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Cultura

Quando a Europa irá restituir artefactos roubados à África?

23 de novembro de 2018

É uma discussão complexa. Mas já há estudiosos que reconhecem que é preciso devolver objetos roubados durante a colonização. Já os políticos preferem não encarar a polémica. Está na hora de assumir responsabilidades.

BG Afrikanische Raubkunst | 'Tyiwara' von Ségou
Foto ilustrativaFoto: picture-alliance/akg-images

No debate que decorreu no Instituto Alemão de Lisboa, as questões que o legado colonial colocam à Europa, nomeadamente a Portugal e à Alemanha, suscitaram muito interesse e ajudaram a reconfirmar que se trata de um tema ainda pouco consensual junto do grande público.

Mais complexa ainda é a problemática da restituição de artefactos roubados de África, durante o período da colonização, muitos dos quais fazem parte dos acervos dos museus etnológicos europeus.

Para o investigador alemão, Andreas Eckert, esta é uma questão complexa. Entre os políticos há relativamente pouco interesse em abordar o tema de forma sistemática e encará-lo de frente.

O académico, especialista em questões de colonialismo, sustenta que, na Alemanha, a devolução dos bens culturais às antigas colónias era um assunto colocado debaixo do tapete, sempre que os africanos manifestavam pretensão de recuperar tais bens.

Os europeus, disse, tinham pânico que os respetivos museus ficassem vazios, Andreas Eckert defende a devolução das peças, e os museus, por seu lado, terão de provar que adquiriram os bens de forma legal.

Quando a Europa irá restituir artefactos roubados à África?

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Não se pode fugir ao assunto

Na leitura de António Sousa Ribeiro, da Universidade de Coimbra, há um consenso que se vai construindo à volta destas questões e que não existia antes: "Digamos até certo ponto, os diretores de museus recusavam-se sequer a discutir a questão da restituição. Hoje, e sobretudo agora, depois deste relatório apresentado a Macron [sobre a presença francesa em África], é evidente que se trata de uma questão com a qual temos que nos confrontar e que os diretamente envolvidos têm que se confrontar. Isso já é um ganho muito apreciável."

"É uma questão que passou de um estatuto de não ser discutível, não ser sequer pensável, recusada liminarmente e agora está à vista que não pode ser recusada. Tem que ser discutida", salienta Ribeiro.

O académico português admite que Portugal e Alemanha podem trabalhar juntos nesta matéria. "São países com diferentes percursos mas são ambos com museus recheados de coleções de objetos de origem colonial", referiu, reconhecendo que se trata de "um processo complexo, que deve ser avaliado caso a caso" face às reivindicações dos países vítimas do colonialismo europeu.

Responsabilização é uma utopia?

António Ribeiro, historiador portuguêsFoto: DW/J. Carlos

Para Sheila Khan, investigadora na Universidade do Minho, de origem moçambicana, "não vale a pena ignorar estes aspetos dos legados coloniais". Na sua opinião, considerando o contexto histórico, a questão da responsabilidade é fundamental.

"Agora, é preciso perceber quem são as pessoas que vão estar com vontade de pensar e de ponderar essas responsabilidades em primeiro lugar e se essas pessoas estão preparadas, crítica e abertamente, para aguentar com as responsabilidades, porque são muitas", questiona a investigadora.

A propósito das atrocidades cometidas durante o período colonial, a DW África questionou Andreia Eckert se, nesta altura, faz sentido responsabilizar países como Portugal e a Alemanha pelos prejuízos causados aos países africanos, sendo para isso necessário reparar os crimes cometidos. Não será isto uma utopia?

Convicto, o historiador alemão respondeu: "Não, não é uma utopia falarmos sobre isto. É bom falarmos sobre esta temática agora nos dias que correm. Não é de todo uma infâmia o que aconteceu e também não estamos a falar aqui de culpa ou a apontar dedos, mas sim de uma responsabilidade para os povos que o cometeram – neste contexto, a Alemanha e Portugal. E também de reconhecermos os crimes que foram cometidos para com as populações de então e as suas etnias. Também não é útil colocarmos esta discussão à margem do debate atual a nível público."

Portugal reconhece injustiças da colonização

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente de PortugalFoto: Getty Images/AFP/P. de Melo Moreira

E esta quinta-feira (22.11.), o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, referiu que a História política, económica e social portuguesa é feita de virtudes e defeitos.

"Também reconhecemos tudo aquilo que houve, olhando retrospetivamente, de menos positivo ou errado na nossa História. Ou de injusto para outros na nossa História. Perseguições religiosas, perseguições sociais, a escravatura, outras formas de dominação ou de exploração. E assumindo plena responsabilidade por isso. Já o assumi várias vezes não ficando apenas no mais fácil que é pedir desculpas sem assumir responsabilidade.", assume o Presidente português.

O debate com a partipação de Andreas Eckert e António Sousa Ribeiro é uma iniciativa conjunta da Embaixada da Alemanha e do Goethe Institut de Lisboa, que propuseram ao público um painel de discussão para identificar os desafios enfrentados pelas ex-potências europeias no processo de revisão do legado colonial, tomando Portugal e a Alemanha como exemplo.

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