"Prioridade são boas relações com o MPLA,” diz Luaty Beirão
Lusa | cvt
26 de agosto de 2018
Rapper e ativista angolano lamentou este sábado (25.08) que o Partido Comunista Português tenha retirado o seu livro da Festa do "Avante!". PCP negou acusação e disse que responsabilidade é da editora Página a Página.
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Luaty Beirão, autor de "Sou Eu Mais Livre, Então - Diário de um Preso Político Angolano" - que retrata os primeiros dias de prisão preventiva do músico e ativista angolano, em 2015, quando foi acusado de rebelião e associação de malfeitores - sublinhou que o Partido Comunista Português (PCP) "faz tudo o que pode para não comprometer o MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola]", pelo que acaba por tornar-se "coerente dentro da incoerência".
As declarações foram feitas a partir de Benguela (litoral centro sul de Angola), onde Luaty se encontra - como parte de uma digressão musical e para apresentar o livro em quase todo o país.
Luaty Beirão criticou o fato de os comunistas portugueses "ainda pensarem que estão em 1917" [ano da revolução russa], esquecendo-se que o MPLA "já nada tem a ver com o marxismo-leninismo".
"Não estamos em 1917. O MPLA já não é o partido marxista-leninista do passado, pois agora está mais próximo do neocapitalismo, e o PCP ainda mantém uma postura contra quem quer pôr tudo em causa [em Angola]. Tudo o que possa comprometer o MPLA é posto de lado", afirmou o ativista.
"É tudo uma grande confusão. A prioridade são as boas relações com o MPLA. É triste", acrescentou o também rapper angolano, ironizando com o fato de a decisão do PCP, "se calhar, até poderá trazer uma boa publicidade" para a venda da obra.
Luaty Beirão está a aproveitar uma digressão musical pelo país - de Benguela seguirá para o Lubango, Lobito, Huambo, Cuíto, Ndalatando, Malanje e Cabinda - para promover o livro em Angola.
Na qualidade de ativista, foi uma das vozes críticas do regime angolano liderado pelo agora ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, ainda atual líder do MPLA, cargo que deverá deixar no VI Congresso do partido, marcado para 07 de setembro próximo.
Na sexta-feira (24.08), a editora Bárbara Bulhosa, da Tinta-da-China, disse que o livro de Luaty Beirão foi excluído da feira do livro da Festa do "Avante!", acusação entretanto rejeitada pelo PCP, que lamentou "o mais primário anticomunismo".
Na rede social Facebook, Bárbara Bulhosa escreveu que o livro foi excluído da lista de títulos que a editora propôs para venda na Festa do "Avante!", que vai ter lugar de 07 a 09 de setembro, no Seixal, em Portugal, "com o argumento que incomodaria os camaradas do MPLA que irão à Festa".
Questionado sobre o assunto pela agência Lusa, o PCP afirmou que rejeita "operações difamatórias vindas de quem, sem crédito, se move pelo preconceito e o mais primário anticomunismo".
O partido esclareceu, através do gabinete de imprensa, que a "Festa do Livro" no "Avante!" é da responsabilidade da editora Página a Página, "que assume os seus próprios critérios e opções editoriais, quer quanto às editoras convidadas quer quanto aos títulos à venda".
A agência Lusa tentou, sem resposta, obter mais esclarecimentos por parte da editora Página a Página, fundada em 2009 e que conta com Eugénio Rosa, José Casanova, Odete Santos, Modesto Navarro e Álvaro Cunhal entre os autores publicados.
"É uma tristeza verificar que para o PCP os presos políticos continuam a ter nacionalidade, e que os que interessam são só os nossos, durante o Estado Novo", referiu a editora no Facebook. À agência Lusa, Bárbara Bulhosa não prestou mais esclarecimentos, por estar ausente do país.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.