Presidente João Lourenço completa, este domingo (26.09), quatro anos no poder em Angola com o incumprimento de várias promessas eleitorais - como a dos 500 mil empregos. Ativistas e cidadãos contestam a governação atual.
Publicidade
Várias vozes ouvidas pela DW África em Luanda apontam mais recuos que a avanços durante os quartos anos do Presidente João Lourenço no poder. As promessas de emprego para juventude ainda estão longe de serem concretizadas. Ao contrário disso, as empresas estão fechar e a colocar mais jovens no desemprego.
Os angolanos afirmam também que as reformas implementadas por João Lourenço pioraram a situação social das famílias, que agora "oram" para a redução dos preços da cesta básica.
Estudar em Angola também está mais caro com a subida constante dos preços das propinas nas instituições de ensino público e privado. Dados do Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA) apontam que a reforma educativa de João Lourenço deixou mais de quatro milhões de angolanos fora do sistema de ensino.
Angola: Marcha contra propinas termina num impasse
01:19
O presidente do MEA, Francisco Teixeira, diz que os materiais didáticos no ensino geral não chegam aos alunos, apesar de serem gratuitos.
"Os quatro anos do Presidente João Lourenço, no setor da Educação, são uma lástima. Deu-nos ideias de que tem uma sensibilidade para educação, mas, infelizmente, está ladeado de indivíduos que querem a todo custo comercializar a educação, tornar o ensino num luxo ao invés de um direito. Nos quatro anos só houve regressões. O número de jovens fora do ensino é pior. O nosso ensino não tem qualidade e o próprio Presidente reconhece isso", diz o líder juvenil.
Publicidade
Novas leis não trouxeram mudanças para os cidadãos
O secretário-geral da Associação Nova Aliança dos Taxistas de Angola (ANATA), Alexandre Barros, afirma que Angola teve como ganhos as novas leis aprovadas na Assembleia Nacional – como, por exemplo, a Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens. Mas o taxista angolano questiona: "Será que esta recuperação de ativos já surtiu efeitos na vida do cidadão?"
"Penso que há muito ainda a ser feito. Falo das leis em que estou inserido, estamos há 11 anos na luta pela profissionalização, e o Presidente João Lourenço consumiu quatro anos dessa nossa luta. Se não se efetivou [a profissionalização dos taxistas] agora, é óbvio que a classe que representamos não vê mudanças", reclama Alexandre Barros.
João Lourenço fala à DW sobre Isabel dos Santos
04:27
This browser does not support the video element.
"Democracia camuflada"
O advogado Zola Bambi fala em "democracia camuflada" no mandato de João Lourenço. Segundo Bambi, "durante o consulado de João Lourenço nenhum partido foi legalizado" e "isto é alarmante".
"Os direitos humanos são violados de uma forma maquilhada, pior que no consulado passado, porque se assumia o comportamento das forças de segurança como tal. Vive-se uma pseudodemocracia. As promessas apontavam que se faria o melhor, mas as prisões arbitrárias continuam", afirma o advogado.
Por seu turno, o líder da Juventude Unida e Revolucionária de Angola (JURA), braço juvenil da União para a Independência Total de Angola (UNITA), Agostinho Kamuango, afirma que João Lourenço só será reeleito no Congresso do MPLA em dezembro deste ano. Nas eleições gerais de 2022 vai ser eleito para a oposição, afirma Kamuango à DW.
"Hoje a sociedade despertou e percebeu que enquanto o MPLA continuar no poder o sofrimento do povo vai continuar. Na minha maneira de ver, João Lourenço deve começar a negociar o seu lugar na oposição. João Lourenço e o MPLA. Penso que seriam inteligentes se começassem a pensar neste sentido ao invés de alimentarem a esperança de uma provável vitória. Não me vejo mais cinco com o MPLA no poder", avalia o líder juvenil.
"É chocante a disparidade", diz João Lourenço na ONU
00:33
This browser does not support the video element.
MPLA celebra governação de JLo
Entretanto, para o segundo secretário provincial do MPLA no Zaire, Hortêncio Nunes Gabriel, a governação do Presidente da República melhorou a liberdade de imprensa em Angola e conquistou apoio de investidores internacionais.
"Como angolanos, temos vistos as mudanças que o país conhece nestes quatro anos de governação do Presidente João Lourenço", defende.
"Primeiro é o combate à corrupção e o nepotismo", argumenta Nunes Gabriel, que acredita que "este combate tem surtido efeitos". "Com isso, a comunidade internacional tem apoiado essa prática positiva do camarada presidente João Lourenço. Também há mais liberdade de imprensa como temos constatado", conclui o político do partido no poder liderado pelo chefe de Estado angolano.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.