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Quem mandou matar Gilles Cistac?

Nádia Issufo5 de março de 2015

O assassinato de Gilles Cistac cai imediatamente aos pés da FRELIMO. Dados que conduzam a tal suspeita são vários, tal como há outros que a anulam. Posições diferentes foram ouvidas pela DW África.

Foto: Marco Longari/AFP/Getty Images

Várias vezes Gilles Cistac, enquanto constitucionalista, colocou em xeque decisões do Governo da FRELIMO. Por exemplo, teria levado Armando Guebuza, enquanto chefe de Estado, a revogar a Alta Autoridade da Função Pública, substituindo-a pelo Ministério da Função Pública, depois de ter denunciado que o Presidente não tinha competência para criar tal entidade.

Também o nome do constitucionalista moçambicano de origem francesa teria sido algumas vezes recusado pelo Governo para tomar parte em iniciativas de grande valor nacional.E mais recentemente, foi o constitucionalista quem revelou a lacuna constitucional que pode permitir uma governação autónoma das províncias.

Gilles CistacFoto: A Verdade

Com base no respeito pela Constituição, a FRELIMO perderia o poder que detém exclusivamente há 40 anos.

FRELIMO envolvida no assassinato?

Todos estes elementos são suficientes para se ter o maior partido do país como principal suspeito do assassinato de Gilles Cistac?

Silvestre Baessa, especialista em boa governação, responde: "Uma análise mais simplista diz que sim, porque não existindo outras situações na qual ele tenha conflitos ou posições contrárias que possam gerar conflito e uma rejeição muito forte de um determinado grupo, creio que a FRELIMO, sobretudo nos sectores mais conservadores e provavelmente mais radicais do partido, sejam percebidos como os principais responsáveis por isso. Essa é a perspetiva mais simplista que temos para chegar à conclusão. Mas por vezes em situações do género a resposta não é assim tão elaborada. Acredito que seja bem provável que setores mais extremistas não tenham percebido a posição do Presidente da República quando sugeriu que a RENAMO deveria submeter uma proposta ao Parlamento ou não tenham percebido a posição de Gilles Cistac sobretudo pelo facto de ser também branco de origem europeia".

Silvestre BaessaFoto: privat

Persistem dúvidas sobre assassinato

Embora no país parte da imprensa e da opinião pública tenha a FRELIMO como principal suspeito do assassinato, há também quem pense diferente. Tal é o caso do historiador e especialista dos media Egídio Vaz que apresenta os seus argumentos: "Se quisermos avaliar as circunstancias da morte de Gilles Cistac persistem algumas dúvidas. Se foi, então é uma decisão irracional porque todos os elementos que estão disponíveis e que nos permitem cogitar sobre as causas próximas da morte de Cistac vão continuar. Os processos não vão morrer só porque alguém morreu."Face as suspeitas de que a FRELIMO é alvo, a sua Comissão Política, o principal órgão decisório do partido, veio publicamente, nesta quarta-feira (04.03), distanciar-se do assassinato do constitucionalista.

Egidio VazFoto: Marta Barroso

A DW África ouviu o porta-voz da FRELIMO, Damião José, que em fevereiro passado acusou o constitucionalista, entre outras coisas, de estar a obedecer a agendas ocultas. José frisa que Cistac estava apenas a gozar do seu direito de liberdade de expressão e que o seu partido nada tem a ver com a sua morte.

"Não é matéria para se suspeitar que a FRELIMO tenha sido autora do assassinato. Porque se assim fosse então esses cidadãos que têm estado quase diáriamente a insultar a FRELIMO e a difamar os seus dirigentes, se calhar não estariam agora vivos. Portanto não pode haver este paralelismo sobre o facto do académico Cistac ter aparecido nos últimos dias a manifestar a sua opinião em relação às regiões autónomas".

FRELIMO dividida?

Desde que Cistac surgiu a legitimar, através da Constituição, a ideia da RENAMO de uma governação autónoma das províncias, a ideia de divisão no seio da FRELIMO se tornou mais forte aos olhos da opinião pública local.

Está claro para muitos analistas de que existem dois centros de poder na FRELIMO, um dirigido pelo atual Presidente, Filipe Nyusi, e outro dirigido pelo ex-Presidente Armando Guebuza, que continua ainda como presidente do partido.Sendo que Cistac colocou em causa os projectos do segundo centro de poder, que encetou uma campanha contra a a governação autónoma através da sua comissão política, a sua morte cairia justamente aos pés de Armando Guebuza. Representaria o facto uma pressão para que Guebuza abandone, mesmo, a presidência da FRELIMO?

Poster do Partido FRELIMO numa campanha eleitoralFoto: picture-alliance/AP

Segundo Silvestre Baessa "todas as situações mesmo as desagradáveis criam sempre oportunidades para se resolver outros problemas. Naturalmente esta situação acaba por penalizar muito a FRELIMO. Nos primeiros dias da governação do Presidente Nyusi ficou muito claro a ideia de que não é possível, pelo menos no contexto de Moçambique, como país e com um partido-Estado a existência de dois centros do poder. E toda esta crise na sociedade que se instalou a seguir a este assassinato pode ser a oportunidade que faltava ao Presidente Nyusi para se impor. Para mim está claro que a liderança do Guebuza tem dias contados.

Presidente da FRELIMO é também chefe de Estado

Na FRELIMO não existe um regulamento que determine que o chefe do partido deve ser simultaneamente Presidente do país, mas a tradição do partido é que um único individuo seja as duas coisas.

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Entretanto, até agora Nyusi não cumpriu com a tradição. Em Moçambique muitos acreditam que Guebuza não queira sair da cadeira. Para o historiador Egidio Vaz o assassinato não influencia em nada a saída de Guebuza.

"Não será por essas causas que vai abandonar o partido FRELIMO. A saída de Guebuza da presidência da FRELIMO vai ser seguramente em cumprimento com uma eventual transição ou as instituições democráticas da própria FRELIMO como órgãos que irão assim decidir".

E enquanto ainda não se conhecem os autores do crime várias hipóteses e questões se colocam. Por exemplo, se a FRELIMO estiver realmente fraccionada, um ajuste de contas no seio do partido não estaria em ação e Gilles Cistac não seria apenas um instrumento de luta? fica a pergunta.

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