Aumento de processos em Moçambique: manobra de distração?
Sitoi Lutxeque (Nampula)
26 de setembro de 2017
Segundo o Gabinete Provincial de Combate à Corrupção em Nampula, o número de funcionários do Governo processados está a aumentar. Analistas falam em tentativa de desviar atenções do caso das dívidas ocultas.
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O Gabinete Provincial de Combate à Corrupção em Nampula tem, nos últimos meses, recebido muitas denúncias envolvendo dirigentes do Estado que praticam vários crimes. Entre eles estão os de peculato, corrupção e abuso de poder. Só no primeiro semestre de 2017, foram reportados mais de 200 casos.
Recentemente, o gabinete processou o edil da Mocimboa da Praia, em Cabo Delgado, acusado de pagamentos indevidos e abuso de poder.O Presidente do Conselho Municipal de Malema, na província de Nampula, também foi julgado e condenado pelo crime de corrupção e abuso de poder — uma pena de um ano e quatro meses que foi convertida em multa. A mesma situação se repetiu com o edil de Lichinga, no Niassa, ainda neste ano.
Francisco Baúque é porta-voz do Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Nampula, uma instituição que também assiste todas as províncias do norte de Moçambique. À DW África, sem avançar números concretos, Baúque disse que são muitos os casos que envolvem dirigentes do Governo. "Temos outros ainda em instrução preparatória. Uma das ações é penalizarmos, porque falar já se falou muito e se sensibilizou muito — e parece que as pessoas estão voltadas a praticar os mesmos crimes", comenta o porta-voz. "O que a gente faz é levar à barra do Tribunal e isso vai desencorajar muitos a não praticarem esses crimes", prevê Baúque.
Dirigentes da FRELIMO
27.09 Corrupção no norte de Moçambique: uma manobra de distracção? - MP3-Mono
Os casos envolvem, na sua maioria, os dirigentes da FRELIMO, partido no poder desde a independência do país, em 1975. O advogado e analista Arlindo Murririua saúda os esforços do gabinete, mas lamenta o fato de se estar a penalizar os casos menores, ao nível das províncias, deixando de fora aqueles que arruinaram o país, com as chamadas dívidas ocultas. O analista pede que a Procuradoria-Geral da República siga o exemplo do gabinete provincial, responsabilizando os autores das dívidas. "Estes aqui (Procuradores dos Gabinetes provinciais) trabalham porque não estão a investigar aquele que os nomeou. Agora as dívidas ocultas que deixaram o país de rastos, o que é que se fez? Estão a nos entreter a falar disso. Nós queríamos ver esses responsáveis à barra do Tribunal", disse.
Um desejo que, na visão de Murririua, nunca será concretizado. "Porque quem nomeou aquela procuradora-chefe, talvez, é aquele que esteja indiciado nessas dívidas ocultas e de acordo com os estatutos (da FRELIMO), todos aqueles dirigentes têm de ter a disciplina partidária", afirma o advogado. Murririua ainda completa: "tendo isso, aqueles que os nomearam são os dirigentes deles e como terão a coragem de lhes investigar? Estes pequenos estão a ser julgados e os 'tubarões', para quando?''
Igreja Católica
O padre da Igreja Católica em Nampula, Cantifulas de Castro, concorda com o advogado Arindo Murririua e considera que estes julgamentos de "pequenos chefes'' são uma manobra de distração. "Esta tentativa de suplantar aquilo que está no topo, já faz anos, até o povo já se conforma. Inicialmente, as pessoas falavam de Ematum (dívidas ocultas), mas agora já ninguém comenta e esqueceram. Parece algo que já se superou, enquanto a situação prevalece e o custo de vida aumenta", lamentou de Castro.
O sacerdote tem uma proposta para travar a corrupção. "O primeiro passo que acho que deve ser feito é não tolerar estas situações e punir exemplarmente e fazer valer a lei que rege o nosso país ", disse.
Francisco Baúque, porta-voz do Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Nampula, declara que a responsabilização dos dirigentes ao nível provincial não está relacionada com ações para distrair a opinião pública no caso das dívidas ocultas. Até porque, segundo Baúque, isso não compete aos órgãos do seu nível.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.