Protagonista do processo de paz, empresário de referência e acusado de corrupção: é assim que os analistas angolanos descrevem Higino Carneiro. Arguido em vários processos, o deputado foi proibido de sair do país.
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O nome de Higino Carneiro foi recorrentemente citado pela imprensa quando o Tribunal Provincial de Luanda condenou a sua filha, Katia Solange Carneiro, no passado 26, a um ano de prisão, com pena suspensa, por ter burlado um cidadão em 2016, que pretendia legalizar o seu terreno na zona do Mussulo, em Angola. Antes do iníco do julgamento, Katia Carneiro ressarciu o valor que havia burlado ao cidadão e fez o pagamento a título de juros ao ofendido, de acordo com a imprensa angolana.
Higino Carneiro, de 63 anos, é descrito como "o senhor negociador da paz". O político angolano representou o Governo nas negociações com a União Popular de Libertação de Angola (UNITA) em acordos como o de Alto Cauango, no Moxico, mediado pelo jornalista angolano William Tonet, em 1991. Este acordo deu origem a vários outros para o alcance da paz definitiva no país. Higino Carneiro foi uma peça-chave, diz o politólogo Agostinho Sicatu.
"Foi um protagonista do processo de paz. É dos poucos oficiais generais que participou em quase todos os processo de paz que Angola teve, mas marcou-lhe mais o estatuto de negociador em 1992, quando estávamos nos preparativos para o acordo de Bicesse, também no acordo de Lusaka para além de que também foi peça fundamental no entendimento para acordo do Luena que foram acordos complementar a do Lusaka”, explica Sicatu.
Higino Carneiro, o 4x4 angolano
Conhecido pelos angolanos pela alcunha de "4x4", Higino Carneiro já ocupou vários cargos no aparelho do Estado: foi vice-presidente da Assembleia Nacional, governador das províncias de Luanda, Cuando-Cubango e Kwanza Sul. Foi ainda ministro das Obras Públicas e é atualmente deputado do partido no poder, o MPLA, na Assembleia Nacional. Na governação de José Eduardo dos Santos, Carneiro era um governante que impunha respeito, recorda o politólogo Agostinho Sicatu.
Quem é o general e empresário Higino Carneiro?
"Higino Carneiro foi sempre tido como aquele indivíduo com algum carisma a quem se respeitava e se tinha algum medo. Não foi por acaso que lhe valeu o título de 4x4, porque tinha uma postura de governação bastante ordeira e militar."
Mas Higino Carneiro é acusado de corrupção e má gestão de fundos públicos.
"General enriqueceu com dinheiro público"
Segundo um artigo do portal Maka Angola, publicado em janeiro, o general "enriqueceu-se com dinheiro público": em Cuando-Cubango, haveria fundos públicos destinados à construção de escolas, casas e de um hospital que estariam a ser desviados em parte para a "construção de um lodge (pousada) privado" do deputado.
Em fevereiro, Carneiro foi constituído arguido por má gestão enquanto governador da província de Luanda, entre 2016 e 2017. Além disso, em agosto passado, a Inspeção Geral da Administração do Estado (IGAE) revelou que, em 2007, o Ministério das Obras Públicas, então liderado por Higino Carneiro, não justificou despesas de mais de 80 milhões de euros. Segundo a IGAE, entre os gastos por explicar estariam promoções de 14 funcionários que não reuniam requisitos legais para o efeito, bem como o pagamento de despesas de viaturas de pessoal estranho ao serviço.
Angola: Para quando uma estratégia de combate à corrupção?
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Sobre o assunto, Higino Carneiro, citado pela imprensa portuguesa, "disse que não tinha tempo para dar justificações".
A confirmarem-se estas denúncias, Carneiro terá feito o mesmo que outros políticos fizeram: "acumulação primitiva de capitais" - comenta o jornalista angolano Ilídio Manuel. Embora tenha investido na economia angolana. "O general Higino Carneiro é uma das figuras militares, políticas e também um dos empresários de grande referência. A semelhança dos demais, também fez acumulação primitiva de capitais e, ao contrário de muitos que andaram a esbanjar, fez investimentos no ramo da hotelaria, no ramo da agricultura”.
Investimentos de Higino Carneiro
Higino Carneiro tem investimentos no estrangeiro, incluindo em São Tomé e Príncipe, mas também em Angola. Segundo a imprensa, tem participações na cadeia Ritz, com mais de 10 unidades hoteleiras no país - a mais moderna, o hotel Victoria Garden, situado em Kilamba Kiaxi, nos arredores de Luanda. Do seu património constam ainda ações nos bancos Keve e Sol e uma companhia de aviação com 14 aeronaves.
Higino Carneiro é também um homem ligado ao desporto. O seu nome está associado ao Clube Recreativo do Libolo, que já conquistou quatro títulos no Girabola, o principal escalão do futebol nacional. A equipa é patrocinada pela Global Seguros, seguradora que tem como maior acionista o Banco Keve.
Mas o jornalista Ilídio Manuel lembra também que Higino Carneiro gosta de investir no desporto na sua terra natal: Calulu, na província de Kwanza Sul. "Deu um grande impulso no desenvolvimento do desporto sobretudo do futebol e do basquetebol, justamente na sua terra natal. Ao contrário de muitos, investiu na sua terra natal. Não perdeu aquelas raízes. E é bom que isso se assinale."
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".