Após o arranque do julgamento dos 17 ativistas angolanos acusados de conspirar contra o governo, a Human Rights Watch diz que este momento é uma oportunidade para o sistema judicial angolano mostrar a sua independência.
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O julgamento dos 17 ativistas angolanos , 15 deles presos desde junho, acusados de prepararem uma rebelião que supostamente levaria à destituição do Governo do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, começou esta segunda-feira (16.11) em Luanda.
Em entrevista à DW África, Zenaida Machado, investigadora da organização não-governamental Human Rights Watch (HRW), diz que é importante que o processo não seja condicionado nem interna nem externamente.
DW África: Porque é que a HRW diz que este julgamento é decisivo?
Zenaida Machado (ZM): Porque a experiência de Angola em casos passados é que muitos deles – não todos - que envolveram ativistas de direitos humanos, críticos do Governo ou do Presidente da República acabaram com os réus a serem condenados a penas pesadas. Houve, muitas das vezes, fraca apresentação de provas em tribunal, machando até a liberdade judicial e a imagem do poder judicial. Os julgamentos anteriores deixaram uma perceção nacional e internacional que o poder judicial em Angola é um instrumento do Governo para penalizar aqueles que não concordam com o sistema e com aqueles que estão agora no poder em Angola.
DW África: O que espera a Human Rights Watch deste julgamento?
ZM: Esperamos que este processo judicial decorra dentro dos parâmetros internacionalmente aceites para garantir um processo judicialmente independente e justo, que sejam respeitados os direitos dos réus e que sejam respeitados os valores humanos universais. Esperamos também que os juízes não se deixem influenciar por poderes políticos durante este processo e que tomem as suas decisões apenas com base nas provas que serão apresentadas durante o julgamento.
DW África: Esta segunda-feira uma manifestação que foi reportada pela Televisão Pública de Angola (TPA), a pedir uma justiça sem pressão, incluindo pressão do exterior. Que comentário tece a HRW a este respeito?
ZM: Concordo com eles: não deve existir pressão de nenhuma das partes. Ou seja não deve existir pressão internacional mas também não deve existir pressão política interna em Angola sobre o juiz. Portanto, deve-se permitir ao sistema judicial e aos juízes do caso trabalhar de forma independente, sem serem pressionados e baseados nas provas que vão ser apresentadas de hoje até sexta-feira (20.11) no tribunal.
"Queremos acreditar que o processo vai ser justo"
DW África: A HRW está a acompanhar o julgamento em Luanda e pensa fazê-lo no terreno?
ZM: A HRW tem parceiros em Luanda e estamos a acompanhar todo o processo minuciosamente. Recebemos relatórios constantes sobre o processo judicial e como está a decorrer. Estamos a par de algumas dificuldades que o processo está a enfrentar, por exemplo, o fato de os advogados terem tido acesso ao processo mais tarde. Estamos também a par de algumas escaramuças no exterior do tribunal, dos procedimentos de segunda-feira e hoje. Recebemos também a informação que a imprensa está a ter dificuldades de acesso ao processo mas aceitamos, por exemplo, que esta é uma opção do juiz. Mesmo assim, queremos estar confiantes que o processo em si, dentro do tribunal, vai respeitar os padrões de um julgamento justo.
As t-shirts do julgamento dos 15+2
O julgamento dos ativistas angolanos acusados de prepararem uma rebelião iniciou na segunda-feira (16.11). Ao mesmo tempo, começou um desfile de t-shirts de protesto, dentro e fora do tribunal. Veja as fotos do processo.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir"
"Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro", afirmou o ativista Luaty Beirão no primeiro dia do julgamento. Luaty e outros 16 ativistas são acusados de prepararem uma rebelião contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Defensores dos direitos humanos dizem que o caso tem motivações políticas. Em protesto, um ativista escreveu na farda prisional: "Recluso do Zédu".
Foto: DW/P.B. Ndomba
Presunção da inocência
Outro ativista escreveu na farda prisional "in dubio pro reo [princípio da presunção da inocência]. Nenhuma ditadura impedirá o avanço de uma sociedade para sempre." Ele é um dos 15 jovens detidos desde junho. Até à detenção, os ativistas costumavam encontrar-se aos sábados; um dos tópicos dos debates semanais era o livro "Da Ditadura à Democracia", do académico norte-americano Gene Sharp.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Nova acusação por causa das t-shirts?
À acusação que os ativistas angolanos já enfrentam, de alegados atos preparatórios para uma rebelião, poderá agora somar-se uma outra: a do crime de danos, por escrever frases de intervenção na farda dos serviços prisionais. A informação foi avançada por David Mendes, um dos advogados dos jovens.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Mais t-shirts fora do tribunal
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
#LiberdadeJa
Sem t-shirts feitas para a ocasião, mas com cartazes, houve ainda quem pedisse "liberdade já!" para os ativistas angolanos, no exterior da 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda. Essas são também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
Método n.º 159
Luaty Beirão (ao centro) é outro dos 15 jovens detidos desde junho. Ele cumpriu 36 dias de greve de fome em protesto contra o excesso de prisão preventiva dos ativistas. Com a greve de fome de Luaty, o caso ganhou proporções internacionais. Jejuns e greves de fome estão listados no livro "Da Ditadura à Democracia" como o método n.º 159 de "intervenção não violenta".
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Sala de imprensa improvisada
O julgamento dos 15+2 é tido como um dos casos mais mediáticos da história de Angola. No entanto, os jornalistas ficam à porta. O tribunal autorizou-os a estar na sala de audiências para assistir às primeiras horas do julgamento, mas agora só poderão voltar a entrar na fase das alegações finais e na leitura do acórdão. Diplomatas estrangeiros também não puderam entrar.
Foto: DW/P.B. Ndomba
"Momento decisivo"
Estava previsto que o julgamento dos 15+2 terminasse esta sexta-feira, 20 de novembro, mas deverá prolongar-se. Segundo a organização de direitos humanos Human Rights Watch, este caso é um "momento decisivo" para o sistema judicial de Angola: "Os juízes angolanos devem demonstrar independência e não permitir que este julgamento seja manipulado como um instrumento para silenciar as vozes críticas."