Quénia pretende utilizar terras de Moçambique para produzir alimentos destinados a países africanos. O Observatório do Meio Rural classifica o anúncio como "política barata", mas há quem veja o projeto com otimismo.
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Durante a recente visita do Presidente do Quénia, William Ruto, a Maputo, foi anunciado que o país da África Oriental pretende utilizar as terras de Moçambique para produzir alimentos destinados ao continente africano. No entanto, essa declaração tem suscitado diferentes reações.
O diretor-executivo do Observatório do Meio Rural (OMR), o economista João Mosca, considera que as afirmações do Quénia não passam de uma estratégia política e aponta para a necessidade de cautela na interpretação dessas intenções.
"Por isso, penso que não podemos dar demasiada importância a essas afirmações de políticas, que não passam exatamente disso, uma afirmação que num determinado momento cujos objetivos poderão ser outros e não os que estão a ser anunciados", avalia Mosca.
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"Quénia por si só pode não estar em condições de investir"
No entanto, o analista político Wilker Dias possui uma perspetiva diferente. Ele acredita que o projeto queniano pode ser bem-sucedido, mas provavelmente não abrangerá todo o continente.
Dias salienta que "o Quénia por si só pode não estar em condições de investir tanto", mas a viabilidade dependerá da capacidade logística e financeira do país, podendo a colaboração com parceiros ser fundamental para alcançar resultados significativos.
"E paulatinamente", continua Wilker Dias, "quando forem a ser apresentados os resultados, aí sim pode-se partir de uma vertente mais alta".
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11:51
Capacidade técnica e financeira
No entanto, João Mosca argumenta que o Quénia não dispõe da capacidade técnica e financeira necessária para empreender tal projeto, questionando a venda de suas terras em favor de estrangeiros.
"Então porque é que vendem as suas terras e não produzem alimentos suficientes para eles próprios e para o resto de África e vem socorrer-se de Moçambique?", questiona.
Direito das comunidades
Mosca ainda alerta para potenciais riscos caso o Governo queniano implemente a ideia de usar terras em Moçambique para produzir alimentos em escala continental, sugerindo que tal iniciativa poderia violar leis de terras e entrar em conflito com os interesses das comunidades e da segurança alimentar.
Wilker Dias também sugere que Moçambique poderá estabelecer leis para proteger as comunidades locais e salvaguardar os interesses do Estado, caso essa empreitada se concretize, "respeitando sempre o processo da soberania".
Contrapondo as preocupações com projetos anteriores, como o ProSavana (Programa de Cooperação Tripartida para o Desenvolvimento Agrícola da Savana Tropical no norte de Moçambique), Wilker Dias enfatiza que o atual cenário se diferencia substancialmente, "porque este caso é extremamente diferente".
"Teremos uma espécie de estarmos a alugar a nossa terra para que o outro possa produzir os alimentos", conclui.
Mapudjé: A cadeia que produz alimentos no norte de Moçambique
Localizada a 100 km de Lichinga, na província nortenha do Niassa, a cadeia aberta de Mapudjé tem um objetivo: produzir alimentos. A produção serve outras cinco cadeias da região e reduz os custos ao Estado.
Foto: DW/M. David
Reclusos
Este centro de reclusão aberto abriga 150 reclusos. São detidos provenientes da cadeia provincial do Niassa, que estão a cumprir as suas penas em regime aberto graças ao bom comportamento apresentado. Aqui, neste estabelecimento penitenciário, eles também trabalham no campo.
Foto: DW/M. David
Via de acesso
Chegar ao centro de Mapudjé não é tarefa fácil. Com uma estrada totalmente lamacenta, pouco frequentada, o acesso ao local é difícil, sobretudo no tempo chuvoso. Recomenda-se carros com tração às quatro rodas para enfrentar este caminho, que passa também por troços de floresta cerrada.
Foto: DW/M. David
Construção típica
Quem chega ao centro de Mapudjé logo surpreende-se com as infraestruturas típicas da região. Esta casa é um exemplo. Foi construída com materiais locais - paus, bambu e capim - para ser o escritório do centro. A construção chama a atenção, pois foi erguida no alto de uma elevação.
Foto: DW/M. David
Posto de saúde
Para oferecer melhor atendimento sanitário aos reclusos, o centro aberto de Mapudjé conta com um posto de primeiros socorros. Em casos mais graves ou atendimento mais especializado, os detidos são transferidos para uma unidade sanitária distrital ou provincial.
Foto: DW/M. David
Produção agrícola
Com um trator e respetivas ferramentas, oferecidas a título de crédito pelo Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA), a cadeia de Mapudjé explora 135 hectares, cultivando milho, feijão manteiga e hortícolas. Na campanha agrícola passada, o centro de Mapudjé colheu mais de 60 toneladas de milho e 35 toneladas de feijão manteiga.
Foto: DW/M. David
Árvores de fruto
O centro também está a apostar em pequenas áreas para o cultivo de árvores de fruto. Aqui o destaque são as laranjeiras, que também ajudam no fornecimento de alimentos aos centros penitenciários do Niassa.
Foto: DW/M. David
Consumo vs. economia
As cadeias provinciais de Lichinga, Marrupa, Cuamba, Mecanhelas e Mandimba deixaram de comprar milho e feijão manteiga para o consumo dos reclusos. Agora consomem a comida produzida pelos detidos do centro de Mapudjé, no distrito de Sanga. Os Serviços Penitenciários do Niassa poupam mensalmente aos cofres do Estado cerca de 2,5 milhões de meticais (quase 35 mil euros).
Foto: DW/M. David
Produção farta
A produção agrícola do centro de Mapudjé é tão farta que a safra passada de feijão manteiga conseguiu alimentar até fevereiro deste ano os reclusos daquelas cinco cadeias provinciais. Quem o diz é o diretor da cadeia de Mapudjé, Jorge Santina. E ele garante que o milho continuará a ser consumido até à próxima colheita.
Foto: DW/M. David
"Experiência será replicada"
De visita ao centro aberto de Mapudjé, o diretor do FDA, Eusébio Tumuitikile, ficou satisfeito com os resultados da mecanização do processo de produção agrícola naquela unidade, que visa acabar com o défice alimentar no país. Por isso, Tumutikile disse que a experiência da autossuficiência alimentar da cadeia aberta de Mapudje será replicada noutros centros prisionais do país.