"O Campo da Morte" denuncia assassinatos de jovens angolanos
António Rocha
30 de novembro de 2017
Adiada a publicação do relatório "O Campo da Morte" para que as novas autoridades angolanas tomem contacto direto com o documento.
Publicidade
O mais recente trabalho de investigação do jornalista e ativista Rafael Marques intitulado "O Campo da Morte", que deveria ter sido publicado na quarta-feira (29.11.), só será divulgado daqui a cinco dias, em resposta a um pedido de adiamento para que as novas autoridades de Angola possam ter contacto direto com o documento, disse em entrevista à DW África Rafael Marques.
"Recebi um pedido para adiar a publicação do relatório para que o documento seja encaminhado a quem de direito para que possa tomar medidas no sentido de aferirem o grau de comprometimento do novo Presidente para com a questão dos direitos humanos. E eu como cidadão engajado nas causas dos direitos humanos e por ser uma pessoa do diálogo, acedi aguardar por cinco dias para que então as novas autoridades tomem contacto direto com o relatório. Mas também devo acrescentar que o ministro do Interior é o mesmo do Governo anterior e portanto já tem os casos. Mas vamos utilizar outras vias para que outras entidades tenham acesso à informação antes de ser divulgado publicamente".
Em resposta à pergunta se este compasso de espera (cinco dias) pode ser interpretado como um teste ao Presidente de Angola, João Lourenço, no que concerne a uma nova postura em relação aos direitos humanos no país, Rafael Marques afirmou que "fiz o meu trabalho como cidadão e espero que o Presidente faça o seu. Agora não vou dar uma opinião se o Presidente vai ou não respeitar os direitos humanos. Vou esperar para ver qual é a reação oficial porque a primeira reação oficial, a do senhor Amaro Neto (diretor provincial do Serviço de Investigação Criminal - SIC), é péssima, porque ele também falou em nome de uma instituição do Estado angolano".O serviço de Investigação Criminal angolano, na verdade já rejeitou o conteúdo do relatório "O campo da Morte". O diretor provincial de Luanda do SIC, Amaro Neto, afirmou à imprensa na passada terça-feira (28.11.) que "os esquadrões da morte, em Angola, nunca existiram". Mas Marques considera muito estranho este pronunciamento. "Os esquadrões da morte existem e são indivíduos que operam sob responsabilidade do SIC e estão a dizimar dezenas de jovens nos municípios de Viana, de Cacuaco...são casos bem documentados e muitos assassinos são bem conhecidos. Por isso mesmo acho muito estranho que o departamento de investigação não tenha tido a preocupação de antes inteirar-se dos casos. O mesmo diretor provincial do SIC disse que iria enviar o caso à Procuradoria-Geral da República. E digo mais, este senhor Amaro Neto será responsabilizado pelo que disse porque é uma prova de que ele está a dar cobertura a esses assassinos".E o investigador e jornalista angolano vai mais longe ao afirmar que "escrevi aos ministros do Interior e da Justiça e dos Direitos Humanos em abril reportando-lhe esses casos, carta essa com cópias ao Procurador-Geral da República, ao Comandante-Geral da polícia nacional e ao presidente da Assembleia Nacional. E aí se vê que ou o diretor do SIC está a mentir ou então o ministro. Repito, todos eles estão informados desde abril. Agora pergunto: porque é que só agora se pronunciam? Porque é que só agora falam da investigação e não quando receberam os casos numa altura que nem sequer havia conversa pública?".
rafael - MP3-Mono
Nesta quinta-feira (30.11.), Rafael Marques, denunciou um novo caso relacionado com as execuções sumárias, no qual a mãe vê quem mata o filho. "Trata-se de um oficial operativo do SIC no Comando de Divisão da polícia nacional no município de Cazenga. Este mesmo assassino foi ao funeral da sua vítima acompanhado por oficiais da polícia porque o pai da vítima é um oficial do Serviço de Emigração e Estrangeiros e não lhe aconteceu absolutamente nada com a proteção da polícia. Que mais provas o SIC quer", conclui Rafael Marques
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.