"Ruth", realizado por António Pinhão Botelho, estreia esta quinta-feira (03.05) nos cinemas portugueses. Uma crítica ao regime fascista em torno da disputa entre Benfica e Sporting na chegada do jogador a Lisboa.
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Antes de ser Pantera Negra, Eusébio era Ruth. Foi este o nome de código atribuído a Eusébio da Silva Ferreira aquando da sua chegada a Lisboa devido à disputa entre o Sporting Clube de Portugal e o Sport Lisboa e Benfica, dois dos mais destacados clubes do futebol português, em torno do jogador.
O pseudónimo dá também o nome à produção da Leopardo Filmes que chega esta quinta-feira às salas de cinema em Portugal.
"Ruth", uma crítica social ao regime fascista de Salazar, mostra o outro lado das histórias à volta da vida de um adolescente ingénuo vindo de Moçambique, na altura colónia portuguesa, que chega à Metrópole europeia para tentar realizar o seu sonho de ser jogador de futebol, nos anos 1960.
Quando Eusébio era Ruth
O rapto de Ruth
O filme começa com Eusébio (Igor Regalla), ainda com oito anos de idade, a ouvir um relato de futebol com o seu pai, angolano branco, Laurindo António da Silva Ferreira (Paulo Furtado).
"Um pai ausente põe-no a ouvir o relato de uma vitória do Benfica na Taça Latina, onde o Eusébio ouve o golo do seu ídolo, Rogério Pipi, que foi um grande avançado do Benfica", conta o realizador António Pinhão Botelho.
Há um salto no tempo e o filme transporta-nos para a vinda de Eusébio para Portugal, narrando todo o processo e acontecimentos rocambolescos nos bastidores do futebol entre o Benfica e o Sporting, até o jogador conseguir pisar os relvados.
À sua chegada a Lisboa, Eusébio da Silva Ferreira usa "Ruth" como nome de código. O rapaz vindo de Mafalala, bairro onde nasceu em Moçambique, já era disputado por aqueles dois clubes.
É este o centro de toda a história contada por António Pinhão Botelho. "O Eusébio chega a Lisboa com um nome falso, porque pertencia ao Sporting Clube de Lourenço Marques, a filial de Moçambique do Sporting Clube de Portugal - que foi campeão distrital lá. E dois talhantes benfiquistas avisaram o Benfica que havia ali uma pérola do Índico, uma jóia em bruto prestes a ser colhida. Então, o Benfica com a ajuda de um general do exército vão em missão raptar o Eusébio ao Sporting Clube de Lourenço Marques", explica o realizador.
Pelo meio há também a mão de um outro benfiquista, um funcionário dos Correios que mandou telegramas falsos para o Sporting Clube de Portugal e para o presidente do Benfica.
"Como a PIDE [polícia política portuguesa] e o regime fascista verificavam todas as listas de passageiros que aterravam em Lisboa, Eusébio não podia, de todo, [usar o ] seu nome, porque o Sporting e todas as entidades saberiam", explica Pinhão Botelho.
"Este nome falso foi uma maneira de as pessoas não estarem à espera, porque o Sporting só esperava que ele chegasse a Lisboa 15 dias depois".
O ópio do povo
A história, pensada há cerca de quatro anos, surge por encomenda de um produtor/guionista que durante dois anos fez investigação para escrever o argumento. Segundo António Botelho, é um filme que fala muito pouco sobre o futebol e os momentos de glória do "Pantera Negra".
"É mais um retrato político, social e de costumes da época, porque apanhamos esta história do ópio do povo, do futebol ser uma espécie de escape, quer em Moçambique quer em Portugal, ao regime regime fascista e ao colonialismo, em que as pessoas ficavam focadas no futebol e nas picardias entre o Benfica, o Sporting e o Porto", afirma.
O realizador português pretendia fazer um filme que não falasse só sobre a figura de Eusébio, mas que tratasse de mostrar as facetas do antigo jogador de futebol que ninguém conhece: "O nosso filme retrata o Eusébio até onde nós não o conhecemos. Ou seja, o nosso filme acaba onde a lenda começa".
Eusébio: O primeiro rei africano do futebol
O moçambicano Eusébio da Silva Ferreira, também conhecido por Eusébio, foi o primeiro africano a tornar-se uma estrela de futebol em todo o mundo. A passagem pelo Benfica e pela seleção portuguesa fizeram dele uma lenda.
Foto: F.Leon/AFP/GettyImages
Homenagem tardia para o craque
O moçambicano Eusébio é considerado a primeira super-estrela africana do futebol. Graças aos seus inúmeros golos, o Benfica de Lisboa venceu os maiores sucessos da história do clube. Da mesma sorte beneficiou a seleção nacional portuguesa, que com Eusébio viveu nos anos 60 do século passado o primeiro auge. Ainda assim, demorou para que o trabalho do jogador fosse reconhecido em Portugal.
Foto: picture-alliance/Pressefoto UL
Eusébio, o Pelé africano
Eusébio é considerado um dos três melhores jogadores de futebol do século passado, juntamente com o brasileiro Pelé (à esquerda) e com o alemão Franz Beckenbauer. Nasceu numa família pobre, em 1942, e cresceu em Maputo, quando a cidade ainda se chamava Lourenço Marques, sob o domínio colonial português. Aos 17 anos começou a jogar no Sporting de Lourenço Marques.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Benfica, o clube do coração
Quando se mudou para Portugal em 1960, Eusébio não começou a jogar, tal como se esperava, pelo Sporting de Lisboa, o clube-mãe do Sporting de Lourenço Marques. Eusébio integrou, precisamente, a equipa rival, o Sport Lisboa e Benfica. A operação da contratação foi mantida em segredo. Anos depois do fim da sua carreira enquanto jogador, Eusébio continuou ativo como conselheiro do clube.
Foto: picture-alliance/dpa
No topo da Europa
Eusébio colocou o Benfica no topo do futebol europeu. A equipa chegou várias vezes à final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, o precursor da Liga dos Campeões. Em 1962, o Benfica de Eusébio chegou mesmo a vencer o troféu. Porém, na final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, em 1968, no Estádio de Wembley (foto), o Benfica perdeu frente ao Manchester United por 1:4, já no prolongamento.
Foto: picture-alliance/dpa
Mundial de 1966: O maior sucesso português
Pode dizer-se que foi graças a Eusébio que Portugal chegou em 1966 ao terceiro lugar do Campeonato Mundial de Futebol, o melhor resultado de sempre da seleção das quinas na competição. Esta foi também a primeira participação de Portugal no Mundial. O país falhou a final, ao perder nas meias-finais - na foto - por 2:1 contra a Inglaterra, a 26 de julho de 1966, no Estádio de Wembley, em Londres.
Foto: picture-alliance/dpa
Brasil e Pelé no chão
No Mundial de 1966: O brasileiro Pelé está ferido no chão e Eusébio procura reconfortá-lo. Neste jogo, Portugal venceu o Brasil por 3:1, com dois golos de Eusébio, afastando a equipa sul-americana na fase de grupos. A partida, disputada no estádio Goodison Park, em Liverpool, levou Portugal a sair das eliminatórias como primeiro do grupo. Com nove golos, Eusébio foi o melhor jogador do campeonato.
Foto: picture-alliance/dpa
Quatro golos decisivos contra a Coreia do Norte
Eusébio tornou-se uma lenda viva em 1966. A 23 de julho, Portugal jogava contra a Coreia do Norte e perdia por 3:0. Mas quatro golos do "Pantera Negra", como também ficou conhecido, inverteram o sentido do jogo. Portugal derrotou a equipa asiática por 5:3 e apurou-se para a semifinal. Na foto, Eusébio bate o guarda-redes norte-coreano Lee Chang-myung.
Foto: picture-alliance/dpa
Lesões
Na foto, durante o jogo contra a Hungria, a 13 de julho de 1966, em Manchester, Eusébio é atingido na cabeça. Porém, Portugal acabou por ganhar por 3:1. Ao longo da carreira, Eusébio sofreu vários problemas, especialmente depois de deixar o Benfica, em 1975, e jogou para clubes mais pequenos em Portugal e, mais tarde, no Canadá, Estados Unidos e México. Muitas vezes, estava fora de forma.
Foto: picture-alliance / United Archives/TopFoto
Bota de Ouro
Eusébio (esquerda) recebe a "Bota de Ouro", a 16 de setembro de 1968, como melhor jogador da Europa. O húngaro Antal Dunai recebeu a de prata. No total, Eusébio marcou 1137 golos durante a sua carreira profissional. A sua reputação é conotada, provavelmente, com menos elegância do que a de Pelé ou Beckenbauer, mas Eusébio é hoje considerado o melhor jogador de Portugal de todos os tempos.
Foto: picture-alliance/dpa
Embaixador de Portugal
Eusébio com o ex-técnico da seleção alemã, Jürgen Klinsmann, no Campeonato da Europa de 2004, em Portugal. Depois da carreira de jogador, Eusébio trabalhou quase sempre ao serviço do futebol português. O antigo jogador acompanhava a equipa portuguesa como assistente técnico. Apesar da fama generalizada, os companheiros descrevem-no como uma pessoa humilde e com os pés no chão.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Despedida no Estádio da Luz
A poucos dias de completar 72 anos, Eusébio morreu de madrugada, a 5 de janeiro de 2014, vítima de insuficiência cardíaca. A estátua de bronze que eterniza o antigo jogador à porta do Estádio da Luz, em Lisboa, e que foi descerrada há quase 22 anos, é o palco privilegiado de todas as homenagens ao avançado que inscreveu o seu nome na lista dos melhores futebolistas de sempre.