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Projetos de gás deixaram Moçambique numa "armadilha"

António Cascais
13 de julho de 2023

Ambientalista Daniel Ribeiro diz que os contratos de exploração de gás puseram Moçambique numa "situação muito difícil", sendo que podem dizimar espécies animais. "Toda a gente vira a cara e ignora esses perigos", frisa.

Foto: DW/Eleuterio Silvestre

A Total Energies só deverá voltar a Moçambique em 2024 e produzir gás apenas a partir de 2028, segundo astimativas de agências internacionais. Em entrevista à DW África, Daniel Ribeiro, coordenador e membro fundador da associação Justiça Ambiental, afirma que os atrasos dos megaprojetos de gás liquefeito em Cabo Delgado vão ter consequências negativas, uma vez que Moçambique vai perder consideráveis receitas, necessárias para fazer face à dívida pública.

Por outro lado, segundo Daniel Ribeiro, os atrasos poderão até ser uma boa notícia, uma vez que Moçambique vai ter mais tempo para fazer face aos impactos negativos dos projetos de gás, nomeadamente ao nível ambiental.

DW: O atraso na produção de gás no norte de Moçambique por parte da TotalEnergies é boa ou má notícia?

DR: É um pouco complicado porque há dois lados. Por um lado, é melhor adiar o começo, porque a situação no terreno ainda está muito complicada. Ainda há conflito e não lidaram com as causas socioeconómicas da insurgência. Ainda há muito trabalho para ser feito.

Daniel Ribeiro, coordenador e membro fundador da associação Justiça AmbientalFoto: privat

DW: Por outro lado, Moçambique precisa das receitas do gás para poder fazer face ao aumento das prestações da dívida soberana, verdade?

DR: Moçambique usou os contratos de gás para ir ao mundo internacional e pedir empréstimos e quanto mais atrasado for o projeto, mais pagamos em dívida, e pior é a situação da dívida. A nossa dívida, antes desses empréstimos lícitos, era à volta de 40 a 50% do nosso PIB, mas depois dos contratos de gás, depois desses empréstimos ilícitos, ficou em 130% do nosso PIB.

DW: Estes atrasos aumentam bastante os custos da produção do gás liquefeito. Quem é que suportará estes custos?

DR: Moçambique é o país com a maior responsabilidade económica do mundo. A Total tem uma cláusula que [define que] qualquer custo gerado pelas dinâmicas do conflito tem que ser recompensada pelo Estado moçambicano. E há outras cláusulas que põem a responsabilidade toda da economia no Estado moçambicano. Aliás, nós não podemos mudar a lei do hidrocarboneto de petróleo para os próximos 35 anos sem permissão da Total e da Eletricidade de Moçambique (EDM), só para mostrar o controlo que estas empresas têm sobre o Estado neste momento.

Instalação destinada à exploração de recursos naturais Foto: Phoenix

DW: O país está numa armadilha?

DR: É uma armadilha que já aconteceu em muitos outros países. Vamos ter grandes impactos sobre aquela zona, porque é um ecossistema de importância global classificado pelas Nações Unidas. Estamos numa situação muito difícil.

DW: O impacto ambiental desses projetos de gás é muito grave?

DR: Tem potencial para ser muito grave. O movimento dos barcos pode criar grandes impactos e extinção de espécies no local, numa zona muito sensível. E em cima disso também não podemos esquecer que, neste momento, a indústria tem uma tendência para subestimar as fugas de gás; subestimar o impacto no efeito de estufa e tudo isso; nós temos vários impactos, mas infelizmente o problema é que quando o interesse económico é tão forte, toda a gente vira a cara e ignora esses perigos.

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