Protestos: Corte da internet levanta suspeitas de censura
23 de julho de 2025
Em Angola, participantes da manifestação realizada no passado sábado, 19 de Julho, contra o aumento de 20% nas propinas, consideram que o apagão no serviço de internet foi uma tentativa de censurar a divulgação do protesto. Amanifestação, que decorreu em várias províncias do país, não contou com cobertura em tempo real pelos órgãos de comunicação estatais, o que torna a falha no serviço ainda mais suspeita, segundo os ativistas.
O corte do sinal de internet foi registado cerca de meia hora após o início do protesto. A Angola Cables, empresa responsável pela distribuição da internet no território nacional, justificou a falha com uma "avaria técnica” provocada por obras na via pública, que terão danificado as ligações de fibra ótica e afectado vários operadores. No entanto, a explicação continua a ser alvo de desconfiança por parte de manifestantes, jornalistas e ativistas.
A interrupção apanhou de surpresa jornalistas de órgãos independentes que cobriam o protesto, bem como centenas de manifestantes que utilizavam os seus telemóveis para captar e divulgar imagens nas redes sociais. O sinal só foi restabelecido no final da tarde, quando a manifestação já estava a terminar. Nesse período, utilizadores de diferentes operadoras começaram a receber mensagens da Angola Cables informando que o país esteve "parcialmente impedido de aceder à internet” entre as 13h e as 17h.
Reação dos ativistas
Para o secretário-geral da Associação dos Motoristas Benquistos Associados Independentes de Angola (A-MBAIA), Alexandre Barros, a explicação oficial não convence. Barros considera que o corte foi uma acção premeditada e um ensaio para futuros bloqueios durante possíveis convulsões sociais, especialmente tendo em vista as eleições gerais previstas para 2027.
"Este corte impediu que aquilo que poderíamos utilizar como prova imediata em tempo real fosse divulgado. Por isso, aconselhamos não só a classe jornalística, mas todo o povo angolano, a não encarar esta medida como algo meramente técnico, como anunciado pela Angola Cables. Teremos certeza disso se nas próximas manifestações voltarmos a enfrentar o mesmo problema”, alertou.
O ativista Adilson Manuel, um dos organizadores da nova manifestação marcada para sábado, 26 de Julho, contra o aumento do preço do gasóleo e dos transportes, também vê no apagão uma tentativa deliberada de censura aos protestos.
"A suspensão dos serviços de internet mostra claramente que, em vez de ouvir as reclamações do povo, o Governo prefere negligenciá-las. Sábado foi uma demonstração da insensibilidade do Executivo. Como forma de controlar, optaram por suspender os serviços de internet — algo que nos preocupa profundamente e que repudiamos como organizadores dos protestos”, afirmou.
As imagens das manifestações só começaram a circular nas redes sociais na noite de sábado e no domingo, muito depois de terminado o protesto, precisamente por causa do corte do sinal.
Impacto na comunicação
O jornalista Hossi Sojamba, fundador do site Epito Repórter, especializado em jornalismo independente, transmitia o protesto em directo no Facebook e YouTube quando a transmissão foi subitamente interrompida. Para Sojamba, não há dúvidas de que se tratou de um acto intencional.
"A minha convicção profissional é de que foi um ato deliberado. Estava numa transmissão ao vivo e fui interrompido. O mesmo aconteceu com outros colegas. Isso compromete seriamente a cobertura dos protestos, tanto por jornalistas quanto pelos próprios manifestantes”, declarou.
Sojamba admite que o episódio poderá ter sido apenas um teste para futuras acções semelhantes e aconselha jornalistas e ativistas a prepararem-se com alternativas técnicas.
"Esses riscos tendem a se repetir, e esses apagões vão prejudicar cada vez mais jornalistas e ativistas na divulgação de ações de protesto, que tendem a se multiplicar diante da subida do custo dos transportes, das propinas e do custo de vida em geral”, advertiu.
Já Alexandre Barros destaca que a falha de internet não afectou todos os dispositivos da mesma forma. Segundo o líder da A-MBAIA, algumas marcas de telemóveis continuaram a funcionar com mais estabilidade, o que, segundo ele, pode indicar uma seletividade no bloqueio. Barros sugere também que se explorem aplicações que ajudem a contornar eventuais censuras digitais.
"Se voltarmos à altura das convulsões pós-eleitorais em Moçambique e observarmos algumas das técnicas usadas pelo candidato Venâncio Mondlane para manter-se sempre online, não importa onde ou quando, veremos que também podemos adotar essas estratégias”, sugeriu.
O responsável conclui com um apelo à organização durante os protestos.
"É fundamental que os manifestantes sigam as orientações dos organizadores para garantir a segurança de todos e a eficácia das reivindicações”, aconselhou.
O próximo sábado poderá servir de novo teste à resiliência da liberdade de expressão digital em Angola.