Guiné-Bissau: Quezílias internas agravam cenário político
Braima Darame (Bissau)
7 de fevereiro de 2017
Governo entrega programa no Parlamento, mas o presidente não mostra interesse no documento. O país, que atravessa uma das piores crises desde a guerra civil de 1998, continua paralisado.
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A instabilidade eclodiu quando, em agosto de 2015, o Presidente da República, José Mário Vaz, depôs o Governo liderado por Domingos Simões Pereira, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
O agudizar da crise política, com troca de acusações entre os principais órgãos da soberania, deixa o país parado, o aparelho de Estado funciona a meio gás e favorece o aumento da corrupção.
Após dois anos de várias missões de mediações falhadas, a comunidade internacional dá sinais de cansaço e deixa o país numa situação de suspense.
O quinto primeiro-ministro, em mais de dois anos de mandato de José Mário Vaz, luta pela sobrevivência política, carecendo da legitimidade do Parlamento.
Orçamento sem data para discussão
A Assembleia Nacional Popular (ANP) ainda não convocou um plenário para que o primeiro-ministro apresente o programa de Governo e o Orçamento Geral do Estado, os dois principais instrumentos de governação.
Esta segunda-feira (06.02), Umaro Sissoco Embaló entregou o seu programa de Governo ao presidente do Parlamento. "Fiz a minha parte, agora cabe ao líder do Parlamento fazer a sua: deixar os deputados trabalhar para que o programa do Governo possa ser apresentado, discutido e submetido a votação”, afirmou.
O presidente da ANP, Cipriano Cassamá, tem, no entanto, anunciado publicamente que o Parlamento não irá debater o programa do Governo, por o considerar ilegal.
Antes de receber o programa de Governo, Cipriano Cassamá entregou ao primeiro-ministro uma cópia da Constituição da Guiné-Bissau bem como o regimento de funcionamento da ANP.
Ameaças de demissão
Quando se disputa o controlo de poder no Parlamento, a troca de corpo de segurança na ANP, determinada pelo ministro do Interior, aumentou a tensão política. Cipriano Cassamá, exige explicações do Governo sobre a decisão.
"É bom não brincar com coisas séries e muito menos inventar factos. Assistimos, outrossim, a uma greve e inaceitável violação do princípio da separação de poderes”, argumenta, o presidente do Parlamento.
Cassamá denuncia que tem sido alvo de ameaças e garante que não se deixa intimidar: "Estou a ser ameaçado de demissão como se estivéssemos no regime presidencialista. A situação é grave”.
UE garante apoio
O delegado da União Europeia (EU) no país, Vítor Madeira dos Santos, garante que, apesar da situação complexa, a ajuda à Guiné-Bissau para o fortalecimento do Estado de Direito e da Democracia vai continuar. Segundo Vítor Madeira dos Santos entre as apostas da UE para 217 está promoção da "democracia e o respeito pelo primado da lei, apoiar a liberdade de informação, melhorar o acesso à justiça para as vítimas de crime e proteger os direitos dos detidos”.Já para o presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, Augusto Mário da Silva, os guineenses, reféns da classe política, vivem num mundo da incerteza quanto ao seu futuro.
07.02.2017 Guiné-Bissau / crise política persiste - MP3-Mono
"Assiste-se à ausência de uma política social efetiva de redução de pobreza orientada para fazer face às reais necessidades da população associada à degradação das infraestruturas sociais, alta taxa de mortalidade materno-infantil, alto grau de desemprego e fornecimento irregular de energia elétrica”, considera Augusto Mário da Silva.
Carências do principal hospital de Bissau
O Hospital Nacional Simão Mendes é considerado a unidade hospitalar de referência na Guiné-Bissau. Mas falta quase tudo: pessoal especializado, medicamentos básicos, aparelhos de diagnóstico.
Foto: Gilberto Fontes
Crise política deixa hospital a meio gás
Com a instabilidade política agravaram-se as necessidades no principal hospital da Guiné-Bissau e caíram por terra as expectativas da equipa hospitalar que esperava mais atenção por parte das autoridades. A Cruz Vermelha e os Médicos Sem Fronteiras prestam apoio. Mas, mesmo assim, perdem-se muitas vidas por falta de condições básicas de assistência.
Foto: Gilberto Fontes
À espera da hemodiálise...
O país ainda não consegue tratar doentes com insuficiência renal. O hospital tem estas instalações novas para iniciar tratamentos. Só falta a máquina da hemodiálise. Curioso é que o equipamento está no hospital, fechado há anos numa sala, cuja chave está com o Ministério da Saúde, segundo fonte hospitalar. Um nefrologista e vários técnicos fizeram formação em diálise, que ainda não podem aplicar.
Foto: Gilberto Fontes
Enquanto isso a população sofre
Doentes, como esta senhora, só podem receber tratamentos de hemodiálise no Senegal. No entanto, cada sessão chega a custar 150 euros. O que é insustentável para muitos doentes que, normalmente, necessitam de várias sessões semanais. Quando a doença é detetada numa fase inicial, aciona-se a evacuação para Portugal. Mas o processo é moroso. Muitos doentes acabam por falecer por falta de tratamento.
Foto: Gilberto Fontes
Há equipamentos novos parados...
O técnico de radiologia Hécio Norberto Araújo lamenta que este aparelho novo de radiografias esteja praticamente parado. Só faz alguns exames, em casos de urgência. Também o equipamento de mamografia nunca funcionou devido à falta de acessórios, como o chassi e o aparelho de revelação. O hospital militar continua a ser o único no país a fazer mamografias e tomografias, que podem custar 100 euros.
Foto: Gilberto Fontes
E máquinas obsoletas em uso
Na falta de opções, este velho aparelho de raio x continua a ser muito requisitado. Ninguém sabe quantos anos tem o equipamento que funciona com arranjos improvisados de fita-cola. A pequena sala de diagnóstico está desprovida de qualquer proteção contra as radiações. O único avental de proteção está estragado. Os técnicos de radiologia estão diariamente expostos a radiações eletromagnéticas.
Foto: Gilberto Fontes
Sem mãos a medir na pediatria
Esta unidade costuma estar cheia, principalmente na época das chuvas, com o aumento de casos de malária ou paludismo e diarreia nas crianças. Neste serviço com 158 camas, há apenas nove médicos efetivos e quase 40 enfermeiros. Entre o pessoal médico, conta-se um único especializado em pediatria. A falta de um eletrocardiograma é responsável pelo diagnóstico tardio de cardiopatias entre os menores.
Foto: Gilberto Fontes
Nem medicamentos para emergências
Nos cuidados intensivos há apenas um cardiologista. A maioria do pessoal médico são clínicos gerais. Por vezes, em plena situação de paragem cardíaca, falta medicação de urgência que os familiares do doente têm de se apressar em providenciar. A equipa hospitalar quer mais investimento em formação e em condições de trabalho. Só assim pode salvar mais vidas e diminuir a evacuação para o exterior.
Foto: Gilberto Fontes
Faltam lençóis e comida
O Hospital Nacional Simão Mendes tem mais de 500 camas. Mas não tem lençóis que cheguem para fazer a cobertura de todas elas. Devido à falta de pijamas, muitos doentes ficam hospitalizados com a roupa que trazem no corpo. Além disso, não há como providenciar alimentação aos pacientes que, na maior parte das vezes, ficam dependentes da comida que os familiares conseguem fazer chegar.