Sul-africano é acusado de coordenar ataques em Cabo Delgado
Lusa | ms
3 de janeiro de 2019
Andre Hanekom é apontado pelo Ministério Público moçambicano como financiador e coordenador dos ataques em Cabo Delgado. O empresário sul-africano vive há 25 anos em Moçambique e tem uma propriedade em Palma.
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O Ministério Público de Moçambique juntou mais cinco nomes à lista de cerca de 200 pessoas acusadas da autoria dos ataques armados em Cabo Delgado e entre eles está Andre Hanekom. Na acusação, com data de 24 de dezembro, o empresário sul-africano é apontado como "financiador, logístico e coordenador dos ataques", cujo objetivo era "criar instabilidade e impedir a exploração de gás natural na província" de Cabo Delgado, no extremo norte de Moçambique, junto à Tanzânia.
"Os coarguidos e seus comparsas pretendiam pelas suas ações armadas criar instabilidade e impedir a exploração de gás natural em Palma, para posteriormente criarem um Estado independente que anexe distritos da região de Cabo Delgado e a região sul da Tanzânia", refere a acusação.
Segundo o documento, o grupo, composto também por cidadãos tanzanianos, possuía um total de cinco bases militares distribuídas pelo posto administrativo de Mpundanhar, distrito de Palma, e nas aldeias de Lilembo e Muangaza, no distrito de Mocimboa da Praia.
Hanekom é acusado de pagar aos membros do grupo um valor mensal de 10 mil meticais (142 euros), além de providenciar medicamentos, supostamente administrados por um antigo funcionário do Hospital Rural de Mocímboa da Praia.
Sobre o grupo pesam sete acusações: homicídio qualificado, crimes hediondos, posse de armas proibidas, associação criminosa e contra a organização do Estado, instigação ou provocação à desobediência coletiva e perturbação da ordem e seguranças públicas.
As autoridades moçambicanas dizem ter apreendido diversos instrumentos de crime na casa de Andre Hanekom em Palma, entre os quais catanas, frascos de pólvora, arcos e flechas e 12 foguetes.
Esposa nega acusações "totalmente falsas"
"O Andre é 100% inocente de tudo que estão a dizer", disse à Lusa a esposa de Andre Hanekom, Francis Hanekom, que considerou as acusações "totalmente falsas" e disse que o seu marido está preso ilegalmente, desde agosto, numa base militar em Cabo Delgado. Entretanto, foi lançada uma petição a pedir a sua libertação.
"Tudo isto está a acontecer porque há pessoas influentes que querem a propriedade do Andre na praia", escreveu nas redes sociais a esposa do empresário sul-africano.
Francis Hanekom diz que há desinteresse das autoridades sul-africanas em investigar o caso. "Eu já escrevi por várias vezes para a África do Sul e nunca tive uma resposta. Espero que agora isso mude, porque o que estão a fazer é uma injustiça", frisou Francis Hanekom.
Esta semana, a chefe da diplomacia da África do Sul, Lindiwe Sisulu, pediu às autoridades que investiguem as acusações.
200 suspeitos em julgamento
Os nomes avançados formalmente na acusação juntam-se aos cerca de 200 suspeitos que já estão em julgamento, acusados de protagonizarem ataques a aldeias recônditas da província de Cabo Delgado.
No início de dezembro, a organização não-governamental Human Rights Watch denunciou novas suspeitas de execuções sumárias e abusos das autoridades de Moçambique contra os alegados autores de ataques a povoações remotas no norte do país.
A onda de violência começou após um ataque armado a postos de polícia de Mocímboa da Praia, em outubro de 2017. Desde então já houve dezenas de ataques que, de acordo com números oficiais, já custaram a vida a pelo menos 100 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".