Diálogos de paz devem deixar de ser reféns do poder?
9 de outubro de 2025
Moçambique segue em polvorosa com o modelo de diálogo político nascido da crise pós-eleitoral. Nunca uma iniciativa de paz e de consolidação democrática foi tão rechaçada. O mais caricato é ter um dos intervenientes como o organizador de processos que se querem imparciais, sem que nenhum dos envolvidos questione. Quando é que as iniciativas de paz e de consensos vão deixar de acontecer sob os auspícios do Governo moçambicano ou deixar de ficar reféns de forças políticas? Não passou a hora de se atribuir neutralidade a iniciativas de paz e reconciliação?
Em entrevista à DW, Tomás Vieira Mário, jornalista e jurista, diz que, "num contexto como o nosso, que é um diálogo que tem como origem o conflito pós-eleitoral, era de todo desejável que o processo de auscultação para uma nova visão da Nação fosse orientado de forma independente do Governo, porque o Governo é parte interessada do processo, é do partido que ganhou as eleições num contexto de muita contestação".
Em 30 anos de multipartidarismo, o protagonismo do Governo da FRELIMO foi quase sempre intocável, facto que leva a sociedade a conjeturar que os partidos que deles participam compactuam em nome dos seus interesses próprios e não do Estado e da sua população.
RENAMO pouco aberta a independência
Questionada sobre eventuais "motivações estomacais", o porta-voz da RENAMO, Marcial Macome, responde: "a essa questão não lhe posso dar nenhuma informação, não sei a que é que se refere. Mas pelo que eu saiba, se este diálogo fracassar, é a própria sociedade civil que está metida nisto, está à procura de satisfazer os seus intentos estomacais."
Sobre um estatuto mais imparcial para os diálogos, a agora terceira maior força da oposição prefere escudar-se em raros casos, por sinal pouco exemplares, em que assuntos do Estado foram tratados de forma "pessoalizada", como um assunto de amigos. E a RENAMO mostra ostracismo à ideia de independência.
"A tal neutralidade que se pede, se reparar, teve uma sequência de mediadores nacionais aquando da Gorongosa. Foram pessoas de reconhecido mérito nacional. Agora, quem os define é a sociedade que reconhece o seu mérito. Acho que a neutralidade que se propõe não pode ser imposta. Não é verdade, se reparar as iniciativas foram da oposição", nota Macome.
Contra esta "maré renamista" há mais pensadores. Assuntos nacionais dizem respeito a todos os moçambicanos. É assim que pensa o politólogo Ricardo Raboco, que defende a neutralidade das iniciativas de paz:
"Claramente que sim, não só por causa dos fatores concecionais, mas também não há nada de novo que possa ser discutido agora que não foi discutido. Nós temos registos de tudo quanto se pretende discutir. A olhar para o 'road map', os termos de referência do diálogo nacional já foram há muito discutidos", diz.
Em que moldes seria um diálogo neutro?
Na opinião de Raboco, "ou se fazia simplesmente um levantamento do que foi amplamente discutido desde o AGP [Acordo Geral de Paz] até aos dias de hoje, o que foi discutido, como foi implementado e porque razão não foi implementado e partirmos daí para fazer o que não conseguimos fazer nos últimos 30 anos da nossa democracia partidária."
Nos processos reconciliatórios infalivelmente se incluem líderes religiosos, que nalguns contextos são até considerados enviesados. Mas também são apontados outros setores e processos que podem garantir independência.
Sobre uma hipotética implementação de modelos neutrais, Tomás Vieira Mário sugere que "podia ser mesmo a Universidade Eduardo Mondlane (UEM) ou o IESE - Instituto de Estudos Sociais e Económicos, uma outra instituição ou qualquer outra entidade, mesmo que criada ad hoc sob liderança de figuras independentes e credíveis, podia ser muito mais credível à partida, tendo em conta o contexto que originou o diálogo ora iniciado."
Vieira Mário busca ainda como espelho, a título de exemplo, a Agenda 2025 que aconteceu sob a égide de uma universidade.