É uma discussão complexa. Mas já há estudiosos que reconhecem que é preciso devolver objetos roubados durante a colonização. Já os políticos preferem não encarar a polémica. Está na hora de assumir responsabilidades.
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No debate que decorreu no Instituto Alemão de Lisboa, as questões que o legado colonial colocam à Europa, nomeadamente a Portugal e à Alemanha, suscitaram muito interesse e ajudaram a reconfirmar que se trata de um tema ainda pouco consensual junto do grande público.
Mais complexa ainda é a problemática da restituição de artefactos roubados de África, durante o período da colonização, muitos dos quais fazem parte dos acervos dos museus etnológicos europeus.
Para o investigador alemão, Andreas Eckert, esta é uma questão complexa. Entre os políticos há relativamente pouco interesse em abordar o tema de forma sistemática e encará-lo de frente.
O académico, especialista em questões de colonialismo, sustenta que, na Alemanha, a devolução dos bens culturais às antigas colónias era um assunto colocado debaixo do tapete, sempre que os africanos manifestavam pretensão de recuperar tais bens.
Os europeus, disse, tinham pânico que os respetivos museus ficassem vazios, Andreas Eckert defende a devolução das peças, e os museus, por seu lado, terão de provar que adquiriram os bens de forma legal.
Quando a Europa irá restituir artefactos roubados à África?
Não se pode fugir ao assunto
Na leitura de António Sousa Ribeiro, da Universidade de Coimbra, há um consenso que se vai construindo à volta destas questões e que não existia antes: "Digamos até certo ponto, os diretores de museus recusavam-se sequer a discutir a questão da restituição. Hoje, e sobretudo agora, depois deste relatório apresentado a Macron [sobre a presença francesa em África], é evidente que se trata de uma questão com a qual temos que nos confrontar e que os diretamente envolvidos têm que se confrontar. Isso já é um ganho muito apreciável."
"É uma questão que passou de um estatuto de não ser discutível, não ser sequer pensável, recusada liminarmente e agora está à vista que não pode ser recusada. Tem que ser discutida", salienta Ribeiro.
O académico português admite que Portugal e Alemanha podem trabalhar juntos nesta matéria. "São países com diferentes percursos mas são ambos com museus recheados de coleções de objetos de origem colonial", referiu, reconhecendo que se trata de "um processo complexo, que deve ser avaliado caso a caso" face às reivindicações dos países vítimas do colonialismo europeu.
Responsabilização é uma utopia?
Para Sheila Khan, investigadora na Universidade do Minho, de origem moçambicana, "não vale a pena ignorar estes aspetos dos legados coloniais". Na sua opinião, considerando o contexto histórico, a questão da responsabilidade é fundamental.
"Agora, é preciso perceber quem são as pessoas que vão estar com vontade de pensar e de ponderar essas responsabilidades em primeiro lugar e se essas pessoas estão preparadas, crítica e abertamente, para aguentar com as responsabilidades, porque são muitas", questiona a investigadora.
A propósito das atrocidades cometidas durante o período colonial, a DW África questionou Andreia Eckert se, nesta altura, faz sentido responsabilizar países como Portugal e a Alemanha pelos prejuízos causados aos países africanos, sendo para isso necessário reparar os crimes cometidos. Não será isto uma utopia?
Convicto, o historiador alemão respondeu: "Não, não é uma utopia falarmos sobre isto. É bom falarmos sobre esta temática agora nos dias que correm. Não é de todo uma infâmia o que aconteceu e também não estamos a falar aqui de culpa ou a apontar dedos, mas sim de uma responsabilidade para os povos que o cometeram – neste contexto, a Alemanha e Portugal. E também de reconhecermos os crimes que foram cometidos para com as populações de então e as suas etnias. Também não é útil colocarmos esta discussão à margem do debate atual a nível público."
Portugal reconhece injustiças da colonização
E esta quinta-feira (22.11.), o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, referiu que a História política, económica e social portuguesa é feita de virtudes e defeitos.
"Também reconhecemos tudo aquilo que houve, olhando retrospetivamente, de menos positivo ou errado na nossa História. Ou de injusto para outros na nossa História. Perseguições religiosas, perseguições sociais, a escravatura, outras formas de dominação ou de exploração. E assumindo plena responsabilidade por isso. Já o assumi várias vezes não ficando apenas no mais fácil que é pedir desculpas sem assumir responsabilidade.", assume o Presidente português.
O debate com a partipação de Andreas Eckert e António Sousa Ribeiro é uma iniciativa conjunta da Embaixada da Alemanha e do Goethe Institut de Lisboa, que propuseram ao público um painel de discussão para identificar os desafios enfrentados pelas ex-potências europeias no processo de revisão do legado colonial, tomando Portugal e a Alemanha como exemplo.
De fortalezas a cinemas: o património colonial português em África
A colonização portuguesa nos países africanos deixou edificações históricas, que vão desde fortificações militares, igrejas, estações de comboio, até cinemas. Boa parte deste património ainda resiste.
Foto: DW/J.Beck
Calçada portuguesa
Na Ilha de Moçambique, antiga capital moçambicana, na província de Nampula, a calçada portuguesa estende-se à beira mar. A herança colonial que Portugal deixou aqui é imensa e está presente num conjunto de edificações históricas, entre fortalezas, palácios, igrejas e casas. Em 1991, este conjunto foi reconhecido como Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de São Sebastião
A Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique, começou a ser erguida pelos portugueses em 1554. O motivo: a localização estratégica para os navegadores. Ao fundo, vê-se a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, de 1522, que é considerada a mais antiga estrutura colonial sobrevivente no sul de África.
Foto: DW/J.Beck
Hospital de Moçambique
O Hospital de Moçambique, na Ilha de Moçambique, data de 1877. O edifício de estilo neoclássico foi durante muito tempo a maior estrutura hospitalar da África Austral. Atualmente, compõe o património de construções históricas da antiga capital moçambicana.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de Maputo
A Fortaleza de Maputo situa-se na baixa da capital moçambicana e é um dos principais monumentos históricos da colonização portuguesa no país. O espaço foi ocupado no início do século XVIII, mas a atual edificação data do século XX.
Foto: DW/J.Beck
Estação Central de Maputo
Desde a construção da Estação Central dos Caminhos-de-Ferro (foto) na capital moçambicana, no início do século XX, o ato de apanhar um comboio ganhou um certo charme. O edifício, que pode ser comparado a algumas estações da Europa, ostenta a uma fachada de estilo francês. O projeto foi do engenheiro militar português Alfredo Augusto Lisboa de Lima.
Foto: picture-alliance / dpa
Administração colonial portuguesa em Sofala
Na cidade de Inhaminga, na província de Sofala, centro de Moçambique, a arquitetura colonial portuguesa está em ruínas. O antigo edifício da administração colonial, com traços neoclássicos, foi tomado pela vegetação e dominado pelo desgaste do tempo.
Foto: Gerald Henzinger
"O orgulho de África"
Em Moçambique, outro de património colonial moderno: o Grande Hotel da Beira, que foi inaugurado em 1954 como uma das acomodações mais luxuosas do país. O empreedimento português era intitulado o "orgulho de África". Após a independência, em 1975, o hotel passou a ser refúgio para pessoas pobres. Desde então, o hotel nunca mais abriu para o turismo.
Foto: Oliver Ramme
Cidade Velha e Fortaleza Real de São Filipe
Em Cabo Verde, os vestígios da colonização portuguesa espalham-se pela Cidade Velha, na Ilha de Santiago. Entre estas construções está a Fortaleza Real de São Filipe. A fortificação data do século XVI, período em que os portugueses queriam desenvolver o tráfico de escravos. Devido à sua importância histórica, a Cidade Velha e o seu conjunto foram consagrados em 2009 Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J. Beck
Património religioso
No complexo da Cidade Velha está a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, conhecida por ser um dos patrimónios arquitetónicos mais antigos de Cabo Verde, com mais de 500 anos. Assim como em Cabo Verde, o período colonial português deixou outros edifícios ligados à Igreja Católica em praticamente todos os PALOP.
Foto: DW/J. Beck
Palácio da Presidência
Na cidade da Praia, em Cabo Verde, a residência presidencial é uma herança do período colonial português no país. Construído no século XIX, o palácio abrigou o governador da colónia até a independência cabo-verdiana, em 1975.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Casa Grande
Em São Tomé e Príncipe, é impossível não reconhecer os traços da colonização portuguesa nas roças. Estas estruturas agrícolas concentram a maioria das edificações históricas do país. A imagem mostra a Casa Grande, local onde vivia o patrão da Roça Uba Budo, no distrito de Cantagalo, a leste de São Tomé. As roças são-tomenses foram a base económica do país até a indepência em 1975.
Foto: DW/R. Graça
Palácio reconstruído em Bissau
Assim como em Cabo Verde, na Guiné-Bissau o palácio presidencial também remonta o período em que o país esteve sob o domínio de Portugal. Com arquitetura menos rebuscada, o palácio presidencial em Bissau foi parcialmente destruído entre 1998 e 1999, mas foi reconstruído num estilo mais moderno em 2013 (foto de 2012). O edifício, no centro da capital guineense, destaca-se pela sua imponência.
Foto: DW/Ferro de Gouveia
Teatro Elinga
O Teatro Elinga, no centro de Luanda, é um dos mais importantes edifícios históricos da capital angolana. O prédio de dois andares da era colonial portuguesa (século XIX) sobreviveu ao "boom" da construção civil das últimas décadas. Em 2012, no entanto, foram anunciados planos para demolir o teatro. Como resultado, houve fortes protestos exigindo que o centro cultural fosse preservado.
Foto: DW
Arquitetura colonial moderna
O período colonial também deixou traços arquitetónicos modernos em alguns países. Em Angola, muitos cinemas foram erguidos nos anos 40 com a influência do regime ditatorial português, o chamado Estado Novo. Na foto, o Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes), um dos mais antigos do país, é um exemplo. Foi o primeiro edifício de arquitetura "art déco" na cidade de Namibe.