Protesto exige legalização de migrantes indocumentados
12 de novembro de 2016Lourenço Tunde Correia veio para Portugal em 2009, via Espanha, a fugir dos conflitos político-militares na Guiné-Bissau. A falta de trabalho e a decadência socioeconómica no seu país empurrou-lhe para estas paragens na Europa em busca de uma vida melhor. Ele arranjou emprego na área da construção civil com um contrato de trabalho, obteve um visto administrativo, mas ainda não conseguiu legalizar-se no país.
Depois de vários meses de espera, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) agendou finalmente uma marcação, que ocorreu na última terça-feira (9.11). No ato de atendimento, o cidadão guineense foi notificado a pagar 250 euros de multa por permanência ilegal no país. Lourenço mostra-nos o respetivo recibo, assim como um outro documento a intimá-lo a abandonar Portugal no prazo de 20 dias.
Inconformado, decidiu expôr o problema e pedir apoio à Solidariedade Imigrante, associação que tinha encaminhado o seu processo junto do SEF e que agora vai pedir a reapreciação do caso e a anulação da decisão de expulsão. Este é apenas um exemplo dos muitos migrantes que permanecem ilegais em Portugal. Segundo o dirigente da Associação Solidariedade Imigrante, Timóteo Macedo, cerca de 30 mil migrantes estão em situação irregular no país.
Não são conhecidos os dados oficiais, mas Adriano Malalane, advogado de origem moçambicana que acompanha o movimento da imigração no país europeu, diz que muitos cidadãos africanos aflitos com a situação de ilegalidade imposta pela própria lei o procuram a pedir orientação.
"Temos recebido casos dramáticos, de clara injustiça. Pessoas que estão a trabalhar e a contribuir para a economia deste país não têm documentos. Mas também há pessoas que chegaram recentemente e escolheram Portugal para viver, trabalhar e melhorar suas condições de vida", afirma Timóteo Macedo. Um dos principais motivos para essa incerteza é o facto de a Segurança Social não atribuir a estes imigrantes o número de beneficiários para descontarem ao sistema. "Existem pessoas há mais de 18 meses à espera de que o seu título de residência seja emitido."
Obstáculos
A atual Lei de Estrangeiros tem um conjunto de normas que fazem parte do regime geral para entrada e fixação de residência em território nacional e que são consideradas "muito restritivas". Segundo Adriano Malalane, alguém que pretenda vir a Portugal para trabalhar e residir deveria trazer do seu país de origem um visto de trabalho para fixar residência. Mas isso não é possível, porque os consulados de Portugal no estrangeiro não dão visto de trabalho a alguém que deseja mudar-se para o país europeu.
É facto que muitos migrantes africanos regressaram aos seus países de origem, sobretudo de Angola e Moçambique, mas muitos outros membros da comunidade africana permanecem em Portugal por variadas razões. Ou porque têm filhos a estudar, ou porque têm encargos contratuais com a banca de casas que ainda estão a pagar, ou porque não têm mesmo alternativas para regressar ao país natal. São os casos dos oriundos da Guiné-Bissau, de São Tomé e Príncipe e de Cabo Verde.
"Além daqueles que sempre estiveram ilegais, há muitos outros que já tiveram autorização de residência no passado, ficaram desempregados e perderam a possibilidade de renovar a autorização de residência", conta Malalane. Esta é outra questão que tem que ser revista, explica, tendo em consideração que o SEF exige uma declaração com os extratos das contribuições para a Segurança Social e um documento válido da entidade patronal. "Se a pessoa está desempregada, mesmo levando uma declaração confirmativa do Centro de Emprego, o SEF continua a exigir a prova de meios de subsistência."
"Estamos numa fase de claro policiamento da própria administração pública e do Estado português", reclama Timóteo Macedo em entrevista à DW. A leitura que a nova direção do SEF faz da lei, a propósito da "entrada legal", está a criar mais embaraços aos que querem legalizar-se. De acordo com o SEF, só será legalizado quem provar ter entrado em Portugal dentro da validade do visto de turismo relativo ao espaço Schengen e, que, nesse prazo, tenha chegado a Portugal e declarado a uma autoridade policial a sua entrada. Inscrições de cidadãos estrangeiros que não tenham autorização de residência não são aceites.
"Ou seja, mesmo que o cidadão estrangeiro consiga um contrato de trabalho escrito com uma entidade empresarial, com um empregador, quando este vai à Segurança Social para se inscrever e obter o número de beneficiário, os funcionários do referido serviço recusam, exigindo a autorização de residência", explica Macedo. "E agora com a eleição de Donald Trump nos EUA isso tende a agravar-se."
Na opinião do dirigente associativo, o Governo português está a ser cúmplice do trabalho ilegal, fomentando as máfias e as corrupções instaladas no Estado e na sociedade portuguesa. Muitos estrangeiros chegam a pagar até 600 euros para obter um número da Segurança Social ilegalmente. "Nós temos que arrepiar caminhos e rapidamente dar outra leitura à 'entrada legal'", alerta.
Alternativas
Uma proposta de alteração da Lei de Estrangeiros, nomeadamente do artigo 88, prevê que "nacionais de Estados terceiros que tenham contrato de trabalho celebrado com uma entidade empresarial em Portugal e estejam inscritos na Segurança Social" obtenham "excecionalmente" uma autorização de residência. Os requisitos, segundo o texto, são possuir um contrato de trabalho ou ter uma relação laboral comprovada por um sindicato ou por uma associação de imigrantes.
A proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda (BE) e apoiada pelo Partido Comunista Português (PCP) foi já debatida no final de outubro, no âmbito de uma manifestação em frente à Assembleia da República. O objetivo do documento que voltará a ser apreciado em 2017 é eliminar a tal leitura "retrógrada" e "restritiva" da entrada legal de cidadãos estrangeiros.
Mais de 40 associações de imigrantes organizaram um protesto este domingo (13.11) em Lisboa para pressionar por mudanças na lei, além de fazer um abaixo-assinado. As associações também vão continuar a recorrer a outras formas de protesto. "Nós vamos continuar a pressionar e a estar atentos à discussão que se vai fazer na comissão da especialidade", avisa Timóteo Macedo.