Pastores angolanos que apoiam gestão do brasileiro Edir Macedo reivindicam legitimidade do património e dizem ser representantes legais da Igreja Universal do Reino de Deus. Órgão do Governo e ala dos dissidentes negam.
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A discussão na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) Angola reacendeu-se depois de a ala angolana que defende os interesses brasileiros na IURD dar a conhecer, na última sexta-feira (22.10), que ganhou a legitimidade da instituição. O grupo liderado pelo bispo angolano António Miguel Ferraz alterou os estatutos da igreja no âmbito da Assembleia Geral do Conselho de Direção da IURD em Angola, realizada em junho deste ano, e, posteriormente, os mesmos foram publicados em Diário da República, no mês de outubro corrente.
A ação "irritou" o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos (INAR), que, em comunicado de imprensa, considera inválido o corpo diretivo constituído pelos pastores. O órgão do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente afirma que não recebeu nenhuma solicitação sobre a alteração dos estatutos da IURD em Angola.
Em declarações à DW África, o secretário para os assuntos institucionais da IURD, Ângelo Canga, que representa os reformistas, afirma que a instituição tem apenas uma liderança representada legalmente pelo bispo Valente Bezerra Luís. Canga acusa o grupo do bispo Ferraz de ludibriar as autoridades e a sociedade para acobertar alegados crimes cometidos pela antiga liderança da IURD que era composta por brasileiros e angolanos.
"Agem em falsa qualidade"
"Tentando manipular as instituições do Estado, criaram portas e inventaram uma ata de uma tal assembleia e, infelizmente, conseguiram ter uma oportunidade num dos cartórios e deram os trâmites para a publicação no Diário da República. Foi isso que aconteceu", garante Ângelo Canga, lembrando ainda que "o INAR publicou um comunicado logo que tomou conhecimento desta ação".
"Cabe aos mesmos indivíduos abster-se de praticar atos em nome da Igreja Universal do Reino de Deus, porque não são membros da direção, não têm nenhuma legitimidade, agem em falsa qualidade", acusa.
Ângelo Canga lança ainda um apelo "às instituições públicas, privadas e terceiros a não assumir nenhum compromisso com este grupo sob pretexto do mesmo documento, Diário da República, que eles apresentam. Este Diário da República não vincula a IURD reconhecida oficialmente pelos órgãos do Estado".
Ala "Ferraz" nega ilegalidades
Por sua vez, a ala liderada pelo bispo António Ferraz diz que no passado 21 de outubro a IURD comunicou ao INAR a alteração dos Estatutos e a eleição dos novos titulares da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho de Direção da IURD Angola aprovadas na sua 33.ª Assembleia Geral Extraordinária, mas o órgão do Ministério da Cultura de Angola omitiu a informação no seu comunicado.
Entretanto, o grupo também lembra haver a seu favor uma providência cautelar de suspensão de eficácia de duas decisões praticadas pelo diretor do Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos, e processo corre os seus trâmites no Tribunal Supremo.
Em entrevista à DW, o membro da assessoria jurídica da IURD representada pelos pastores angolanos apoiantes de Edir Macedo, Ângelo dos Santos, afirma que não houve nenhuma ilegalidade na alteração dos estatutos: "Os estatutos da igreja, por ser uma pessoa coletiva do direito privado, são da competência exclusiva dos seus membros. Foi isso que a igreja fez, reuniu-se em assembleia extraordinária, e os membros na agenda acharam então por bem fazer algumas alterações aos estatutos para se conformar a dinamização da sociedade com aquilo que são as novas visões da nova liderança".
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INAR acusado de "má-fé"
Ângelo dos Santos acusa ainda o Instituto Nacional para os Assuntos Religiosos de tomar partido no conflito da igreja, afirmando que "sendo um ente público e não parte do conflito, não se consegue entender o posicionamento".
Para o responsável, o pronunciamento do INAR mostra "a existência de uma clara parcialidade". "Se o assunto for má-fé, facilmente conseguimos notar quem está a agir de má-fé. Obviamente, não é a liderança legítima da Igreja Universal do Reino de Deus", disse o membro da assessoria jurídica, reafirmando que os dissidentes são "corpos estranhos" na IURD.
O conflito na IURD dura há dois anos e cerca 500 mil fiéis estão atualmente impedidos de participar nos cultos devido ao encerramento dos templos pelas autoridades angolanas.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.