Bento dos Santos Kangamba, empresário e político do MPLA, é suspeito de crime de burla por defraudação. Não é o primeiro caso controverso em que está envolvido.
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As polémicas não são novidade para Bento dos Santos Kangamba. Não é a primeira vez que o empresário e político angolano está a contas com a Justiça de Angola. Em poucas palavras, o jornalista Ilídio Manuel carateriza Kangamba como uma "uma figura bastante polémica, controversa e enigmática".
Um dos enigmas é a dimensão dos negócios do general na reserva, de 54 anos, algo que, segundo Ilídio Manuel, levanta dúvidas quanto à origem do seu dinheiro. "Não se tem um Bento Kangamba como aquele empresário que criou emprego…", sublinha.
Quem é o general angolano Bento Kangamba?
Kangamba é conhecido como um homem do desporto. É o proprietário do Kabuscorp Sport Club do Palanca, vencedor em 2013 do principal campeonato nacional, o Girabola, e da Supertaça de Angola de 2014.
No ano passado, a equipa terminou o campeonato em quarto lugar, mas foi despromovida da primeira divisão por o clube dever dinheiro a Rivaldo, ex-craque do Barcelona e da seleção brasileira de futebol. Bento Kangamba "teve um papel de criar uma equipa, que tinha como objetivo ganhar o campeonato. E também fez do desporto uma exteriorização de sinais de riqueza ao contratar figuras de desporto de projeção mundial ou mesmo continental, como foi o caso do brasileiro Rivaldo e do congolês Trésor [Mputu Mabi], que ganharam cá em Angola uma fortuna no tempo em que Angola ainda nadava em petrodólares", comenta Ilídio Manuel.
Detenção
Em 2013, Kangamba também se viu envolvido noutras polémicas. Foi acusado de ser o destinatário de cerca de três milhões de euros que foram apreendidos pela polícia francesa. Contudo, o empresário refutou as alegações. Foi ainda acusado pela Justiça brasileira de tráfico de mulheres para Angola para prostituição. Mas, em junho de 2014, foi ilibado por falta de provas.
No sábado passado (29.02), mais uma polémica: Bento Kangamba foi detido no Cunene, junto à fronteira com a Namíbia, por suspeita de "crime de burla por defraudação" e alegada tentativa de fuga. Kangamba é acusado de usar o equivalente a mais de cinco milhões de euros que lhe teriam sido entregues para "financiar uma campanha do seu partido", o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), segundo uma fonte judicial citada pela agência de notícias Lusa.
A assessoria de imprensa de "Kangamba" negou que o empresário estivesse a tentar fugir do país, sublinhando que tem estado a colaborar com a Justiça para pagar a dívida. Entretanto, Bento Kangamba foi libertado com termo de identidade e residência, mas está proibido de sair do país.
"Este termo de identidade e residência permite que Kangamba possa colaborar com a Justiça, mas no âmbito de um processo cível, porque o que está em causa é uma dívida que tem com os seus parceiros, e esperemos que isso seja resolvido", explica o jurista Carlos Viegas.
Violência contra ativistas
Em finais de 2011, o nome Kangamba foi também associado ao alegado recrutamento de "caenches", indivíduos que teriam batido em manifestantes que exigiam a renúncia do antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. O ativista Manuel Nito Alves foi uma das vítimas desses homens.
"Temos áudios, vídeos e fotos. Temos arquivos sobre a milícia de Bento Kangamba e 'Godzilla', que torturava manifestações sob orientação do senhor Bento Kangamba. E a polícia notava com os seus próprios olhos a tortura aos manifestantes. Não tínhamos defesa nenhuma", relembra o ativista.
O caso nunca foi esclarecido pelas autoridades.
Empresário da juventude?
Kangamba pertence à família de José Eduardo dos Santos. O general na reserva casou com uma sobrinha do antigo chefe de Estado. Durante a governação de José Eduardo dos Santos, a influência de Kangamba era grande. Foi, por exemplo, o principal patrocinador de eventos culturais no país. E ficou conhecido como o "empresário da juventude".
Mas o jornalista Ilídio Manuel tem dúvidas quanto ao título: "Embora ele goze do rótulo de 'empresário da juventude', as pessoas não conhecem empresas que gerem crescimento económico e criem empregos. Por outro lado, as pessoas ficam com a ideia de que ele seja uma pessoa que sempre se beneficiou de algum ciclo do poder na perspetiva política e de enriquecimento".
Bento dos Santos Kangamba diz que a sua riqueza é fruto do seu trabalho. Será que a Procuradoria-Geral da República (PGR) deveria investigar a origem do dinheiro de Bento Kangamba?
"Todo o dinheiro quando avulta, quando é de grande importância, por norma, carece sempre de alguma explicação sobre as suas origens no quadro do princípio da transparência, e é normal que isso aconteça", responde o jurista Carlos Viegas. "Mas todos nós sabemos como é que ele foi adquirindo esses dinheiros, qual é o tipo de atividade empresarial que desempenhou e que circunstâncias nortearam a aquisição destes dinheiros".
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".