Ministério do Interior de Angola recomendou a proibição de manifestações que não sejam de partidos políticos concorrentes às eleições. Oposição está contra e alerta para violação dos direitos dos cidadãos.
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''Foi suspensa a democracia em Angola''. É assim que André Mendes de Carvalho, candidato a vice-Presidente da República da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), reage à recomendação do Ministério do Interior de proibir quaisquer manifestações ou reuniões durante o período eleitoral que não sejam organizadas pelas forças políticas concorrentes ao escrutínio de 23 de agosto.
O Ministério explicou em comunicado, na semana passada, que tinha informações sobre a intenção de organizações que pretendem levar a cabo ações de rua para desestabilizar as eleições. Mas a oposição está contra a recomendação de proibir os protestos.
"Os direitos que são consagrados para os cidadãos não podem ser interrompidos assim que há uma atividade que se chama eleições", afirma o responsável da terceira maior força política do país.
Mihaela Webba, deputada do maior partido da oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e professora de Direito Constitucional, considera que a restrição do direito à manifestação é um atentando grave à Constituição e ao Estado de direito democrático.
''A limitação do exercício do direito só pode ser feita em caso de estado de emergência, estado de guerra ou estado de sítio, e Angola não está nem em estado de emergência, nem em estado de guerra ou estado de sítio", diz Webba, frisando que só o Presidente da República pode declarar o estado de excepção depois de ouvir a Assembleia Nacional.
"Nada disso foi feito, logo não pode haver limitação ou suspensão dos direitos", conclui.
Proibição de protestos coloca democracia "em suspenso"
MPLA: Segurança é "maior bem" da democracia
Opinião contrária tem o partido há 42 anos no poder. João Pinto, quarto vice-presidente da bancada parlamentar do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), considera que a recomendação do órgão que vela pela segurança interna do país tem força de lei se há uma intenção de desestabilizar as eleições.
''Não há maior bem da democracia do que a segurança. [Há o perigo] de se descambar ou de se criar um ambiente de mal-estar social, tomando em conta o discurso e a narrativa que a oposição foi fazendo - de fraude ou de querer desacreditar as instituições, a CNE [Comissão Nacional Eleitoral]", refere Pinto. "Vimos ontem, no tempo de antena da UNITA, a senhora Ermelinda Freitas defendendo, por exemplo, a permanência dos cidadãos nos locais de votação, que é claramente a manifestação de que há intenções de se querer criar um ambiente de crispação ou de caos.''
William Tonet, advogado e jornalista, diz que compreende as preocupações do Ministério do Interior, mas defende que não se pode tomar medidas administrativas "discricionárias".
''Pode-se querer acautelar que as manifestações não colidam com os principais atos dos partidos concorrentes às eleições, mas isso [deve ser] sempre no respeito da Constituição e das leis", comenta.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.