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O Quénia profundamente dividido

Martina Schwikowski | ck
1 de dezembro de 2017

Esperava-se um regresso à paz no Quénia após a inauguração presidencial de Uhuru Kenyatta. Mas as circunstâncias não são propícias a um diálogo entre o governo e a oposição. A situação corre o risco de derrapar.

Foto: picture-alliance/abaca/Kenyan Presidency Press Office

Na cerimónia de tomada de posse (28.11), o Presidente Kenyatta sublinhou que a principal tarefa do seu segundo mandato será unir a nação. O Quénia está profundamente dividido. Criar pontes entre as frentes políticas apresenta-se como pouco viável. No dia a seguir da inauguração, Nairobi regressou à normalidade. A atmosfera na capital é sóbria, após a morte de dezenas de pessoas em protestos e manifestações que se seguiram à anulação da primeira eleição presidencial em agosto por irregularidades e fraude. O grande desafio atual do Quénia é restaurar a paz.

Não há confiança no Governo

Os analistas dizem que muitos quenianos não confiam no governo agora eleito por mais cinco anos. Apenas 39% dos eleitores foram às urnas na repetição do sufrágio em 26 de outubro. "Todo o processo eleitoral serviu para dividir ainda mais o país", diz Ulf Terlinden, diretor da representação da Fundação Heinrich Böll em Nairobi. A oposição boicotou a segunda eleição em forma de protesto, mas não obteve retorno, acrescenta Terlinden em entrevista à DW. Para fazer valer a sua importância só resta à oposição manter aceso ou agravar o conflito em curso.

Os confrontos constantes nas ruas de Nairobi não preconizam a pazFoto: Reuters/B. Ratner

Tudo indica ser esse o plano de Raila Odinga. O líder da oposição escolheu o dia da inauguração do seu rival, Kenyatta, para anunciar que formalizará a autoproclamação como Presidente com uma cerimónia de tomada de posse agendada para 12 de dezembro. Odinga pretende criar uma "assembleia popular” que o elegerá Presidente. Tal procedimento é passível de ser considerado alta traição. "A cerimónia seria uma provocação à qual o governo teria que reagir", diz Terlinden.

A reconciliação adiada

O analista da fundação próxima do partido dos Verdes na Alemanha considera que o Quénia está numa posição difícil, porque as segundas eleições foram legais, mas os seus resultados pouco credíveis. "Uma eleição sem oposição levanta a questão da legalidade”, diz Terlinden.

De resto, acrescenta, não são negociações que vão resolver o conflito histórico no Quénia. Qualquer diálogo teria que renovar o consenso básico na sociedade queniana e superar as injustiças antigas – como a distribuição de terras. Kenyatta e as sua etnia, os kikuyu, são acusados de apropriação indevida de terras de cultivo.  Até à data, o Governo recusou-se a pôr em prática recomendações de uma comissão de inquérito que analisou a questão. "O Quénia só avançará quando esta questão ficar resolvida, mas não há grandes perspectivas que isso aconteça", diz Terlinden.

Raila Odinga, líder da oposiçãoFoto: Getty Images/AFP/Y. Chiba

O analista político queniano Martin Oloo considera que um diálogo é a única solução viável – ainda que difícil – para uma reconciliação futura. Mas a recusa de Odinga de reconhecer o Governo aumenta a insatisfação geral. E os seus planos de convocar uma assembleia popular são muito arriscados. "Se a oposição prolongar este comportamento e o Governo não tentar superar a divisão política do país, o fosso aprofundar-se-á e as tensões étnicas subirão", preconiza Oloo.

Segundo o analista, a divisão é resultado de questões que causaram conflitos étnicos longos de décadas e que têm a ver com a exclusão. Desde a independência em 1963 que a grande parte dos presidentes pertence à etnia, kikuyu, a maior do país. Foi o caso do primeiro chefe de estado, Jomo Kenyatta é o caso agora do seu filho Uhuru. Membros de outros grupos étnicos, como os luo, aos quais pertence Odinga, sentem-se marginalizados.

Conflito além-fronteiras

04.12 Quénia divisão - MP3-Mono

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"É preciso que os vencedores tenham muita humildade e os perdedores muita coragem para que se juntem com o objetivo de reconciliar a nação", comenta Oloo. "Esperemos que aqueles em torno dos líderes lhes digam que o país é maior do que eles, que é preciso garantir a paz e adiar os conflitos". O analista queniano acrescenta que é necessário pensar profundamente a reforma do sistema eleitoral, porque ninguém mais confia na comissão eleitoral, que provou ser incompetente.

Entretanto, a divisão entre os apoiantes de Kenyatta e Odinga estendeu-se para além das fronteiras. O Presidente da Tanzânia, John Magufuli, recusou-se a participar na cerimónia de inauguração do seu homólogo queniano. Magufuli é um amigo pessoal de Odinga. Um atrito comercial entre os dois países dificulta as relações. Recentemente registou-se uma queda importante do comércio bilateral. Durante a campanha eleitoral, Odinga prometera negociar a abertura das fronteiras com Magufuli. A reeleição controversa de Kenyatta é passível de agravar as relações entre a Tanzânia e o Quénia. Caso Odinga se decida a proclamar um governo paralelo, terá pelo menos um aliado potencial em Magufuli, mesmo que seja apenas bastidores.

 

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