacto."
Beavogui assegurou que foi criado um grupo de trabalho governamental, incluindo diplomatas, para auxiliar cidadãos guineenses que estão na Ucrânia ou na Rússia e que querem regressar a Conacri.
"Estamos a trabalhar para assegurar que os nossos cidadãos sejam protegidos. Eles estão a ser ajudados. Recentemente, concedemos um financiamento significativo às embaixadas para ser distribuído diretamente às pessoas afetadas", destacou.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.