Projeto universitário quer unir cultura europeia à africana
João Carlos
17 de março de 2022
O projeto "African European Narratives" pretende unir cidadãos europeus e a cultura dos países africanos. A ideia, já apresentada em Lisboa, é aumentar partilha de narrativas afrodescendentes e memórias pós-coloniais.
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Livonildo Paulo Mendes está a fazer mestrado em Direito e Mercados Financeiros na Universidade Nova de Lisboa. Depois do choque cultural, o estudante guineense já se inteirou da diversidade que caracteriza a sociedade portuguesa e, com o andar do tempo, tem vencido os fantasmas do racismo com que se viu confrontado quando chegou a Portugal há quatro anos.
"A visão que eu tinha, quando estava na Guiné-Bissau, é diferente. Eu sei o que é o racismo, mas nunca pensei que era assim como passei aqui na Europa", admite Mendes.
O estudante explica que agora se sente diferente. "No início sim, senti na pele, mas já estou adaptado, já percebo e consigo lidar melhor com uma situação de racismo. Agora já é diferente", diz.
Já habituado ao traço multicultural da sociedade portuguesa, Paulo Mendes é um dos rostos do projeto "Narrativas Africanas e Europeias" (African European Narratives), apresentado esta quarta-feira (16.02), em Lisboa, no âmbito do "Programa Europa para os Cidadãos", que visa especialmente os jovens.
Projeto "focado no pós-colonial"
Maria Teresa Cruz, do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa, explica que o projeto surgiu em 2018/2019, motivado pelo contexto multicultural e multi-étnico das sociedades europeias contemporâneas, mas com foco particular na dimensão pós-colonial.
"Aquilo que foi apresentado aqui é uma parte deste projeto mais voltado para a produção de conhecimento académico sobre esta realidade. Mas a primeira etapa do projeto foi mais aberta voltada para a produção narrativa", explica Cruz.
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Neste contexto, acrescenta, as pessoas contavam as suas histórias, individuais ou familiares, quer de memórias de gerações passadas, quer histórias atuais de relação com contextos sociais, profissionais e de convívio com a diversidade das sociedades europeias, onde a presença de cidadãos de origem africana ou afrodescendentes é muito significativa.
"No meio de fenómenos que são, às vezes, de grande riqueza, de diálogo intercultural e que, outras vezes, são, como todos sabemos, fenómenos de tensão, de discriminação, de racismo", afirma Maria Teresa Cruz.
"Havia também uma dimensão ativista neste projeto de ir chamando cada vez mais atenção da sociedade portuguesa, muitas vezes em negação sobre esses aspetos", conclui a professora.
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"Condição multicultural" distinta
Segundo esta académica, Portugal viveu uma pesada história de colonialismo, mas, depois desse período, também tem uma condição multicultural, que, embora complexa, é diferente de muitos outros países europeus.
"Com experiências individuais e coletivas muito mais efetivas, disseminadas por muitas famílias, de muitas histórias pessoais, algumas no silêncio durante muitos anos, algumas numa grande invisibilidade, outras com grandes tensões", afirma.
O maior desafio foi congregar no estudo a dimensão da memória colonial e pós-colonial sem separar a abordagem sobre a realidade dos afrodescendentes ou de diásporas africanas presentes na Europa, nomeadamente as novas migrações.
"Nós quisemos assumir esta complexidade, nomeadamente neste eixo de relação entre Portugal e África", adianta Maria Teresa Cruz. "Foi propositada essa não divisão entre passado, presente, histórias africanas ou histórias europeias, justamente o que quisemos sublinhar foi a interceção ou a interação destas realidades".
A ocasião foi oportuna também para a apresentação de um Glossário Afro-Europeu, no âmbito do referido projeto, que espera receber contribuições de todos os interessados, na Europa ou em África, com temas, vocabulários e conceitos sobre os quais deve haver uma reflexão científica e académica, de modo a se aprofundar a realidade intercultural euro-africana.
De fortalezas a cinemas: o património colonial português em África
A colonização portuguesa nos países africanos deixou edificações históricas, que vão desde fortificações militares, igrejas, estações de comboio, até cinemas. Boa parte deste património ainda resiste.
Foto: DW/J.Beck
Calçada portuguesa
Na Ilha de Moçambique, antiga capital moçambicana, na província de Nampula, a calçada portuguesa estende-se à beira mar. A herança colonial que Portugal deixou aqui é imensa e está presente num conjunto de edificações históricas, entre fortalezas, palácios, igrejas e casas. Em 1991, este conjunto foi reconhecido como Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de São Sebastião
A Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique, começou a ser erguida pelos portugueses em 1554. O motivo: a localização estratégica para os navegadores. Ao fundo, vê-se a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, de 1522, que é considerada a mais antiga estrutura colonial sobrevivente no sul de África.
Foto: DW/J.Beck
Hospital de Moçambique
O Hospital de Moçambique, na Ilha de Moçambique, data de 1877. O edifício de estilo neoclássico foi durante muito tempo a maior estrutura hospitalar da África Austral. Atualmente, compõe o património de construções históricas da antiga capital moçambicana.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de Maputo
A Fortaleza de Maputo situa-se na baixa da capital moçambicana e é um dos principais monumentos históricos da colonização portuguesa no país. O espaço foi ocupado no início do século XVIII, mas a atual edificação data do século XX.
Foto: DW/J.Beck
Estação Central de Maputo
Desde a construção da Estação Central dos Caminhos-de-Ferro (foto) na capital moçambicana, no início do século XX, o ato de apanhar um comboio ganhou um certo charme. O edifício, que pode ser comparado a algumas estações da Europa, ostenta a uma fachada de estilo francês. O projeto foi do engenheiro militar português Alfredo Augusto Lisboa de Lima.
Foto: picture-alliance / dpa
Administração colonial portuguesa em Sofala
Na cidade de Inhaminga, na província de Sofala, centro de Moçambique, a arquitetura colonial portuguesa está em ruínas. O antigo edifício da administração colonial, com traços neoclássicos, foi tomado pela vegetação e dominado pelo desgaste do tempo.
Foto: Gerald Henzinger
"O orgulho de África"
Em Moçambique, outro de património colonial moderno: o Grande Hotel da Beira, que foi inaugurado em 1954 como uma das acomodações mais luxuosas do país. O empreedimento português era intitulado o "orgulho de África". Após a independência, em 1975, o hotel passou a ser refúgio para pessoas pobres. Desde então, o hotel nunca mais abriu para o turismo.
Foto: Oliver Ramme
Cidade Velha e Fortaleza Real de São Filipe
Em Cabo Verde, os vestígios da colonização portuguesa espalham-se pela Cidade Velha, na Ilha de Santiago. Entre estas construções está a Fortaleza Real de São Filipe. A fortificação data do século XVI, período em que os portugueses queriam desenvolver o tráfico de escravos. Devido à sua importância histórica, a Cidade Velha e o seu conjunto foram consagrados em 2009 Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J. Beck
Património religioso
No complexo da Cidade Velha está a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, conhecida por ser um dos patrimónios arquitetónicos mais antigos de Cabo Verde, com mais de 500 anos. Assim como em Cabo Verde, o período colonial português deixou outros edifícios ligados à Igreja Católica em praticamente todos os PALOP.
Foto: DW/J. Beck
Palácio da Presidência
Na cidade da Praia, em Cabo Verde, a residência presidencial é uma herança do período colonial português no país. Construído no século XIX, o palácio abrigou o governador da colónia até a independência cabo-verdiana, em 1975.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Casa Grande
Em São Tomé e Príncipe, é impossível não reconhecer os traços da colonização portuguesa nas roças. Estas estruturas agrícolas concentram a maioria das edificações históricas do país. A imagem mostra a Casa Grande, local onde vivia o patrão da Roça Uba Budo, no distrito de Cantagalo, a leste de São Tomé. As roças são-tomenses foram a base económica do país até a indepência em 1975.
Foto: DW/R. Graça
Palácio reconstruído em Bissau
Assim como em Cabo Verde, na Guiné-Bissau o palácio presidencial também remonta o período em que o país esteve sob o domínio de Portugal. Com arquitetura menos rebuscada, o palácio presidencial em Bissau foi parcialmente destruído entre 1998 e 1999, mas foi reconstruído num estilo mais moderno em 2013 (foto de 2012). O edifício, no centro da capital guineense, destaca-se pela sua imponência.
Foto: DW/Ferro de Gouveia
Teatro Elinga
O Teatro Elinga, no centro de Luanda, é um dos mais importantes edifícios históricos da capital angolana. O prédio de dois andares da era colonial portuguesa (século XIX) sobreviveu ao "boom" da construção civil das últimas décadas. Em 2012, no entanto, foram anunciados planos para demolir o teatro. Como resultado, houve fortes protestos exigindo que o centro cultural fosse preservado.
Foto: DW
Arquitetura colonial moderna
O período colonial também deixou traços arquitetónicos modernos em alguns países. Em Angola, muitos cinemas foram erguidos nos anos 40 com a influência do regime ditatorial português, o chamado Estado Novo. Na foto, o Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes), um dos mais antigos do país, é um exemplo. Foi o primeiro edifício de arquitetura "art déco" na cidade de Namibe.