Que "batatas quentes" tem Angola na presidência da CPLP?
Manuel Luamba
28 de julho de 2021
No seu mandato à frente da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Angola tem pela frente vários desafios, desde a implementação da complicada livre circulação à abolição da pena de morte na Guiné Equatorial.
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Um dos maiores desafios da presidência de Angola na CPLP é, seguramente, a implementação da complexa livre circulação, dizem especialistas angolanos ouvidos pela DW África. Nkikinamo Tussamba, perito angolano em questões internacionais, explica que a sua efetivação dependerá apenas do cumprimento dos acordos. "É isso que todos os cidadãos [da CPLP] estão à espera, que estes acordos celebrados saiam do papel para a sua materialização", diz.
Mas há alguns entraves. Entre eles, está a não abolição, até ao momento, da pena de morte na Guiné Equatorial. Para Nkikinamo Tussamba, o principal obstáculo é o posicionamento dos Estados membros da CPLP em organizações continentais e regionais, como União Europeia (UE), Mercosul, União Africana (UA), Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Mobilidade é "crucial", defende presidente da CPLP
07:17
Segundo o especialista, neste momento, Portugal constitui a principal preocupação, porque "fazendo parte da zona Euro, estaria aqui, sim, a beneficiar-se do posicionamento dos países com quem faz parte na CPLP, mas em parte, terá que analisar com muita atenção, aquilo que pode vir a perder no espaço da Zona Euro". E isso "pode constituir um elemento de entrave na efetivação destes acordos", observa.
E quais são as soluções? Nkikinamo Tussamba entende que, para além de se debater exaustivamente o posicionamento de Portugal, é também necessário colocar os cidadãos da CPLP no centro da organização para efetivação dos acordos. "Mudar de paradigma e olhar para CPLP como sendo uma organização, que pode beneficiar ou que deve beneficiar as massas, deve beneficiar os cidadãos e não apenas uma classe de elite. E a presidência de Angola precisa de ter um posicionamento forte, uma estratégia que poderá influenciar a Guiné Equatorial a abolir a pena de morte", defende.
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O desafio da abolição da pena de morte
A abolição da pena de morte na Guiné Equatorial é descrita por observadores como o segundo grande desafio da presidência angolana na CPLP - um tema fraturante na comunidade.
Mas João Kakapa André, também especialista em relações internacionais, diz que Angola "tem capacidade para influenciar" aquele país a atingir esse objetivo, a julgar pelas suas "relações estáveis".
"O Presidente deste país já espoletou todos os mecanismos para poder abolir a pena de morte faltando simplesmente o Parlamento fazer a sua aprovação. E será um ganho muito grande, já que esse é o tema que causa baila desde a presidência cessante cabo-verdiana", afirma.
A tensão entre o Reino Unido e Guiné Equatorial resultante das sanções impostas ao vice-Presidente Teodoro Obiang Mangue por corrupção também deve ser observada pela organização, acrescenta o especialista.
Teodorin Obiang, como é conhecido, foi esta quarta-feira (28.07) condenado definitivamente pelo Tribunal de Cassação de Paris, em França, a uma pena suspensa de três anos de prisão e ao pagamento de uma multa de 30 milhões de euros, por branqueamento de capitais obtidos por vias corruptas na Guiné Equatorial.
Atenção a Cabo Delgado e Guiné-Bissau
Acompanhada também deve ser a atual situação em Cabo Delgado, no norte de Moçambique.
João Kakapa André diz igualmente que a presidência de Angola deve ainda prestar atenção à situação política da Guiné-Bissau onde o líder do PAIGC, Simões Pereira, sofre acusações.
"Se for perseguição política, a CPLP e Angola, enquanto presidente, deve aplicar sanções tanto ao Governo quanto ao Presidente deste Estado. O Governo devia atender as reclamações do povo, tentar baixar a tensão que se vive ao invés de tentar agudizá-la com esta acusação que sofre Simões Pereira", argumenta.
E quanto tempo mais levará para que o acordo de mobilidade saia do papel e outros desafios da presidência angolana na CPLP sejam superados? "Se acontecer, por exemplo, na vigência do Presidente João Lourenço, seria uma mais-valia para o posicionamento de Angola e o papel que o país vai exercendo nas organizações nos últimos anos. Claramente que ainda vai levar um tempo para efetivação deste acordo celebrado", responde Nkikinamo Tussamba.
Os chefes de Estado há mais tempo no poder
São presidentes, príncipes, reis ou sultões, de África, da Ásia ou da Europa. Estes são os dez chefes de Estado há mais tempo no poder.
Foto: Jack Taylor/Getty Images
Do golpe de Estado até hoje - Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo assumiu a Presidência da Guiné Equatorial em 1979, ainda antes de José Eduardo dos Santos. Teodoro Obiang Nguema derrubou o seu tio do poder: Francisco Macías Nguema foi executado em setembro de 1979. A Guiné Equatorial é um dos países mais ricos de África devido às receitas do petróleo e do gás, mas a maioria dos cidadãos não beneficia dessa riqueza.
Foto: DW/R. Graça
O Presidente que adora luxo - Paul Biya
Paul Biya é chefe de Estado dos Camarões desde novembro de 1982. Muitos dos camaroneses que falam inglês sentem-se excluídos pelo francófono Biya. E o Presidente também tem sido alvo de críticas pelas despesas que faz. Durante as férias, terá pago alegadamente 25 mil euros por dia pelo aluguer de uma vivenda. Na foto, está acompanhado da mulher Chantal Biya.
Foto: Reuters
Mudou a Constituição para viabilizar a reeleição - Yoweri Museveni
Yoweri Museveni já foi confirmado seis vezes como Presidente do Uganda. Para poder concorrer às eleições de 2021, Museveni mudou a Constituição e retirou o limite de idade de 75 anos. Venceu o pleito com 58,6% dos votos, reafirmando-se como um dos líderes autoritários mais antigos do mundo. O candidato da oposição, Bobi Wine, alegou fraude generalizada na votação e rejeitou os resultados oficiais.
Foto: Getty Images/AFP/I. Kasamani
"O Leão de Eswatini" - Mswati III
Mswati III é o último governante absolutista de África. Desde 1986, dirige o reino de Eswatini, a antiga Suazilândia. Acredita-se que tem 210 irmãos; o seu pai Sobhuza II teve 70 mulheres. A tradição da poligamia continua no seu reinado: até 2020, Mswati III teve 15 esposas. O seu estilo de vida luxuoso causou protestos no país, mas a polícia costuma reprimir as manifestações no reino.
Foto: Getty Images/AFP/J. Jackson
O sultão acima de tudo - Haji Hassanal Bolkiah
Há quase cinco décadas que o sultão Haji Hassanal Bolkiah é chefe de Estado e Governo e ministro dos Negócios Estrangeiros, do Comércio, das Finanças e da Defesa do Brunei. Há mais de 600 anos que a política do país é dirigida por sultões. Hassanal Bolkiah, de 74 anos, é um dos últimos manarcas absolutos no mundo.
Foto: Imago/Xinhua/J. Wong
Monarca bilionário - Hans-Adam II
Desde 1989, Hans-Adam II (esq.) é chefe de Estado do Liechtenstein, um pequeno principado situado entre a Áustria e a Suiça. Em 2004, nomeou o filho Aloísio (dir.) como seu representante, embora continue a chefiar o país. Hans-Adam II é dono do grupo bancário LGT. Com uma fortuna pessoal estimada em mais de 3 mil milhões de euros é considerado o soberano europeu mais rico.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Nieboer
De pastor a parceiro do Ocidente - Idriss Déby
Idriss Déby (à esq.) foi Presidente do Chade de 1990 a 2021. Filho de pastores, Déby formou-se em França como piloto de combate. Apesar do seu autoritarismo, Déby foi um parceiro do Ocidente na luta contra o extremismo islâmico (na foto com o Presidente francês Macron). Em abril de 2021, um apenas dia após após a confirmação da sua sexta vitória eleitoral, Déby foi morto num combate com rebeldes.
Foto: Eliot Blondet/abaca/picture alliance
Procurado por genocídio - Omar al-Bashir
Omar al-Bashir foi Presidente do Sudão entre 1993 e 2019. Chegou ao poder em 1989 depois de um golpe de Estado sangrento. O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu em 2009 um mandado de captura contra al-Bashir por alegada implicação em crimes de genocídio e de guerra no Darfur. Em 2019, foi deposto e preso após uma onda de protestos no país.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
O adeus - José Eduardo dos Santos
José Eduardo dos Santos foi, durante 38 anos (de 1979 a 2017), chefe de Estado de Angola. Mas não se recandidatou nas eleições de 2017. Apesar do boom económico durante o seu mandato, grande parte da população continua a viver na pobreza. José Eduardo dos Santos tem sido frequentemente acusado de corrupção e de desvio das receitas da venda do petróleo. A sua família é uma das mais ricas de África.
Foto: picture-alliance/dpa/P.Novais
Fã de si próprio - Robert Mugabe
Robert Mugabe chegou a ser o mais velho chefe de Estado do mundo (com uma idade de 93 anos). O Presidente do Zimbabué esteve quase 30 anos na Presidência. Antes foi o primeiro-ministro. Naquela época, aconteceram vários massacres que vitimaram milhares de pessoas. Também foi criticado por alegada corrupção. Após um levantamento militar, renunciou à Presidência em 2017. Morreu dois anos mais tarde.