José Manteigas reage assim aos interrogatórios que a PGR de Moçambique tem feito a membros seniores do partido, assegura que a RENAMO acompanha audições "atentamente" e volta a distanciar-se das ações da "Junta Militar".
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Na terça-feira (21.01), o Ministério Público de Moçambique interrogou o deputado Elias Dhlakama sobre o seu alegado envolvimento no apoio à autoproclamada "Junta Militar" da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), acusada de ataques armados no centro do país. Também já foram ouvidos Ivone Soares, chefe da bancada do partido no Parlamento, o deputado António Muchanga e o próprio porta-voz do partido, José Manteigas.
Em entrevista à DW África, o porta-voz do maior partido da oposição diz esperar que a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique conduza as suas investigações com "isenção e imparcialidade". José Manteigas também nega que sejam verídicas as informações que têm sido veiculadas a respeito do seu próprio envolvimento com a organização liderada por Mariano Nhongo e afirma ainda que a RENAMO quer que os factos sejam esclarecidos.
DW África: Elias Dhlakama foi ouvido como declarante. Além dele, a Procuradoria-Geral da República também já ouviu outros membros da RENAMO por alegado apoio à autoproclamada "Junta Militar". O que é que a RENAMO tem a dizer sobre estas audições dos últimos dias?
José Manteigas (JM): A RENAMO está a acompanhar atentamente o que está a acontecer. Como sabe, outros deputados também foram ouvidos. Mas em respeito às instituições do Estados e nós queremos crer que a Procuradoria-Geral da República, ao convocar os quadros da RENAMO, o faz no princípio da isenção e da imparcialidade, a RENAMO está a acompanhar para que, de facto, se faça o esclarecimento do que está a acontecer.
RENAMO reage a audições na PGR. "Quem não deve, não teme"
Por exemplo, em relação à minha pessoa, eu não tenho nada a ver com o que tem sido veiculado pelos órgãos de comunicação social. Mas eu opto, e o partido também opta, por não comentar este assunto, porque está nas mãos da Justiça.
DW África: A RENAMO concorda com estes interrogatórios ou considera, de certa forma, uma afronta ao partido?
JM: Nós não concordamos com isso. Como estou a dizer, a RENAMO respeita as instituições e a PGR é um órgão, uma instituição da Justiça. Se calhar, tem algum fundamento para estas convocações. Portanto, o que a RENAMO está a fazer é acompanhar atentamente e ver, de facto, o esclarecimento deste caso. Porque a questão da insegurança do país, do Estado, é uma preocupação para todos. Mas, esperamos que não sejam incriminadas as pessoas inocentes, não é?
DW África: Nos últimos dias foram ouvidos Elias Dhlakama, o próprio José Manteigas também já foi ouvido, Ivone Soares e António Muchanga. Por que motivo acha que terão chamado estes membros da RENAMO para interrogatório?
JM: Eu não sei responder porque fui chamado, porque não tenho nenhuma ligação com o senhor [Mariano] Nhongo, nunca falei com o senhor Nhongo. Então, não sei porque fui solicitado. Mas, como já disse, em respeito às instituições do Estado, fui prestar as declarações que me foram solicitadas.
DW África: Portanto, a RENAMO vai continuar a colaborar com a Justiça neste caso?
JM: Bom, o que queremos é que se faça esse esclarecimento. Esse é que é o nosso compromisso. Portanto, quem não deve, não teme.
DW África: Há tempos, o antigo secretário-geral da RENAMO, Manuel Bissopo, defendeu que a liderança da RENAMO devia "assumir esses guerrilheiros que são acusados de protagonizar os ataques armados no centro do país e ele diz ainda que a "solução para conter a violência deve ser interna". O que é que a RENAMO tem a dizer sobre isto?
JM: Esse é o ponto de vista dele, não é o ponto de vista do partido. Ele nunca colocou isso num órgão competente dentro do partido, foi aos órgãos de comunicação social dizer isso. Portanto, isso é da inteira responsabilidade dele.
DW África: Qual seria então a solução da RENAMO para o caso desses insurgentes?
JM: Eles são desertores. Então, que chamem a si a razão e prevejam as suas punições, porque eles desertaram da RENAMO e, uma vez sendo desertores, a RENAMO não tem nenhuma responsabilidade sobre eles.
DW África: O Presidente Filipe Nyusi disse ontem, em Londres, que quer conversar com a RENAMO para impulsionar o processo de reintegração dos guerrilheiros. Já houve contactos com o partido nesse sentido?
JM: Não sei dizer. Eu também acompanhei pelos órgãos de comunicação social ainda ontem. Portanto, não sei dizer. O que eu devo dizer é que, de facto, nós, como partido, estamos interessados em que este processo corra o mais rapidamente possível de modo a termos um desfecho do DDR [Desmilitarização, Desarmamento e Reintegração].
DW África: Porque é um processo que neste momento está parado, não é?
JM: Não sei dizer, porque não faço parte da comissão de recepção. Mas o que é certo, e é um facto que posso confirmar, é que estes estavam atentos para que este processo continue com a conclusão em 15 dias ou até acelerar para termos um desfecho o mais rapidamente possível.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.